sexta-feira, fevereiro 25, 2005

Palavras

Palavras... rio incansável,
Águas que correm violentamente...
Que se agitam inexoravelmente
Numa raiva insaciável.

Águas que ferem, que matam!
Que afogam imagens e recordações,
Que exaltam mil emoções...
Que revoltas tudo atacam.

Barcos no rio, atentos estai...
Tempestade, tempestade!
Recolhei velas, que a hora é certa...
Alerta, alerta!
Na tormenta que aperta...
Tudo parte, tudo cai!
Rio cruel sem piedade...

Pela terra mil destroços...
Rio... Palavras perdidas,
Palavras na tempestade consumidas,
De uma verdade, que mata a verdade!

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Revolução

Ouçam amigos, ouçam
O que vos venho anunciar
Tremam, amedrontem-se, mas não esqueçam
Que o mais ansiado dos meus desejos
Se está prestes a realizar...

Ouçam amigos, ouçam
Pois aproxima-se não a passo, mas a trote
A revolução que tudo engolirá!
Está a chegar, pulsante, vibrante!
E debaixo de uma turba raivosa
Os alicerces da sociedade ruirão,
A terra firme e escura virará céu,
E o fogo crepitante tudo consumirá
Numa labareda quente, eterna,
E penitenciante...

Ouçam amigos, ouçam
Que o trovador do que virá
O bardo do apocalipse
O arauto dos novos tempos
Vos avisa

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Contos do Exílio - O Regresso, parte III: O Mestre

Dormiu descansado pela primeira vez, no que parecia já um eternidade. Quando acordou já o Sol ia bem alto e o orvalho havia secado na plantas em seu redor, algo novo para ele. Não se lembrava de nenhum sonho. Nada! Não havia nele sequer os habituais desejos animalescos de caça, como se o simples acto de comer um pão e de dormir junto a uma fogueira houvessem despertado nele uma humanidade hibernante.
Levantou-se e descobriu, para lá do monte de cinzas que era agora a fogueira, o velho que na noite anterior o acolhera. Aí se encontrava, imóvel, sereno, sem esboçar qualquer sinal de vida, como se de uma estátua de bronze se tratasse. No seu ombro esquerdo repousava, altivo, um falcão e junto aos seus pés um corvo debicava o que parecia ser os restos de pão da noite anterior.
-Bons dias Exilado! - saudou-o o velho, sem pestanejar sequer, permanecendo imóvel. -Creio que tens muitas perguntas para fazer e eu tenho muitas respostas para te dar.
-Bom dia... Como te chamas? Quem és tu? - perguntou, ainda meio atordoado pela situação, mas com um sentimento de segurança. Sentia-se estranhamente seguro junto àquele desconhecido, que pretendia conhecer a curto prazo.
-Penso que estarás mais receptivo a respostas após uma boa refeição. Toma, come! - disse retirando de um bornal um pão, em tudo idêntico ao da noite anterior, e um cantil. - Se tiveres sede podes beber do cantil. Tem uma bebida revigorante que faço para mim, mas pareces necessitar mais dela do que eu.
-Como sabes as minhas necessidades? Como sabes quem eu sou?
-Come descansado, com o tempo saberás as respostas, porque com o tempo eu tas direi. Por agora - e levanta-se num repente, apenas se servindo das pernas, num gesto que revelou bastante agilidade - vou devolver os meus amigos à sua vida normal. Volto já.
Dirigiu-se então à clareira, o corvo e o falcão esvoaçando atrás dele, não se importando, ou figindo não se importar, com aquele ser que deixava especado a olhar para ele.

(continua)