terça-feira, dezembro 29, 2009

BIP

TIC, TAC... Bip!

Do céu cinzento enfadonho
Escorrem lágrimas de um temporal.
Alegria disfarçada nos desejos,
Tantas vozes com ensejos...
Dizem ser algo especial!
Como se um minuto fosse um sonho...

Como um clique do relógio mágico
Ou a ilusão de um bip tecnológico.
Ironia crónica de um rito pagão,
Delírio banal de uma ocasião,
Desvario incontido, antropológico!
Segundo maravilhoso ou trágico.

Caramba, raios, maldição!
É apenas um segundo,
Não podeis mudar o mundo!

Só o infinito é fecundo....
E destrói a tradição
Em bip's de devastação...

BIP!

terça-feira, novembro 10, 2009

20 anos

Há 20 anos atrás, na cidade de Berlim
Ainda havia gente a brindar, depois de uma noite de festim

Há 20 anos atrás, na Berlim Ocidental
Abraçava-se um pai a ocidente, com seu filho Oriental.

Há 20 anos atrás, na unida Alemanha
Havia um espírito único, de uma felicidade tamanha

Em Novembro de 1989 em Portugal,
Havia uma criança, a outras igual.

Para uma enclopedia geográfica recente,
Olhava com uma expressão entediada.
Porque a realidade agora diferente,
Em poucas horas a tornava desactualizada.


Mudança...


3 sílabas... a história de uma vida!
Aquela que diz o poeta, ser feita de mudança.
E essa mudança, na qual o tempo dança,
Traz a nova realidade surgida.

O petiz cresceu envolto na mudança:
Essa mudança na juventude foi esperança...
Essa esperança em tudo foi fruto que se alcança,
E que transforma a tempestade na mais doce bonança.

sábado, novembro 07, 2009

Não me olhes assim II

Não me olhes assim

És suave como uma manhã de Outono…

Quando os raios de sol, filtrados pelo nevoeiro matinal, entram pela janela do quarto a acariciarem o meu despertar…

Vou à janela ver o mundo!

Umas quantas folhas amarelecidas pelo calor do verão voam na brisa para se acumularem num acolchoado tapete ruivo…

Sinto que te aproximas, viro-me para contemplar o teu vestido de pele branca… Hoje trazes esse longo cabelo preto solto até à cintura… Tens na mão, duas metades de romã… De uma delas, solta-se uma gota de sumo que tomba no chão branco, como se de uma gota de sangue se tratasse!

Os teus enormes olhos negros presos em mim…

- Porque me olhas assim?

- Assim como?

- Como se esperasses algo de mim!

Afasto-me, em direcção à janela… A respiração forte e irregular, a minha mão que treme como se fosse exterior a mim… Tu abraças-me pelas minhas costas, os teus braços entram por baixo dos meus, provocando um pouco de cócegas, para se alojarem no meu peito exaltado, sei que te apercebes, mas não o comentas, suspiras em silêncio e beijas o meu omoplata… Umas quantas lágrimas humedecem-me o olhar…

A nossa sombra, provavelmente, projectada na parede branca do quarto… E o nevoeiro matinal que tudo encobre… E o sumo da romã que continua a cair formando agora uma pequena mancha vermelha, no chão branco do nosso quarto.

Os nossos corpos nus fundidos naquela sombra, que, provavelmente, se reflecte na parede do quarto… Afasto-me mais um pouco, num gesto de vergonha, que também poderia ser considerado desprezo… Tu não me segues, mas as nossas mãos ficam suspensas, como uma ponte, entre os nossos dois seres… A minha mão esquerda continua a tremer demasiado… Se, ao mesmo, tu pudesses compreender…

Giro-me em direcção a ti… Verifico quão bela és! E, de novo, esse olhar…

- Não me olhes assim!

- Porquê?

- Porque me enlouqueces!

Uma metade de romã solta-se da tua mão e flutua, estranhamente, em câmara lenta até ao chão… Ao mesmo tempo, na avenida, uma bolota solta-se do carvalho mais próximo da minha porta… Saltitam umas três vezes antes de encontrarem o sítio perfeito para repousarem!

Algumas gotas de sumo voaram até às tuas pernas brancas! Ajoelho-me diante de ti e bebo o teu doce sangue! A mancha vermelha do chão continua a alastrar-se como se me fosse aprisionar… Discirno, claramente, como ganha vida e se alastra na minha direcção como se de uma enorme amiba vermelha se tratasse... Começam a formar-se uns braços em volta da minha perna… Procuro refugio nos teus olhos, mas, também eles, parecem devorar-me vivo…

- Não me olhes assim!

- Porquê?

- Porque me aleijas!

