domingo, janeiro 25, 2004

Hecatombe - Parte II

A situação deteriorava-se. Apesar da resistência inicial no 7º Templo da Ilógica, os alunos capitularam, exaustos de ouvir as ladainhas mortalmente entediantes dos professores do Departamento. Estes não foram importunados, visto que as tropas invasoras selaram prontamente os seus gabinetes em sarcófagos de betão, para conter a ameaça.
Os restantes Departamentos resistiam heroicamente.
Os Informáticos combateram em barricadas de hardware ultrapassado. Muitos especializaram-se no arremesso de CD's mortíferos, ao melhor estilo de Xena(tm).
Os Físicos estavam melhor preparados, pois dispunham de aparatos LASER de alta potência e equações indecifráveis, altamente incapacitantes.
Os Engenheiros dispunham de planos de estruturas e fio eléctrico, com que fizeram bonitos papagaios.
Os Químicos, esses, empregaram os seus conhecimentos na síntese de venenos, explosivos e compostos aromáticos altamente enjoativos, como o Limoneno. Muitos foram os soldados das forças invasoras que sucumbiram a um ataque de vómitos antes de chegarem sequer ao 3º piso do Edifício Departamentóide de Química.
No plano global, a invasão estava a revelar-se morosa e difícil. E Cherneboff, do alto do seu trono laranja, inquietava-se com pensamentos contraditórios. "Será que fiz mal em subestimar estes mandriões? Está na hora de passar ao Plano B!"

As novas contingências foram postas em prática. O que se seguiu foi hediondo...

(continua...)

quarta-feira, janeiro 21, 2004

Apenas sentindo... (1ª parte)

Levantei uma perna para o lado de fora, ouvi uma leve ondulação no tornozelo, um vulto sombrio reflectia no chão negro…

Caminhei olhando o céu escuro que cobria todo o fundo à minha volta. Os pés molhados e frios eram as únicas imagens que pairavam nos meus sentidos. Uma nuvem encobria a Lua Nova. Não havia objectos, nem cores, só sons.
Ao longe ecos dos meus passos faziam esvoaçar aves, (estranhas aves essas que das asas pareciam levantar o céu). Comecei a sentir uma aragem quente, como se de alguém se tratasse. (Ainda bem que a ave me fez a rasante, ao menos trouxe-me um sinal). Mas qual sinal? Seria exactamente o quê? Na ondulação de regresso a água não trazia nenhum acrescimento de temperatura!..Ela regressava?! Haveria terra sólida ao pé? Ou seria apenas uma rocha, ou alguém com os membros já gelados? Não fazia sentido... Contudo segui a direcção das ondinhas, calculando o tempo de regresso, ou seja, o dobro da distância tendo em conta a velocidade que estava a tomar... Estavam a demorar cinco minutos, sendo a minha velocidade média seis quilómetros por hora, estaria algo a 250 metros! O que seria?
Continuei, mas mais cauteloso, redobrei a minha audição, o silêncio fazia eco no meu consciente. Passo a passo calco algo seco, uma rocha fria como nunca tinha pisado nenhuma, sentia uma superfície lisa como de vidro se tratasse. Continuei mais devagar para não escorregar, até que paro quando sinto uma aragem a vir na minha direcção, estendo um braço, algo estava a tocar-me. Estava gelada, a mão, algo me tinha tocado por uns instantes e desaparecera. Apenas tinha dado para perceber que esse ser não libertava cheiro nem fazia ruído a caminhar, mas o mais incrível foi não ter deixado um rasto de vento…
(...continua...)

domingo, janeiro 18, 2004

Comentários de volta

O servidor antigo desapareceu, contudo o responsável por ele fez cópias de todos os comments até à data e disponibilizou-os noutro servidor (haloscan).
Com esta mudança fica aqui o novo incentivo para continuarem a participar no blog.

domingo, janeiro 11, 2004

Hecatombe - Parte I

Era Verão e tinha acabado de estalar a Grande Guerra Académica. O seu epicentro situava-se, precisamente, no Instituto Científico-Tecnológico da Outra-Banda.

