terça-feira, novembro 10, 2009

20 anos

Há 20 anos atrás, na cidade de Berlim
Ainda havia gente a brindar, depois de uma noite de festim

Há 20 anos atrás, na Berlim Ocidental
Abraçava-se um pai a ocidente, com seu filho Oriental.

Há 20 anos atrás, na unida Alemanha
Havia um espírito único, de uma felicidade tamanha

Em Novembro de 1989 em Portugal,
Havia uma criança, a outras igual.

Para uma enclopedia geográfica recente,
Olhava com uma expressão entediada.
Porque a realidade agora diferente,
Em poucas horas a tornava desactualizada.


Mudança...


3 sílabas... a história de uma vida!
Aquela que diz o poeta, ser feita de mudança.
E essa mudança, na qual o tempo dança,
Traz a nova realidade surgida.

O petiz cresceu envolto na mudança:
Essa mudança na juventude foi esperança...
Essa esperança em tudo foi fruto que se alcança,
E que transforma a tempestade na mais doce bonança.

sábado, novembro 07, 2009

Não me olhes assim II

Não me olhes assim

És suave como uma manhã de Outono…

Quando os raios de sol, filtrados pelo nevoeiro matinal, entram pela janela do quarto a acariciarem o meu despertar…

Vou à janela ver o mundo!

Umas quantas folhas amarelecidas pelo calor do verão voam na brisa para se acumularem num acolchoado tapete ruivo…

Sinto que te aproximas, viro-me para contemplar o teu vestido de pele branca… Hoje trazes esse longo cabelo preto solto até à cintura… Tens na mão, duas metades de romã… De uma delas, solta-se uma gota de sumo que tomba no chão branco, como se de uma gota de sangue se tratasse!

Os teus enormes olhos negros presos em mim…

- Porque me olhas assim?

- Assim como?

- Como se esperasses algo de mim!

Afasto-me, em direcção à janela… A respiração forte e irregular, a minha mão que treme como se fosse exterior a mim… Tu abraças-me pelas minhas costas, os teus braços entram por baixo dos meus, provocando um pouco de cócegas, para se alojarem no meu peito exaltado, sei que te apercebes, mas não o comentas, suspiras em silêncio e beijas o meu omoplata… Umas quantas lágrimas humedecem-me o olhar…

A nossa sombra, provavelmente, projectada na parede branca do quarto… E o nevoeiro matinal que tudo encobre… E o sumo da romã que continua a cair formando agora uma pequena mancha vermelha, no chão branco do nosso quarto.

Os nossos corpos nus fundidos naquela sombra, que, provavelmente, se reflecte na parede do quarto… Afasto-me mais um pouco, num gesto de vergonha, que também poderia ser considerado desprezo… Tu não me segues, mas as nossas mãos ficam suspensas, como uma ponte, entre os nossos dois seres… A minha mão esquerda continua a tremer demasiado… Se, ao mesmo, tu pudesses compreender…

Giro-me em direcção a ti… Verifico quão bela és! E, de novo, esse olhar…

- Não me olhes assim!

- Porquê?

- Porque me enlouqueces!

Uma metade de romã solta-se da tua mão e flutua, estranhamente, em câmara lenta até ao chão… Ao mesmo tempo, na avenida, uma bolota solta-se do carvalho mais próximo da minha porta… Saltitam umas três vezes antes de encontrarem o sítio perfeito para repousarem!

Algumas gotas de sumo voaram até às tuas pernas brancas! Ajoelho-me diante de ti e bebo o teu doce sangue! A mancha vermelha do chão continua a alastrar-se como se me fosse aprisionar… Discirno, claramente, como ganha vida e se alastra na minha direcção como se de uma enorme amiba vermelha se tratasse... Começam a formar-se uns braços em volta da minha perna… Procuro refugio nos teus olhos, mas, também eles, parecem devorar-me vivo…

- Não me olhes assim!

- Porquê?

- Porque me aleijas!

Moves-te em direcção à cama, começas por desfaze-la como se desmontasses o cenário do nosso pequeno Teatro dos Sonhos… Enquanto trocas os lençóis por uns lavados recentemente, o cheiro a lavanda inunda a pequena habitação em que nos encontramos… Com o meu braço na tua cintura obrigo-te a que te gires na minha direcção e abraço-te… o teu braço direito, tremulo, e que sustém, ainda, a romã encontra um repouso acutilante no meu peito, como se me apunhalasse o coração… O sangue, excessivamente, vermelho da romã escorre pelo meu tronco antes de cair no chão! Sinto-me fraco, e refugiando-me no teu abraço caímos os dois nos lençóis brancos que acabas de pôr na cama… As nossas peles brancas, camufladas, entre os lençóis são como pele de fantasmas, como se já não existíssemos… Acaricio-te a cara com ambas as mãos e aproximo os nossos lábios, talvez eles mais vermelhos que o sangue que tinge os lençóis, para te beijar… Neste movimento lento os meus olhos encontram os teus enormes botões negros neste universo branco e vermelho…

- Não me olhes assim!