Moves-te em direcção à cama, começas por desfaze-la como se desmontasses o cenário do nosso pequeno Teatro dos Sonhos… Enquanto trocas os lençóis por uns lavados recentemente, o cheiro a lavanda inunda a pequena habitação em que nos encontramos… Com o meu braço na tua cintura obrigo-te a que te gires na minha direcção e abraço-te… o teu braço direito, tremulo, e que sustém, ainda, a romã encontra um repouso acutilante no meu peito, como se me apunhalasse o coração… O sangue, excessivamente, vermelho da romã escorre pelo meu tronco antes de cair no chão! Sinto-me fraco, e refugiando-me no teu abraço caímos os dois nos lençóis brancos que acabas de pôr na cama… As nossas peles brancas, camufladas, entre os lençóis são como pele de fantasmas, como se já não existíssemos… Acaricio-te a cara com ambas as mãos e aproximo os nossos lábios, talvez eles mais vermelhos que o sangue que tinge os lençóis, para te beijar… Neste movimento lento os meus olhos encontram os teus enormes botões negros neste universo branco e vermelho…

- Não me olhes assim!

- Porquê?

- Porque me dás medo!

Tomo consciência que a nossa pele desapareceu já, fundida por entre os lençóis… De nós sobra apenas a romã, agora esmagada entre os nossos corpos, os nossos lábios quentes e os teus olhos negros… Somos fantasmas do casal que viveu aqui um dia… Somos a recordação! Não voltaremos a ter vinte anos… Nunca mais voltaremos a ter vinte anos… Tento em vão olhar pela janela e aperceber-me do Outono… Sinto o ar gelado do quarto… Sinto o frio dos lençóis… Vejo o nevoeiro matinal a invadir o quarto, com ele veio a Morte para me acariciar as costas, mas ficou, ali a um canto, quando se apercebeu que já não tenho costas… Veio, também, um Anjo acariciar-te o cabelo, mas também ele permaneceu naquele canto, ao ver que já não tens cabelo… Aperto o lençol contra si mesmo, na esperança vã que sejam as nossas mãos que se apertam… Não quero perder-te… Fiquemos aqui para sempre, neste limbo… E que a Morte e o Anjo sejam os nossos guardas… Mas tudo é em vão… Cedo descobriram uma forma de nos levarem… E, eu, eu já sinto frio… Muito frio… Perecemos aqui no palco onde um dia construímos o nosso enorme Teatro de Sonhos… Nunca fomos uma bela história de Amor… Mas diluímo-nos como Amantes, entre os lençóis brancos tingidos pelo vermelho-rubro da romã… Fora da janela do nosso quarto o Outono continua a tingir tudo de ruivo… O nevoeiro permanecerá para sempre, como o ultimo suspiro de Nós… Num ultimo esforço busco o teu olhar fascinante…

- Não me olhes assim!

- Porquê?

- Porque não!

E eu, que esta manhã só queria sair à rua descalço e percorrer lentamente a avenida enquanto o tapete ruivo de folhas secas se destruía debaixo dos meus pés… E tu, na janela, a ver-me, enquanto comias essa romã… Podíamos passar a tarde na praia… Voltar e acender a lareira… Eu sentava-me no chão… E tu no sofá… Abríamos uma garrafa de vinho… Eu lia-te um livro… No final beijava-te e dizia que te amava… Tu sorrias… Uma lágrima, provavelmente, humedeceria o meu olhar…

E eu, que esta manhã só queria que fossemos, descalços e de mãos dadas percorrer o enorme tapete ruivo que cobre a avenida onde está a nossa casa…


Este texto é uma outra forma de contruir um texto anterior:

http://www.pena.com-palavras.com/2008/12/no-me-olhes-assim.html


quinta-feira, novembro 05, 2009

V – Os Transportes

Passam autocarros
Passam táxis
Passam pessoas
Espera-se e espera-se
Aí vem o próximo
Passam pessoas
Passam paisagens
Passam transportes
De quem asseia por casa

terça-feira, novembro 03, 2009

As ruas do meu bairro

Ontem corria as ruas do meu bairro...

E aquela luz mortiça dos candeeiros no anoitecer chuvoso de Dezembro, era conforto na minha alma. No café havia gente (umas vezes mais outras menos...) e o travo amargo da cafeína, de qualidade por vezes duvidosa, era contudo bálsamo para os pensamentos. O tempo perdia-se diluído por um ou outro digestivo, mas as conversas prolongavam-se amenas até a noite já ir alta... Havia magia naquelas ruas, havia ecos familiares e sons difusos, sons esses que não voltam mais...

"Entre dois dedos de conversa amena,
Na força de um abraço apertado,
A noite seguia, agitada ou serena,
Até o corpo se deitar cansado..."

Hoje já vagueio pelas ruas do meu bairro...

E à luz de um sol mortiço, procuro remoer um ou dois pensamentos. No moderno snack bar pouca gente conheço e embora o aroma do café seja bem mais agradável, não me desperta a alegria dos bons pensamentos. A tarde arrasta-se em alguns diálogos de circunstância... Sem grande magia, em sons que já não conheço e que não sei se irão ficar...

