(continuação)
-E tu? Porque é que encontras tão longe da aldeia?
-Procurava as tuas varas!
-As minhas varas?
-Sim! Vai para uma Fase da Deusa-Lua que a Vidente e a Discípula entraram na aldeia dos Caminhantes e provocaram uma algazarra a exigir que os caminhantes lhes dessem as varas deles. Os mais novos deram logo, mas alguns dos mais velhos recusámo-nos. Ao contrário do que seria habitual não começou histérica e aos gritos, mas murmurou algo à Discípula e saíram as duas. Como aquilo foi tão estranho segui-as e vi que se dirigiam para a aldeia dos Nómadas.
-A da Montanha?
-Não. Têm uma aldeia no terrenos da tribo, espaço conquistado aos caminhantes... - Fez-se um silêncio profundo e triste. -Mas como estava a dizer, - continuou - quando chegaram à aldeia reuniram-nos todos e mandaram-nos para as montanhas procurar as tuas varas. Ela explicou-lhes mais ou menos onde procurar, mas muitos já não se lembram onde é o Grande Vale. A Discípula no entanto lembra-se e eu seguia-a, mas já há dois dias que não tenho nenhuma pista dela. Quando vi as tuas varas ao lado da fogueira pensei que as tinha encontrado...
Fez-se novamente um silêncio. Ambos se olharam, expressões endurecidas pelo tempo. Três Viagens haviam passado desde a última vez que se haviam olhado. Ao se olharem ali, ele com o seu olhar distante e pensativo, ela com um olhar terno e rejubilante, algo parecia acordar de um sono profundo.
-Vai dormir. - disse ele de repente - Acompanho-te ao teu campo para te ajudar a trazer as tuas coisas, mas deixamos a tua fogueira acesa. Quando voltarmos vais dormir enquanto eu monto vigia. Amanhã de manhã partimos para a aldeia.
-Qual?
-Não sei! - respondeu ele com um ar pensativo, mas rapidamente esboçando um sorriso - Vamos tomar a direcção do cume da Montanha, lá em cima logo se vê qual a aldeia. Tudo depende de quantos Nómadas tiverem já desistido da busca.
Com estas palavras levantou-se e dirigiu-se ao campo dela. Quando ela lá chegou já ele trazia todos os seus pertences. No caminho de regresso ela não deixava de se sentir incomodada, como se alguém observasse todos os seus passos, olhos escondidos na noite. Não conseguiu fazer desaparecer essa incómoda sensação e nem a voz calma dele que lhe dizia para dormir enquanto ele vigiava a acalmou.
Viu-o então cruzar as pernas e sentar-se ao lado da fogueira e ficar a olhar para ela. Decidiu então deitar-se e viu-o olhar para cima. Olhou também e viu um corvo sair do alto de um pinheiro e pousar no ombro dele, voltando a levantar vôo após ele sussurrar qualquer coisa que ela não percebera.
sexta-feira, março 31, 2006
quarta-feira, março 29, 2006
Saudades
A chuva começa a cair pela madrugada ... a água que cai são lágrimas de saudade... o vento forte sopra, deixando-me sem forças... mas o coração continua chamando por ti...
O teu olhar... uma recordação de um momento... o teu rosto... o carinho... e os meus lábios pensando nos teus...
Hoje aqui, distante.... sentindo a saudade apertando... queria estar contigo para te sentir... para te mostrar o quanto te amo... mas resta-me deixar o tempo passar... para nos teus olhos navegar e nos teus lábios voltar a respirar...
Espero por ti amor... no meu coração...
O teu olhar... uma recordação de um momento... o teu rosto... o carinho... e os meus lábios pensando nos teus...
Hoje aqui, distante.... sentindo a saudade apertando... queria estar contigo para te sentir... para te mostrar o quanto te amo... mas resta-me deixar o tempo passar... para nos teus olhos navegar e nos teus lábios voltar a respirar...
