terça-feira, outubro 27, 2009

IV - A Noite

Luzes de mil cores
E o tempo que congela
Vadios de rumo certo
Olhares ansiosos e vorazes
Apetites loucos à solta
Um sentimento de desconhecido
A cada esquina conhecida
Nos estranhos companhia
Que nos leva a estranhar
E abandonar a razão que temos
Grupos que crescem mesmo que apenas por horas
Horas que passam sem se verem
Véu negro que clareia
Passagem para o amanhã
Renascer da alegria

A verdade na mentira

Um movimento discreto e furtivo;
Um gesto protector e esquivo.

Um forte pesar na cabeça,
Esperando que a memória se esqueça...

Uma fuga, um escape doloroso.
Um hábito, no dia vagaroso.

Se os gestos são fugas de nós,
Se existe um amargo sincero na voz,
Se o escape é tão inocente
E a brisa corre amena e feliz,
Tão doce nas palavras que diz
Quando o mundo roda contente.

Então a certeza ninguém me tira:
De que existe verdade na mentira!

quinta-feira, outubro 22, 2009

III - Fim de Tarde

Sentir a brisa do fim de tarde
Os raios mortiços
De um sol que está de partida
O rebuliço das gentes
Que se vai com o calor
E o calor das gentes nos bares,
Que aumenta com a escuridão.

O ar sorridente
O ar cansado
O ar pesado
O ar carente
O ar de toda essa gente
O ar que tenho em mim.

O Basilisco

Erguendo-se da água escura,
O Basilisco abandona o seu abrigo,
Com os seus olhos que inspiram loucura,
Tudo o que respira está em perigo.


Abrindo as asas sobe no ar,
Espalhando pelos campos o terror,
Voa sob os raios de luar,
Enchendo quem o contempla de torpor.


Misto de morcego e serpente,
Corpo de galo e de dragão,
Aterroriza fraca e forte gente,
Matando tudo o que se atravessa na visão.


Com o seu olhar venenoso,
Transforma em cinzas quem o vislumbra…
Com o seu hálito sulfuroso,
Sufoca o incauto na penumbra…


Este monstro, poucos o sabem deter…
Não com o odor de doninha nem canto de galo,
Pois apenas o seu reflexo o consegue abater,
Obrigando as trevas a recolher o seu vassalo.


E assim todas as longas noites brumosas,
O Basilisco atravessa o firmamento,
Aterrorizando as pessoas receosas,
Para por fim regressar ao seu acolhimento.


[Mergulhando na água escura,
O Basilisco regressa ao seu abrigo,
A uns, os seus olhos lançaram na loucura,
Aos outros, o medo do regresso do perigo.]

terça-feira, outubro 13, 2009

II - Os Cafés

Há gente estranha
Que ocasionalmente olha para mim.
Estranhos não por serem esquisitos
Estranhos por serem diferentes.
Os muros que erguem são altos
E maciços, mas ali, na aragem do final de tarde
Sentimos os ventos da liberdade
E vemos o sol
Por entre as falhas dos tijolos.

É ali,
Com as suas bebidas e comidas
Do que para mim é o final do dia
Para eles o começo da noite
Que os vemos como são
Em amena conversa
De olhar agressivo.

Nas asas (de um tempo...)

Comando televisivo na mão,
Um sorriso meio perdido,
Um coração meio esquecido,
Um esgar de comoção.

Um ar contempletativo,
Uma tranquilidade inquietante...
Uma recordação distante
Num caminho definitivo.

Uma felicidade diferente,
Uma calma enganadora,
Uma imagem tentadora,
A incerteza pela frente.

É caminhar.
É lutar.
É chorar.
É desesperar...

É ter tudo para ser feliz...
E viver sempre insatisfeito,
Num quadro meio desfeito
De quem ainda é aprendiz...

Mas que nas asas do tempo, impiedoso,
Apenas voa para um fim...


...Glorioso?

segunda-feira, outubro 12, 2009

Sem pensar

Estou a tentar, com tanto esforço, não pensar tanto.
Estou a tentar não me esforçar,
mas se tento tanto não pensar
será que vale a pena não me preocupar?

Estou a mentir a mim próprio.
Eu digo que não vale a pena pensar,
mas será que não vale mais a pena dar as costas ao vento
e caminhar daqui para fora?

Tu olhas para mim e tento não pensar.

Penso nas palavras e elas tropeçam para fora.
Penso no andar e fico congelado no lugar.
Penso em não me preocupar o que achas de mim
e fico ridículo tentando não me esforçar.

quarta-feira, outubro 07, 2009

Verão

O ar nocturno era suave e quente, com uma brisa ligeira girando em torno dos nossos pés, tornando o nosso passo uma caminhada pelas nuvens. O rio ficava à nossa esquerda enquanto caminhávamos pela margem, um copo de bebida tentava gelar os nossos dedos mas sabia tão bem na nossa garganta. Ainda me lembro de ti a falares de politica e do mundo, alheia a tudo, esbraçejando com emoção enquanto eu sorria e desviava-te das pessoas antes que as empurrasses à tua frente. Foi o nosso Verão, alheios ao mundo, num romance tão belo.

Ainda te lembras dos jardins que visitámos?
Ainda te lembras das fotografias que tirámos?
Ainda te lembras das carícias que trocámos?

O sol nas nossas costas ardia mas era tão fácil ignorá-lo enquanto subíamos a serra. A paisagem até perder de vista fazia-nos perder o fôlego. Teus olhos brivalham enquanto olhavas para longe e os meus brilhavam olhando para ti. Ainda me lembro de ti a tirares fotos a tudo enquanto eu me ria e roubava fotos de ti. Foi o nosso Verão, presos um ao outro, num romance tão lindo.

Ainda te lembras dos edifícios que vimos?
Ainda te lembras dos sonhos que descobrimos?
Ainda te lembras dos prazeres que sentimos?

E agora aqui estamos, alegres desconhecidos um do outro. Tu passeando com a tua família, de braço dado com o teu marido, por entre o ar nocturno suave e quente. O quanto parece aborrecida a nossa existência agora...

Ainda te lembras do quanto quis ficar contigo?
Ainda te lembras do amor que senti perdido?
Ainda te lembras de mim????