"Acaricio os dedos, maquinalmente,
Aconchegando o corpo na rua fria.
A tarde segue decadente,
Indiferente e tão vazia...

Amanhã andarei perdido pelas ruas... do bairro!

De noite ou de dia nem saberei sequer o que pensar! Se houver café tudo bem, senão serve qualquer coisinha! Se não falar tanto melhor... E certamente que dispensarei qualquer som que me perturbe os pensamentos!

"... é melhor aquecer os dedos em casa
E observar a chuva a cair lá fora...
Pois o som que de lá extravasa,
Não é a melodia que ouvia outrora...

terça-feira, outubro 27, 2009

IV - A Noite

Luzes de mil cores
E o tempo que congela
Vadios de rumo certo
Olhares ansiosos e vorazes
Apetites loucos à solta
Um sentimento de desconhecido
A cada esquina conhecida
Nos estranhos companhia
Que nos leva a estranhar
E abandonar a razão que temos
Grupos que crescem mesmo que apenas por horas
Horas que passam sem se verem
Véu negro que clareia
Passagem para o amanhã
Renascer da alegria

A verdade na mentira

Um movimento discreto e furtivo;
Um gesto protector e esquivo.

Um forte pesar na cabeça,
Esperando que a memória se esqueça...

Uma fuga, um escape doloroso.
Um hábito, no dia vagaroso.

Se os gestos são fugas de nós,
Se existe um amargo sincero na voz,
Se o escape é tão inocente
E a brisa corre amena e feliz,
Tão doce nas palavras que diz
Quando o mundo roda contente.

Então a certeza ninguém me tira:
De que existe verdade na mentira!

quinta-feira, outubro 22, 2009

III - Fim de Tarde

Sentir a brisa do fim de tarde
Os raios mortiços
De um sol que está de partida
O rebuliço das gentes
Que se vai com o calor
E o calor das gentes nos bares,
Que aumenta com a escuridão.

O ar sorridente
O ar cansado
O ar pesado
O ar carente
O ar de toda essa gente
O ar que tenho em mim.

O Basilisco

Erguendo-se da água escura,
O Basilisco abandona o seu abrigo,
Com os seus olhos que inspiram loucura,
Tudo o que respira está em perigo.


Abrindo as asas sobe no ar,
Espalhando pelos campos o terror,
Voa sob os raios de luar,
Enchendo quem o contempla de torpor.


Misto de morcego e serpente,
Corpo de galo e de dragão,
Aterroriza fraca e forte gente,
Matando tudo o que se atravessa na visão.


Com o seu olhar venenoso,
Transforma em cinzas quem o vislumbra…
Com o seu hálito sulfuroso,
Sufoca o incauto na penumbra…


Este monstro, poucos o sabem deter…
Não com o odor de doninha nem canto de galo,
Pois apenas o seu reflexo o consegue abater,
Obrigando as trevas a recolher o seu vassalo.


E assim todas as longas noites brumosas,
O Basilisco atravessa o firmamento,
Aterrorizando as pessoas receosas,
Para por fim regressar ao seu acolhimento.


[Mergulhando na água escura,
O Basilisco regressa ao seu abrigo,
A uns, os seus olhos lançaram na loucura,
Aos outros, o medo do regresso do perigo.]

terça-feira, outubro 13, 2009

II - Os Cafés

Há gente estranha
Que ocasionalmente olha para mim.
Estranhos não por serem esquisitos
Estranhos por serem diferentes.
Os muros que erguem são altos
E maciços, mas ali, na aragem do final de tarde
Sentimos os ventos da liberdade
E vemos o sol
Por entre as falhas dos tijolos.

É ali,
Com as suas bebidas e comidas
Do que para mim é o final do dia
Para eles o começo da noite
Que os vemos como são
Em amena conversa
De olhar agressivo.

Nas asas (de um tempo...)

Comando televisivo na mão,
Um sorriso meio perdido,
Um coração meio esquecido,
Um esgar de comoção.

Um ar contempletativo,
Uma tranquilidade inquietante...
Uma recordação distante
Num caminho definitivo.

Uma felicidade diferente,
Uma calma enganadora,
Uma imagem tentadora,
A incerteza pela frente.

É caminhar.
É lutar.
É chorar.
É desesperar...

É ter tudo para ser feliz...
E viver sempre insatisfeito,
Num quadro meio desfeito
De quem ainda é aprendiz...

Mas que nas asas do tempo, impiedoso,
Apenas voa para um fim...


...Glorioso?

segunda-feira, outubro 12, 2009

Sem pensar

Estou a tentar, com tanto esforço, não pensar tanto.
Estou a tentar não me esforçar,
mas se tento tanto não pensar
será que vale a pena não me preocupar?