Foram muitos os que lutaram contra fogo de artilharia e terríveis torpedos mortíferos, mas ninguém se livrou de os albergar no rabinho.
No fim, as baixas ascenderam aos milhares. Contaram-se 852 euro-ogivas despoletadas no primeiro impacto.

A primeira ala a cair foi a do Directorato. O líder não resistiu à explosão de um óbus e esvaiu-se em sangue, com um estilhaço alojado na região perianal. Os resistentes suspiraram de alívio. O chefe do Directorato era um traidor e todos o sabiam. Afinal, fora ele que aceitara a repugnante proposta do regime de Cherneboff. A sua morte em combate desobrigava-os de uma vingança sangrenta.
Um grupo de milicianos associativistas ainda tentou segurar o perímetro da ala D com rolos atrás de rolos de arame higiénico, mas de nada serviu contra a couraça dos implacáveis Rhino-comandos, unidades blindadas de combate politico-estratégico. Esta tropa de elite fora enviada pelos burocratas de Cherneboff, servidores fiéis da ditadura mental que este instituira com a sua matrona, a Dama Quebra-Ossos, assim chamada pela sua semelhança com esta ave necrófila, quer em aspecto quer em rapacidade.
Parte da Resistência encontrava-se barricada no edifício do Refeitódromo, visto que o ataque surpresa fora iniciado à hora de almoço. A rapidez de reacção fora vital para conservarem as vidas, mas agora que a epidemia alastrava pelas hostes do Exército de Libertação Académica, os soldados maldiziam a sorte da escolha. Os corredores fétidos das instalações há muito que se encontravam fora de manutenção, e a péssima qualidade das rações só piorava a saúde e o moral das tropas.
No 7º Templo da Ilógica a situação não era melhor, com as suas paredes envidraçadas. O fogo de metralhadora lançou uma chuva de estilhaços dilacerantes sobre os refugiados.
A maioria saía de Análise I, e encontrava-se armada com apenas os cadernos. No entanto, os poucos que traziam a sebenta faziam dela uma arma temível. Lançadas com pontaria faziam mais vítimas que uma granada de fragmentação, tal a toxicidade do seu conteúdo. Os alunos mais corajosos corriam de encontro ao inimigo declamando trechos das suas páginas, semeando caos e insanidade nas fileiras.
(continua...)

terça-feira, janeiro 06, 2004

Visto a mitra, protejo a cabeça,
Sem rumo certo começo a andar
A meio do caminho vejo-os vir aí,
Os anjos da morte estão-me já a ladear.

Conduzem-me por entre vales e planícies
Até que numa colina encontramos um carvalho velho,
Um cepo, mera memória da glória de outrora,
Um carvalho que alguém cortou pelo joelho!

Ladeavam-me duas grandes vieiras
Onde eu via esconderem-se ninfas de alva pele.
Só ao crepúsculo comecei a sentir
A fresca relva sob os meus pés descalços.

Eis que chegados ao cimo da colina
Olho em redor e vejo as montanhas rugosas,
de eternas fragas construídas,
As verdejantes florestas dos imortais
Pilares edificados
As eternas planícies de infidável erva
Até onde a vista alcança.
Com o Sol, esse eterno presente,
A despedir-se lá ao fundo, em tons de laranja e vermelho
E um mortiço raio amarelo por entre as nuvens.

Sinto uma corrente de ar frio percorrer-me o corpo,
Dos pés à cabeça, arrepiando-me os negros pêlos por onde passa.
Oiço uma doce melodia de liras erguer-se,
Enquanto os anjos tiram folhas do cepo, que vejo ser agora uma pedra.

Vagueio sem rumo em redor da fraga
A música cresce e faz-me sonolento.
Abrem-se as vieiras, ajoelho-me junto à fraga e abraço-a...
Não vejo de uma vieira sair um outro anjo,
De púrpura vestido e longos cabelos loiros ao vento,
Caminhar para a outra vieira e dela tirar,
Um machado negro, que começa a afiar!
A música sobe de tom, aumentando de ritmo
O sono apodera-se de mim enquanto
O último raio de sol se apaga da minha face,
Estrelas faíscam à minha frente quando de repente
Param e sinto o frio apoderar-se de mim.

Vejo a noite como se fosse dia
Vejo dois anjos de mantos negro pegarem em mim
E vejo-a, alta e alva no céu,
O meu destino, a minha eternidade.