Espero por ti amor... no meu coração...
sábado, março 18, 2006
Contos do Exílio - O Regresso, parte V: O Confronto
A Montanha! Uma viagem depois de Caladon encontrava-se novamente diante da Montanha. A crer nas memórias que guardava daquela zona, as quais eram já um pouco vagas, encontrava-se a cerca de uma Fase da aldeia dos Caminhantes. Chegaria na fase da Presença, quando a Deusa-Lua brilhasse em todo o seu esplendor e os caçadores estivessem reunidos a festejar. Sorriu ao pensar nos dias de felicidade que com eles passara. Endurecia-se-lhe o rosto ao pensar no que faria dali para a frente. Não que fosse um futuro sombrio aquele que tinha em mente, mas antes pelo facto de o caminho até ele ser tingindo em tons rubros de fogo e sangue. Atirou mais um pau para o fogo e recostou-se a meditar. Fechou os olhos e imaginou a forma das chamas, escutou o vento que soprava manso por cima das árvores e sentiu o aroma doce do fumo encher-lhe as narinas.
Era um aroma a orvalho aquele que o ia tornando progressivamente mais letárgico. Estava já em comunhão com aquela cena calma quando um estalido atrás de si o despertou. Podia ser o sinal de que um animal nocturno se encontrava nas vizinhanças. Tudo estaria bem se o som não se repetisse mais próximo. Tudo estaria bem se não houvesse apenas um animal nocturno que se aproxima do fogo... Levantou-se num repente e num salto colocou-se fora do círculo de luz mortiça que emanava da fogueira, com o seu cajado na mão, pronto a ver quem se dirigia para a sua clareira, sem que esse alguém o visse.
Demorou alguns instantes até que um vulto feminino entrou furtivamente na clareira. Parou e olhou em redor. Não vendo nada de estranho aproximou-se da fogueira e estacou a olhar para as varas que ele deixara ao seu lado. Como que respondendo aos apelos dele, a floresta deixou então que uma aragem entrasse na clareira e avivasse as chamas. A figura feminina assustou-se e deu um salto para trás revelando a sua face à luz trémula e pálida e de repente, ao ver aquela cara, o aroma a orvalho tomou uma forma física e uma memória à muito enterrada veio ao de cima!
- Diz-me sobra da noite: a aprendiza já superou os mestres? - disse enquanto caminhava para o círculo de luz.
Tendo sido apanhada de surpresa, a figura à sua frente colocou-se numa posição defensiva, mas ao reconhecer a voz e o rosto que se apresentavam à sua frente, encheu-se de alegria de rapidamente começou num brado de contentamento.
- Tu... - começou por dizer com a voz trémula - Tu estás vivo! Estás vivo! - e as lágrimas corriam-lhe pela face.
- Pois... Parece que sim! - disse ele e riu-se - Como é que me descobriste?
- Acidente. Nem sabia que eras tu. Estou acampada numa clareira perto daqui e vi o clarão da tua fogueira enquanto procurava qualquer coisa para comer.
- Nestas matas não há nada para comer à noite. Nada que tu queiras comer pelo menos...
- Cheguei aqui ainda não há uma Fase da Deusa-Lua, não me quero comparar com quem está aqui vai para três Viagens.
"Já passou tanto tempo...", pensou ele, deixando que entre eles se intalasse um silêncio pesado.
- Não estive aqui tanto tempo. Cheguei hoje mesmo de... - hesita - muito longe! - completa.
- E para onde vais?
- Não sei. Sinto que devia ir para aldeia dos Caminhantes, ma o tempo que passou é tanto que não sei o que tenho para lhes dar.
- Sabes que há quem sinta a tua falta lá?
- Não, não sei! Estou ausente há muito tempo e só mo disseste agora.
- Tens razão. Mas é verdade, há quem sinta a tua falta e até há quem sinta que fazes falta para lhes dar um rumo. Mesmo quando outrora foram contra isso.
- Houve mesmo quem mudasse?
- Tu não mudaste?
- Porque é que eles mudaram?
- Quem sabe? Eu por mim tenho que foi o tempo. Cresceram e abriram os os olhos e viram de outra forma o que se passou. - ajeitou-se e continuou - Depois do juízo da tribo a Vidente Nómada instalou-se na aldeia dos anciãos, tendo construído a sua cabana, a Cabana dos Nómadas como ela gosta de lhe chamar. Com o tempo ela acabou por se revelar. Cega pelo ódio que te nutre, e que acho que ainda não passou, começou a ver-te em cada vez mais gente, afastando muitos e gerando ódio noutras aldeias. Junto dos Caminhantes são poucos os que se lhe mantêm fiéis e os poucos que o fazem não procuram a companhia do resto da tribo, passam os dias com ela.
- Quem são?
- A Discípula, o Impulsivo e o Passivo.
- E o Obreiro? E a Camaleão?