Estou a mentir a mim próprio.
Eu digo que não vale a pena pensar,
mas será que não vale mais a pena dar as costas ao vento
e caminhar daqui para fora?

Tu olhas para mim e tento não pensar.

Penso nas palavras e elas tropeçam para fora.
Penso no andar e fico congelado no lugar.
Penso em não me preocupar o que achas de mim
e fico ridículo tentando não me esforçar.

quarta-feira, outubro 07, 2009

Verão

O ar nocturno era suave e quente, com uma brisa ligeira girando em torno dos nossos pés, tornando o nosso passo uma caminhada pelas nuvens. O rio ficava à nossa esquerda enquanto caminhávamos pela margem, um copo de bebida tentava gelar os nossos dedos mas sabia tão bem na nossa garganta. Ainda me lembro de ti a falares de politica e do mundo, alheia a tudo, esbraçejando com emoção enquanto eu sorria e desviava-te das pessoas antes que as empurrasses à tua frente. Foi o nosso Verão, alheios ao mundo, num romance tão belo.

Ainda te lembras dos jardins que visitámos?
Ainda te lembras das fotografias que tirámos?
Ainda te lembras das carícias que trocámos?

O sol nas nossas costas ardia mas era tão fácil ignorá-lo enquanto subíamos a serra. A paisagem até perder de vista fazia-nos perder o fôlego. Teus olhos brivalham enquanto olhavas para longe e os meus brilhavam olhando para ti. Ainda me lembro de ti a tirares fotos a tudo enquanto eu me ria e roubava fotos de ti. Foi o nosso Verão, presos um ao outro, num romance tão lindo.

Ainda te lembras dos edifícios que vimos?
Ainda te lembras dos sonhos que descobrimos?
Ainda te lembras dos prazeres que sentimos?

E agora aqui estamos, alegres desconhecidos um do outro. Tu passeando com a tua família, de braço dado com o teu marido, por entre o ar nocturno suave e quente. O quanto parece aborrecida a nossa existência agora...

Ainda te lembras do quanto quis ficar contigo?
Ainda te lembras do amor que senti perdido?
Ainda te lembras de mim????

segunda-feira, setembro 14, 2009

I - Os Passeios

Percorri como um vulto as ruas da cidade
Calcorreando os negros caminhos de pedra
E abrigando-me do calor do sol
Em sombras de centenários prédios.
Cada passo era um passo já dado
Por outros, noutros tempos,
Mas eram mesmo assim passos originais…

Percorri com um vulto as ruas de que falo.
Sentia-o sempre ali ao meu lado
Calado, a tentar não me dar importância,
Mas a conduzir-me
Por ruas e vielas de outrora
Por entre gentes e culturas de agora.

O sol alto aquece-me os passos,
Só as palavras são frias,
Porque frio é o ar que vem do mar,
Que me desperta os sentidos
Que me faz olhar em redor
Que me faz esquecer o calor

sábado, agosto 01, 2009

A Torre de Marfim

Contemplei, admirado, as suas paredes esbranquiçadas. Ao longe pareciam ser de um branco alvo e imaculado, mas à medida que o metro me levava mais perto, percebi que aqui e ali estava manchada com traços de cinza e azul. Já mais perto, mesmo junto à porta, reparei que era de um cinza com traços de preto, sinais evidentes da sua idade.

Chegava com sonhos e ilusões de grandeza. Era ali que se reuniam os maiores génios da sua actualidade. No cimo daquele monte, o ambiente era propício ao desenvolvimento intelectual. À medida que me perdia, apercebia-me da vedação, que deixava de fora daquele ambiente privilegiado a ralé e a escumalha intelectual que passeiam pelas nossas ruas. Uma vedação, feita de rede aqui, muros de cimento ali e com portões em tons de verde, com vinhas nas vedações de arame circundantes, colocados em todo o perímetro.

Ali estava uma ilha no mar de ignorância. Era o local, friso-o novamente, onde as mais brilhantes mentes do nosso tempo se reuniam e eu queria absorver todo o seu saber. Subi os três degraus para a base da torre e entrei, passando o balcão de segurança onde ninguém estava e contemplando o mar de mesas onde uma multidão trabalhava.