- Porquê?

- Porque me dás medo!

Tomo consciência que a nossa pele desapareceu já, fundida por entre os lençóis… De nós sobra apenas a romã, agora esmagada entre os nossos corpos, os nossos lábios quentes e os teus olhos negros… Somos fantasmas do casal que viveu aqui um dia… Somos a recordação! Não voltaremos a ter vinte anos… Nunca mais voltaremos a ter vinte anos… Tento em vão olhar pela janela e aperceber-me do Outono… Sinto o ar gelado do quarto… Sinto o frio dos lençóis… Vejo o nevoeiro matinal a invadir o quarto, com ele veio a Morte para me acariciar as costas, mas ficou, ali a um canto, quando se apercebeu que já não tenho costas… Veio, também, um Anjo acariciar-te o cabelo, mas também ele permaneceu naquele canto, ao ver que já não tens cabelo… Aperto o lençol contra si mesmo, na esperança vã que sejam as nossas mãos que se apertam… Não quero perder-te… Fiquemos aqui para sempre, neste limbo… E que a Morte e o Anjo sejam os nossos guardas… Mas tudo é em vão… Cedo descobriram uma forma de nos levarem… E, eu, eu já sinto frio… Muito frio… Perecemos aqui no palco onde um dia construímos o nosso enorme Teatro de Sonhos… Nunca fomos uma bela história de Amor… Mas diluímo-nos como Amantes, entre os lençóis brancos tingidos pelo vermelho-rubro da romã… Fora da janela do nosso quarto o Outono continua a tingir tudo de ruivo… O nevoeiro permanecerá para sempre, como o ultimo suspiro de Nós… Num ultimo esforço busco o teu olhar fascinante…

- Não me olhes assim!

- Porquê?

- Porque não!

E eu, que esta manhã só queria sair à rua descalço e percorrer lentamente a avenida enquanto o tapete ruivo de folhas secas se destruía debaixo dos meus pés… E tu, na janela, a ver-me, enquanto comias essa romã… Podíamos passar a tarde na praia… Voltar e acender a lareira… Eu sentava-me no chão… E tu no sofá… Abríamos uma garrafa de vinho… Eu lia-te um livro… No final beijava-te e dizia que te amava… Tu sorrias… Uma lágrima, provavelmente, humedeceria o meu olhar…

E eu, que esta manhã só queria que fossemos, descalços e de mãos dadas percorrer o enorme tapete ruivo que cobre a avenida onde está a nossa casa…


Este texto é uma outra forma de contruir um texto anterior:

http://www.pena.com-palavras.com/2008/12/no-me-olhes-assim.html


quinta-feira, novembro 05, 2009

V – Os Transportes

Passam autocarros
Passam táxis
Passam pessoas
Espera-se e espera-se
Aí vem o próximo
Passam pessoas
Passam paisagens
Passam transportes
De quem asseia por casa

terça-feira, novembro 03, 2009

As ruas do meu bairro

Ontem corria as ruas do meu bairro...

E aquela luz mortiça dos candeeiros no anoitecer chuvoso de Dezembro, era conforto na minha alma. No café havia gente (umas vezes mais outras menos...) e o travo amargo da cafeína, de qualidade por vezes duvidosa, era contudo bálsamo para os pensamentos. O tempo perdia-se diluído por um ou outro digestivo, mas as conversas prolongavam-se amenas até a noite já ir alta... Havia magia naquelas ruas, havia ecos familiares e sons difusos, sons esses que não voltam mais...

"Entre dois dedos de conversa amena,
Na força de um abraço apertado,
A noite seguia, agitada ou serena,
Até o corpo se deitar cansado..."

Hoje já vagueio pelas ruas do meu bairro...

E à luz de um sol mortiço, procuro remoer um ou dois pensamentos. No moderno snack bar pouca gente conheço e embora o aroma do café seja bem mais agradável, não me desperta a alegria dos bons pensamentos. A tarde arrasta-se em alguns diálogos de circunstância... Sem grande magia, em sons que já não conheço e que não sei se irão ficar...

"Acaricio os dedos, maquinalmente,
Aconchegando o corpo na rua fria.
A tarde segue decadente,
Indiferente e tão vazia...

Amanhã andarei perdido pelas ruas... do bairro!

De noite ou de dia nem saberei sequer o que pensar! Se houver café tudo bem, senão serve qualquer coisinha! Se não falar tanto melhor... E certamente que dispensarei qualquer som que me perturbe os pensamentos!

"... é melhor aquecer os dedos em casa
E observar a chuva a cair lá fora...
Pois o som que de lá extravasa,
Não é a melodia que ouvia outrora...