quinta-feira, abril 29, 2010

Desvanecer e ressurgir... Um breve conto.

Era sombria e fria a praça Central...

Vagueavam algumas pessoas por ela naquele fim de tarde. A norte, a velhinha igreja centenária fazia ecoar seu sino em cada quarto de hora, acelerando ou retardando o passo do transeunte. Em frente, olhando para si, a fachada do sólido edifício Setecentista...
Sólido? Talvez nem tanto... Corroído pois pelas agruras de um tempo que passa, de uma sociedade corrosiva, tanto como o tempo que discorre por um calendário inexorável.
1705... Novembro, em dia de sorte da Graça de Nosso Senhor... Última pedra colocada. Majestosa inauguração. Edifício histórico de gente nobre. Sólido de pedra e de valores... Feliz nos verdes anos de sua juventude. Frondoso e imponente em frente à recente igreja plantada à sua frente. Por lá passara el-Rei! Por lá passará mais vezes... Por lá o tempo também avança.

No presente, edifícios modernos se ergueram. Escritórios decadentes... à esquerda e à direita. Firmas de menos escrupulosos advogados. Empresas financeiras de métodos poucos recomendáveis. Nas suas fachadas esplanadas. Junto a belas moças de sedutoras formas e mini-saias reduzidas (caloroso era aquele sol, de um Abril anormal...), se acumulavam mil homens de pastas nas mãos. Políticos corruptos, gente do vil metal (Seriam todos... Parecia tal...). Gente que se arrastava penosamente por cada pedra da calçada, numa tarde banal... Agitando papéis... Ou apenas o cigarro na mão direita...

...Chupistas!!

Defronte resistia ele! O edifício degradado e desgastado... Sangrando de morte ao final da tarde... Arrastando suas fundições na dolorosa agonia dos últimos dias! Sobre ele a sentença capital. Da luxúria... Do futuro decadente. Entre suas paredes prendia o monstro do alumínio, dos vidros, do papel timbrado... do dinheiro sujo... Dos tribunais, políticas, "futebois" e rebaldaria... Negro futuro que se adivinhava mais que certo...
O pilar da sobriedade e dos valores oscilava... sofria...

21h... A rua deserta. A primeira lágrima escorreu entre o primeiro e o segundo andar... Desfazendo-se amarguradamente nas pedras da calçada. Ao longo da noite se fez pranto... Sob o troar das sirenes e de mil vozes gritantes. A voz mais alta ergue-se à queda do primeiro pilar!
"Não sois vós que me ireis derrubar... Antes cair sob o peso de mim próprio que às mãos sujas dos vil corruptos"...
E envolto em grades de metal e fitas plásticas amarelas adormeceu para sempre já o sol ia alto...


Colheu a singela flor amarela e ofereceu à menina ao seu lado...
Na praça central defronte da velha igreja existia um belo jardim florido, onde crianças corriam e velhinhos aproveitavam os últimos raios de sol daquela tarde. Ao lado alguns edifícios velhos e abandonados, davam já os primeiros sinais de agonia (e que interessava isso...)
Imponente o jardim era ponto de encontro de gerações...
E aquela flor terna era primórdio de um amor terno e duradouro... O primeiro amor... Aquele que é inocente e original.

5 comentários:

Captain Dildough disse...

Foste inspirado por algum edifício em particular? É que em toponímia lisboeta sou uma nódoa, não fosse eu o parolo dos subúrbios :D

R.B. NorTør disse...

Tem passagens que sao pura poesia em prosa.

Agradavel e sempre e refrescante ver aqui novas participacoes de tao antigo membro!

alphatocopherol disse...

Obrigado pelos comentários.

Não é nenhuma praça em especial não :) Foi um mero exercício descritivo mas fantasioso. O texto procura dar uma ideia de vitória do simples e moral sobre uma sociedade corrupta e amoral, usando uma figuração arquitectónica... Não me considero grande escritor de prosa, mas tentei de facto dar um ar poético ao discorrer das ideias. É daqueles textos sem compromisso, mas que no final até me deixou satisfeito porque sinto que consegui transmitir aquilo que queria. Se agradar ao leitor mais satisfeito fico ainda :)

Chas. disse...

Eu gostei muito... se juntasses ai os especuladores, juros, ratings especulatorios dos americanos ainda pensaria na Acrópole como metáfora ao euro....

Chas. disse...

Se bem que Acropole é bem mais do que secentista... :S