O grande átrio de mesas era cortado mesmo no centro por uma grande escadaria. No momento em que pisei o primeiro degrau uma voz de trovão ecoou por todo o átrio. “E há que ter em linha de conta os créditos! Não podemos esquecer os créditos. Os créditos são fundamentais!” procurei em vão a fonte de tal afirmação e descobri ser um indivíduo de baixa estatura, com uma barriga de cerveja bem proeminente, de cabelos grisalhos e de aspecto oleoso apanhados num rabo-de-cavalo que lhe chegava a meio das costas. Rodeavam-no algumas das mulheres mais horrendas que já vi na minha vida, apensa comparáveis a descrições de criaturas das trevas em livros de fantasia. Desciam as escadas e ao passarem por mim agiram como se eu não existisse, empurrando-me contra o corrimão azul, que abanava como uma seara ao vento, à medida que desciam as escadas. “O problema é que os alunos não estão para se dar ao trabalho, é melhor não exigirmos muito. Há que falar com aqueles que são demasiado exigentes, porque se a proposta de avaliar em função do mérito avançar, temos de estabelecer quotas de aprovação!” continuava a dissertar indivíduo a quem a multidão de bajuladoras chamava de Prof. Posta.

Confesso que a impressão que aquele grupo causou em mim foi de estranheza e estupefacção. Estava estupefacto com o que ouvia, e causava-me estranheza a forma messiânica como o referido Prof. Posta se passeava. Por momentos tive a sensação estranha que ele se sentia o dono do edifício, a forma como balanceava não os braços mas o ombros ao andar, os braços arqueados como um culturista, e que aquela multidão que o seguia mais não era do que a sua merecida multidão de servidoras.

Num dos cantos do edifício havia uma escada em espiral que facultava o acesso a todos os pisos. Decidi-me a subi-la. Havia-me candidatado a um bolsa de investigação com um tal de Prof. Saudita, que tinha o seu laboratório no sexto piso deste edifício. Estava bastante entusiasmado com a proposta e o convite pronto que havia recebido para vir à entrevista deixava-me com grandes esperanças.

Ao passar pelo segundo piso uma outra voz fez-me parar de subir escadas. No corredor imediatamente em frente uma senhora, de aspecto um tanto ou quanto tresloucado, falava com um grupo de alunos que tentava, até eu me apercebia à distância, desesperadamente sair dali. “Então meus filhinhos,” dizia ela com uma voz meio rouca “não querem uma bolsa? São cem euros por seis meses de trabalho intenso no meu laboratório a tentar descobrir uma maneira de furar uma patente para um anti-viral famoso” continuava e ria-se e tentava outra abordagem “E já viram o triângulo das minhas bermudas?” A imagem tinha tanto de horripilante que só mencioná-la ainda me dá calafrios. Face ao tenebroso daquela personagem, que vim a saber posteriormente dava pelo nome de Prof.ª Quinha, decidi subir as escadas.

“Olhe lá, seu paneleirote, importa-se de tirar a minha coluna do seu rabo?” gritava uma estridente voz ao fundo do corredor, mas eu ouvia-a como se estivesse ali logo ao meu lado. “Veja lá como fala comigo! Olhe que eu acuso-a de discriminação sexual!” dizia um fulano de voz pouco grave mas rouca, de rabo empinado, calças verde alface, com laivos de fluorescente, uma camisa de um rosa intenso e que ao correr corredor acima balouçava mais o rabo que uma modelo na semana da moda de Milão. O Prof. Rabe era famoso por não necessitar de orçamentos para equipar o seu laboratório e parecia estar a meio de uma ida às compras.

Continuei a subir e no quarto piso sou surpreendido por um fulano com uma larga calva, com uma coroa de cabelos brancos e encaracolados, com uns óculos fininhos e de olhos imensamente abertos, para lá do que pensei possível a um ser que não seja arraçado de sapo. O Prof. Ascensio Ilevattori recolhia assinaturas para aquilo que considerava ser um atentado à excelência académica: o mau funcionamento dos elevadores no edifício. Falava e dissertava como um seu amigo inglês havia, numa recente visita, ficado muito cansado ao subir os três lanços de escadas até ao seu laboratório.

No piso seguinte o cansaço começou a apoderar-se de mim, certamente por fazer tantas paragens, pelo que decidi não parar e seguir directamente para o sexto piso. Tive no entanto tempo para ver um poster a anunciar a abertura do novo curso em Bio-Engenharia Molecular em Nanoquímica Verde Sustentável. O sexto piso parecia-me menos estranho que os anteriores pois não se via gente nos corredores, apenas alguns posters referentes a trabalhos famosos do departamento, como por exemplo “A Handersenase e a Fointanase: um conto de enzimas para toda a família” e “Estudo do grupo heme em anfíbios: o caso do cachalote (Cetacius patranhus)”, estudos que de resto são marcos na ciência em Portugal.

Ao fundo do corredor ficava o gabinete do Prof. Saudita. A entrevista correu muito bem. O Prof. propôs-me inclusivamente pensar em fazer o doutoramento com ele. Aparentemente o facto de ter o currículo científico de uma amêijoa e ter acabado o curso com uma média de 12 não interferiam porque como ele disse “isto fala-se com o júri e a coisa passa sempre”.