- O Obreiro é-lhe fiel, o que não quer dizer que se deixe influenciar por ela. De todos é o único em que não arde o fogo da vingança e do ódio. Nos primeiros tempos andou esquisito e ausentava-se muito tempo. Houve quem dissesse que o viam ir e vir na direcção do Grande Vale. Diria mais que ficou magoado e desiludido do que revoltado e odioso. A camaleão ninguém a vê em nenhuma aldeia já lá vão muitas Fases. Há quem a veja perto das aldeias, mas dizer que está numa aldeia é complicado.
(continua)
Era um aroma a orvalho aquele que o ia tornando progressivamente mais letárgico. Estava já em comunhão com aquela cena calma quando um estalido atrás de si o despertou. Podia ser o sinal de que um animal nocturno se encontrava nas vizinhanças. Tudo estaria bem se o som não se repetisse mais próximo. Tudo estaria bem se não houvesse apenas um animal nocturno que se aproxima do fogo... Levantou-se num repente e num salto colocou-se fora do círculo de luz mortiça que emanava da fogueira, com o seu cajado na mão, pronto a ver quem se dirigia para a sua clareira, sem que esse alguém o visse.
Demorou alguns instantes até que um vulto feminino entrou furtivamente na clareira. Parou e olhou em redor. Não vendo nada de estranho aproximou-se da fogueira e estacou a olhar para as varas que ele deixara ao seu lado. Como que respondendo aos apelos dele, a floresta deixou então que uma aragem entrasse na clareira e avivasse as chamas. A figura feminina assustou-se e deu um salto para trás revelando a sua face à luz trémula e pálida e de repente, ao ver aquela cara, o aroma a orvalho tomou uma forma física e uma memória à muito enterrada veio ao de cima!
- Diz-me sobra da noite: a aprendiza já superou os mestres? - disse enquanto caminhava para o círculo de luz.
Tendo sido apanhada de surpresa, a figura à sua frente colocou-se numa posição defensiva, mas ao reconhecer a voz e o rosto que se apresentavam à sua frente, encheu-se de alegria de rapidamente começou num brado de contentamento.
- Tu... - começou por dizer com a voz trémula - Tu estás vivo! Estás vivo! - e as lágrimas corriam-lhe pela face.
- Pois... Parece que sim! - disse ele e riu-se - Como é que me descobriste?
- Acidente. Nem sabia que eras tu. Estou acampada numa clareira perto daqui e vi o clarão da tua fogueira enquanto procurava qualquer coisa para comer.
- Nestas matas não há nada para comer à noite. Nada que tu queiras comer pelo menos...
- Cheguei aqui ainda não há uma Fase da Deusa-Lua, não me quero comparar com quem está aqui vai para três Viagens.
"Já passou tanto tempo...", pensou ele, deixando que entre eles se intalasse um silêncio pesado.
- Não estive aqui tanto tempo. Cheguei hoje mesmo de... - hesita - muito longe! - completa.
- E para onde vais?
- Não sei. Sinto que devia ir para aldeia dos Caminhantes, ma o tempo que passou é tanto que não sei o que tenho para lhes dar.
- Sabes que há quem sinta a tua falta lá?
- Não, não sei! Estou ausente há muito tempo e só mo disseste agora.
- Tens razão. Mas é verdade, há quem sinta a tua falta e até há quem sinta que fazes falta para lhes dar um rumo. Mesmo quando outrora foram contra isso.
- Houve mesmo quem mudasse?
- Tu não mudaste?
- Porque é que eles mudaram?
- Quem sabe? Eu por mim tenho que foi o tempo. Cresceram e abriram os os olhos e viram de outra forma o que se passou. - ajeitou-se e continuou - Depois do juízo da tribo a Vidente Nómada instalou-se na aldeia dos anciãos, tendo construído a sua cabana, a Cabana dos Nómadas como ela gosta de lhe chamar. Com o tempo ela acabou por se revelar. Cega pelo ódio que te nutre, e que acho que ainda não passou, começou a ver-te em cada vez mais gente, afastando muitos e gerando ódio noutras aldeias. Junto dos Caminhantes são poucos os que se lhe mantêm fiéis e os poucos que o fazem não procuram a companhia do resto da tribo, passam os dias com ela.
- Quem são?
- A Discípula, o Impulsivo e o Passivo.
- E o Obreiro? E a Camaleão?