9/Jan/2003

Sonho Solitário

No princípio era o nada. A escuridão, a penumbra, o autêntico vácuo, esse grande buraco negro, desprovido de Deus e de matéria. Estava sozinho! Ninguém me amparava, nada me sustinha e permanecia imóvel nesse pano preto.

Depois vieram um a um e foram-se um a um, zunindo pelos ares, uivando veementemente pelo meio das copas das árvores, que ardiam com chamas azuis... E a calma reinava nesse mundo que repentinamente surgira do nada. E o nada tornou-se tudo! Tudo o que pode haver na vida, desde os pássaros que cantam até ao penedo que ribomba montanha abaixo, liberto da sua inércia pela tectónica deste cobra-de-água suspenso no meio de tantos pirilampos luminosos, na noite interminável.

Ping, ping, pinga a água das folhas verdes, vazias de vida por fora e cheias de uma vivacidade interna que nem amanhã compreenderei. Gostava de ser uma delas, para morrer novo, quando no auge da minha beleza viesse um bulldozer e me esmagasse, poupando-me assim o ser martirizado pela raça humana.

A raça humana e as suas certezas provocam-me vómitos!... Antes morrer pelas mãos de um Homem do que ser um deles. Safa!

Sempre com a mania das certezas e a vontade de brincar a Deus! Reúnem-se todos em pequenos grupos que se juntam em determinados locais e falam mal de todos os que não são como eles e, se há entre eles alguém que não gosta do que ouve e se eleva para expressar o descontentamento, esse então está morto para eles e migra para o limbo do esquecimento, onde repousam todos os que não procuram inimigos.

Olho lá para baixo e as plantas vão morrendo, provavelmente envenenadas pela Natureza Humana, que tudo sabe, tudo tem e tudo pode.

No princípio era o Nada...

Depois veio o Homem...

E no final não ficou nada nem ninguém, fui só eu que afinal abri os olhos e me vi sozinho, sem ninguém!

Só...

Sonhando!...

segunda-feira, janeiro 05, 2004

Liberta-me

Liberta-me desta fraqueza,
Porque só tu o podes fazer.
Devolve-me a pureza
Para que volte a renascer.

Salva-me da tentação,
Deste meu vil errar,
Do horror de me perder;
Do ilusório prazer
Que não passa de dor.
De um forte enganar
Que me trai a mim,
Que não é amor
E que descamba assim
Na maior solidão.

E se a tua mão não me tocar
Então voltarei a errar,
A errar,
A errar...

Liberta-me desta agonia,
Só restas tu para o fazer;
Para eu ter a magia
Que pacifica o meu ser.

Cabroac 4 (epílogo)

...Não sei me salvar, não sei me salvar, não sei me salvar... O som perde-se, o cenário desfaz-se novamente e por fim acordo sobressaltado... uma sensação de desconforto percorre-me o corpo, cobrindo-me de suores frios.
Olho para o tecto branco... a luz que me surgia do sonho é apenas a luz do sol que brilha agora destorcida pela vidraça. A memória do sonho é agora miragem ao acordar, a cabeça rodopia, na boca o trago amargo do veneno mortal. Do alucínio apenas a mão que me prende ao abismo reflectido do meu rosto... metade intocável... metade Cabroac.
A lágrima torna-se incontrolável escorrendo pela cara abaixo, no sufoco do amanhecer.
Ao fundo apenas a recordação do meu grito de falso guerreiro. Transformado numa voz que se insurge e numa linguagem nova grita apenas, desta vez unicamente para mim: RESISTE!

quinta-feira, janeiro 01, 2004

Frio

Frio, muito Frio, cortante
Invade-me, sinto-o, gelo...
Puxo os lençóis, tiritante
Enredando-me como um novelo...

Deliro, e a visão turva alastra...
Mais do que um pensamento
Chega, e logo se afasta...
Não me dando qualquer alento...

Lancinado, caio prostrado
Derrubado pelo Frio cortante...
Loucura....

Dor agora constante, latente
Alucinado com imagens, confusão...
Cego, mas ainda crente
Que o sol volte, que me aqueça
[o coração...