Quando passei novamente o portão, havia uma questão que ainda levava comigo e que me fez repensar a função daqueles muros. Ao falarmos de todo o projecto perguntei, um tanto ou quanto inocentemente, qual a aplicação prática de tudo o que faríamos. O “não se preocupe que isso logo se vê” que recebi como resposta deixou-me um pouco abananado e perguntei de seguida se havia alguma empresa a colaborar com o departamento. A resposta de “uma ou duas mas isso é só em coisas muito específicas, aqui não temos disso” é que me afastou. Percebi então para que servem muros numa instituição de excelência e a resposta que encontro é que não é para deixar a mediocridade do lado de fora…

segunda-feira, julho 13, 2009

Pessoas

Embora me perca na noite é de dia que conheço as ruas de cada cidade... Turista acidental do destino. Ontem como hoje, mais ou menos vezes, parto sempre com destino mas sempre de surpresa...
O que busco é diferente! Não é a igreja deserta, ou o monumento mais badalado do sítio... Não! Eu busco pessoas...
Não me interpretem mal, não sou um caçador, busco pessoas para uma breve conversa, ás vezes um simples sim ou não. O psicólogo atende o doente que o procura. Não sou psicólogo portanto procuro eu o doente... Ou melhor não existe nenhum doente neste história! Apenas me interessa o ser humano seja ele quem for!
Não visito feiras nem largos apinhados... Longe de ser o político à espera de voto ou o religioso que tenta converter o mais solitário cidadão. Busco cafés, quanto mais simples melhor! Se tiverem jornais sobre as mesas melhor ainda! Por vezes passam-se horas solitárias até surgir alguém... Isto se não for o próprio proprietário da casa a puxar o primeiro assunto. Pelo sim pelo não vale a pena ter um jornal à mão (ou dois). A hora do dia determina a escolha: O café, ou a imperial... Se a hora for de imperial, o pedido da segunda aumenta a possibilidade do primeiro diálogo.
Finalmente surge alguém e começam as conversas, a propósito disto ou daquilo, do tempo, da actualidade, da própria imperial! E quase sempre é isso que procuro... A conversa banal!

Questionar-se-ão: E para que serve uma conversa que não passa do banal! Explico-vos com certeza, porém não sei se entenderão! Não sou um solitário. Tenho muitos e bons amigos. Amigos a quem conto os mais variados e até mais pessoais problemas. Todos menos aqueles que são mesmo muito pessoais...

E grita o leitor! Ah então temos aqui um seguidor da máxima do "contador de problemas a um estranho"...

ERRADO!

... e contudo certo! Faço-o mas não o faço... Não conto nada a nenhum estranho. Falo sob metáforas tão discretas que tudo fica imperceptível... Eternamente codificado! Em troca as conversas banais... A maravilha que é o ser humano: Em rostos, pessoas vulgares, pessoas que se cruzam connosco no dia a dia... Pessoas que tal como eu falam metafóricamente. Talvez não o façam, contudo, de forma intencional... Mas no fundo ao pousar das moedas sobre a mesa, no último e derradeiro boa tarde, somos capazes de sorrir... Ter um microsegundo de felicidade...

No fundo, sermos intimamente NÓS.

domingo, julho 05, 2009

CoBrA

B-A-Bá
As escamas como tijolos
Vermelhas de barro
Com vestígios do sal do Báltico
Com a sujidade do pântano
E os tons inspiradores do Norte de África

Dentes de criatividade aguçados
Preparados para cuspir veneno
Apertar a vítima nas suas ruas
Para sempre presa armadilhada
Agarrada a esse deambular

Janelas parcamente iluminadas
Uma urbe que vive para sempre à noite
Capital como pacata vila
O correio que se perde na viagem

Uma criança que agora começou a ver
Com rabiscos e palavras sem nexo
Mergulhada em águas de inocência

Quero voltar e perder-me nas vossas curvas
Ver-vos novamente com novos olhos

Oh! Esplendor da infância!

sexta-feira, junho 26, 2009

O Caminho para Casa

O rebuliço que vai na minha cabeça
Contrasta com a calma em redor
Sentado, jornal dobrado na mesa
Copo de cerveja, apático, na mão
Os olhos a sondar o ambiente
E a mente, fora do corpo a vaguear.

Há um espaço oco cá dentro.
Havia antes de deixar o meu corpo
E tão cedo não se enche.
Por vezes, o ar fresco da tarde,
Traz um sorriso
Mas o dia-a-dia apressado
Traz as rugas
E leva-me para longe do Paraíso.

Não digo que seja infeliz,
Não digo que seja feliz,
Podia dizer que nada digo
Mas quando passo os dias
Há muito que me digo e não digo.

Não sou desprovido de conteúdo
Mas sinto-me vazio
Falta-me realização, sentir que escolho
O caminho que tomo para casa.

Segue em frente, vira à direita,
Segunda à esquerda, logo à frente.
Segue em frente, vira à direita,
Segunda à esquerda, logo à frente.
Segue em frente, vira à direita,
Segunda à esquerda, logo à frente.