- O Obreiro é-lhe fiel, o que não quer dizer que se deixe influenciar por ela. De todos é o único em que não arde o fogo da vingança e do ódio. Nos primeiros tempos andou esquisito e ausentava-se muito tempo. Houve quem dissesse que o viam ir e vir na direcção do Grande Vale. Diria mais que ficou magoado e desiludido do que revoltado e odioso. A camaleão ninguém a vê em nenhuma aldeia já lá vão muitas Fases. Há quem a veja perto das aldeias, mas dizer que está numa aldeia é complicado.
(continua)
sábado, março 11, 2006
Estou aqui
Mais um dia que passa, mais um sonho que se perde. Suavemente, lentamente, os traços da minha vida vão-se apagando, diluindo-se no corre-corre do dia a dia da humanidade. Torno-me mais um da manada, junto-me às formigas que correm e reduzo-me à minha insignificância. "Estou aqui" - grito eu, mas nem eu consigo seguir a minha voz para me encontrar. A minha consciência vai-me gritando que eu interesso e que posso lutar, mas ainda é cedo, ainda a consigo ignorar.
A pouco e pouco o dia cai, a lua levanta-se pálida no céu, esquecida por entre as luzes dos prédios que se vão acendendo. Saio à rua, aconchego o casaco ao corpo à medida que o frio me enregela os ossos. Acendo mais um cigarro; "Amanhã paro" - penso eu, rindo-me logo de seguida à medida que penso que todos os dias digo o mesmo, o eterno diálogo com a minha conciência que, ainda, não me abandonou. Vou agora contra-corrente, as formigas apressadas passam por mim em direcção a casa, é altura de a manada se recolher, mas eu continuo, devagar, por entre as pessoas. O casaco cingido ao corpo, as palavras entregues à minha mente quase tão apressada como as pessoas que me empurram. "Continuo aqui" - digo eu, mas continuo sem me ouvir.
Paro no meio das pessoas apressadas e olho para o céu, a lua ténue está por cima de mim, banhando-me numa luz que não existe e que mais ninguém vê. Talvez seja tempo de desaparecer.
A madrugada apanhou-me mais uma vez, o alcool que era suposto anastesiar-me vai-se libertado a pouco e pouco do meu corpo. Uma esquina abandonada dá um certo alivio aos meus rins, um canteiro mal tratado dá alivio ao meu estômago. Agora grito e oiço-me. "Estou aqui" e as palavras ecoam-me no cérebro obrigando-me a calar. A minha consciência já está abafada sobre o manto de comprimidos, mas sou demasiado cobarde para sair com dignidade. Estou finalmente sozinho, sem formigas à minha volta, e ainda tenho os meus cigarros que a pouco e pouco vão devorando o meu interior.
Já nada me pode salvar do meu destino.
A pouco e pouco o dia cai, a lua levanta-se pálida no céu, esquecida por entre as luzes dos prédios que se vão acendendo. Saio à rua, aconchego o casaco ao corpo à medida que o frio me enregela os ossos. Acendo mais um cigarro; "Amanhã paro" - penso eu, rindo-me logo de seguida à medida que penso que todos os dias digo o mesmo, o eterno diálogo com a minha conciência que, ainda, não me abandonou. Vou agora contra-corrente, as formigas apressadas passam por mim em direcção a casa, é altura de a manada se recolher, mas eu continuo, devagar, por entre as pessoas. O casaco cingido ao corpo, as palavras entregues à minha mente quase tão apressada como as pessoas que me empurram. "Continuo aqui" - digo eu, mas continuo sem me ouvir.
Paro no meio das pessoas apressadas e olho para o céu, a lua ténue está por cima de mim, banhando-me numa luz que não existe e que mais ninguém vê. Talvez seja tempo de desaparecer.
A madrugada apanhou-me mais uma vez, o alcool que era suposto anastesiar-me vai-se libertado a pouco e pouco do meu corpo. Uma esquina abandonada dá um certo alivio aos meus rins, um canteiro mal tratado dá alivio ao meu estômago. Agora grito e oiço-me. "Estou aqui" e as palavras ecoam-me no cérebro obrigando-me a calar. A minha consciência já está abafada sobre o manto de comprimidos, mas sou demasiado cobarde para sair com dignidade. Estou finalmente sozinho, sem formigas à minha volta, e ainda tenho os meus cigarros que a pouco e pouco vão devorando o meu interior.
Já nada me pode salvar do meu destino.
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