E no dia em que entro pela porta das traseiras,
Por andei, estavam preocupados
Sem espaço para respirar, para me atrasar,
Para mudar, para ser, para alterar,
Para começar a andar e me perder!

domingo, junho 21, 2009

Senti-te à espera

Senti-te rasgares-me a alma,
Quando de mim só pedias espaço.
Senti-te a fugires,
Como se fosse um vil criminoso.
Senti-te a fugir de ti,
Porque as forças para me enfrentares te fugiam.

Esperei longamente o põr-do-sol,
Para nas sombras me esconder
E por entre gemidos
Poder chorar a dor.

Esperei que o sol não se risse mais;
Pelo suave manto da noite,
Como veludo negro e suave onde
Me preparo para o pior que há-de vir.

quarta-feira, junho 10, 2009

Não me ralo

Vimo-nos por baixo das luzes artificiais de néon
Encontrámo-nos no meio dos fumos do salão
Mas nunca nos conhecemos verdadeiramente...

Não me ralo se vais...
Não me ralo se ficas...
A única coisa que sei
é que fico aqui deitado
neste quarto escuro
à espera de algo que nunca hei-de sentir.

Eu devia ter adivinhado
que me sentia demasiado perdido quando estava contigo
mas estava a procurar sossego no conforto dos teus braços.

Eu devia ter descoberto
que estava demasiado envolvido em ti
mas agora estou a afogar-me sem saída à vista.

Não me ralo se ficas...
Não me ralo se vais...
A única coisa que sei
é que fico aqui a olhar
para esta parede vazia
à espera que me mostres o caminho para a porta.

Sou um homem cego na escuridão
sem saber qual a diferença entre estar contigo ou sozinho
mas aquilo que sei
é que não me ralo
porque o contrário de amor não é ódio
É...
indiferença.

segunda-feira, junho 08, 2009

Ama-me esta noite,
Como se da última se tratasse…
Beija-me os lábios,
Como num beijo de despedida…
Toca-me ternamente o corpo,
Como num êxtase final de paixão…
Despenteia-me o cabelo curto,
Como num adeus carinhoso…
Sorri o sorriso pelo qual me apaixonei,
Na primeira, segunda, última vez que te olhei…

Ama-me esta noite e sê minha,
Pois eu,
Sou teu.

segunda-feira, junho 01, 2009

Suicida-me

Traição
e todas as vozes me fazem triste
e todos os pensamentos me fazem mal
Traição
meu corpo gela no calor do dia
deixando minha alma em brasa no escuro da noite

Nunca terei uma vida diferente
Nunca terei um caminho diferente
Mas sei que continuarei a viver
Quero fugir do carreiro
Quero fugir da prisão
Suicida-me

Mas continuarei aqui
enquanto tu aqui estiveres
Sou aquele que vês
embora não seja quem queiras
Traição...

Meu caminho está nesta linha
Minha vida está protegida na tua mão
Deixa-me fugir
Suicida-me

quarta-feira, maio 27, 2009

Cave

Na cave desse prédio mora um horroroso animal
Desprovido de regras, de costumes e qualquer tipo de moral.
Vive de alimentar essa sua fome natural
De tudo um pouco o que os de cima vêem como Mal...

Não vive feliz esse animal.
Vive enraivecido e embrutecido
Nú de sentimentos, incapaz de sentir
Preso e agaiolado, sem vontade de fugir!
Como chegou tão fundo?
Foi um dia em que um homem belo e elegante,
Que passeava pelas ruas, admirava as cores
Alegrava-se com os ruídos, cumprimentava as pessoas...

As pessoas, a sua queda!
Agradava a todas sem exepção
Até aquelas que nada lhe eram.
Procurava viver, numa semana, tudo o que a vida lhe oferecia
Não durou pessoa mais de um dia!
Vencido pelos prazeres da carne à segunda-feira,
Entregou-se ali logo a uma rameira de fina-flor
Que o mergulhou com cigarros num torpor inebriante
Com o qual contagia quem na sua cave entra!

Na cave do meu prédio mora um animal.
Ser estranho e perverso, que me torna aos outros adverso,
Que me arrasta para baixo, me devora,
Sentimentos néscios traz cá para fora...
Viu no outro dia, pela janela, uma criança.
Espantou-se com o seu ar de abelha mansa,
Gatinhou até às grades da janela e apreciou
O seu andar; com atenção olhou a sua figura
E uma pata lançou pela ranhura das grades
Querendo nela enfiar as suas garras aguçadas.

Sabe bem como fala a criatura
Que nessa cave se deita na pedra dura
Sorvendo ervas que vieram da lonjura do mar
E que suaves perfumes deitam no ar.
À medida que se sopram, puf... puf...
Adormecendo-me os sentidos, ficando mais e mais perdido
Quanto mais me acho e encontro.
Puf... Puf...
Lembro a criança... Cintura fininha e peitos já salientes
Nos meus membros sinto já formigueiros
E meus pensamentos esvoaçam para dias mais quentes
De areias tórridas, onde leis do Homens
Não amarram animais em caves frias.

Liberdade

Convidei para jantar certo dia a liberdade.
É moça de idade avançada...
Veste colarinhos e mangas compridas e para o repasto
impôs, pasme-se então, que a certos regras me prestasse!
Não queria vir de dia, noite cerrada tinha de ser,
Porque o véu escuro da lua nova
Esconde de seus olhos as vergonhas
Que em seu nome os Homens se fazem sofrer.

sábado, maio 23, 2009

Quando quiz a tua carne,
Negaste-ma!
Persegui-te por ruas e vielas
E fugias-me!
Correndo como louca, possuída
Pelo pânico da presa perseguida,
Fugindo de um predador ávido,
Sedento e esfomeado.

Sabias que te alcançaria.
Sabia-lo e mesmo assim fugias
Tentando tornar a noite que se avizinhava
Em radioso e caloroso dia!
É escura no entanto essa rua,
Onde a fria e pálida lua de Inverno
brilha, iluminando as ásperas mãos minhass
Que a tua existência tornarão Inferno...
Pelo menos nos próximos instantes!

sexta-feira, maio 22, 2009

Tempestade

Já a vejo lá ao fundo
Com o seu ar pesado carregado
Em tons negros contra os raios brilhantes
Avança empurrada na minha direcção.

Já o oiço,
Sopro invisível
Arauto da violência
Ventos gélidos e sibilantes
Nas copas distantes silvando

Eis que chega agora
Descarrega em mim a sua força
Aceito-a!
Recebo de face erguida o golpe
Das grossas gotas de água que me banham a face
Sou empurrado pelos violentos ventos que me movem
E em tudo vejo e sinto e oiço
O doce travo da passagem do Cabo...

quarta-feira, abril 29, 2009

Leva-me contigo para essa praia distante
Onde ao luar soltaste os cabelos e ofegante
Descobriste a religião
Chamando por Deus de costas no chão
A brisa marítima como orvalho da manhã
Lava-me já o rosto que acaricias com o cachecol de lã
E pudera eu ser o mar que te beija os pés
Não estaria tão cheio de fé
Que aqui viemos para tu te mostrares
E não como queria para me amares

sexta-feira, abril 24, 2009

Gostava de ser eu

Gostava de ser eu a dizer
que te coloquei a salvo
e te agarrei nos meus braços
Gostava de ser eu a correr
para te deixar a salvo
e tirar-te o medo
Gostava de ser eu a levar-te
para longe de tudo
e perto de mim
Gostava de ser eu a sossegar-te
que nada de mal ocorreu
e que continuas aqui
Gostava de ser eu a levar-te para casa
e deixar-te lá para sempre
sem precisares de sair

Mas ambos sabemos que a casa já não existe
estamos soltos no mundo
e somos nós que temos de lutar
Gostava de levar-te para casa

e proteger-te

mas tenho tanto medo

quarta-feira, abril 15, 2009

Suores frios acordam-ne na noite,
Despertando-me de um sonho mau...
Olhando o vazio na penumbra,
Visões nebulosas retornam à minha mente.

Recordo imagens em que voltavas a fugir-me
Uma vez mais, sem sentido, sem motivo...
Recordo palavras mudas dolorosas,
Uma vez mais, tão étereas quanto reais.

Tremendo, estendo o braço na tua direcção
Esquecendo, confuso, como está vazio.
Ignorando as cicatrizes que teimam em abrir
Abraço a tua almofada fria, suspirando...

[Adormeço,
embalado pela recordação do teu perfume,
que me traz um breve sono imaculado]

quinta-feira, abril 02, 2009

Quem me dera que a rua não tivesse fim...

Passeio...
Por estas ruas ao entardecer,
Contando todos os meus passos,
Arrastando-me com demora,
Atrasando os minutos de cada hora...
E o que me falta percorrer
Já são uns metros escassos.

Vagueio...
Porque as armas todas já usei:
Perdi-me pelas estradas desertas,
Nas luzes de um centro comercial,
Numa tasca deveras banal.
Todos os caminhos calcorreei
Nestas horas incertas...

Receio:
Quem me dera nunca chegar,
Quem me dera não ser assim,
Quem me dera nada dizer,
Quem me dera puder esquecer,
Quem me dera de outra forma acabar...
Quem me dera que a rua não tivesse fim.

segunda-feira, março 30, 2009

Ohhh

Ohhh... primavera! Eterna paixão!
Trocam-se beijos, afastando o frio.

Ohhh... folhinhas! Jovem natureza!
Voam insectos, lavrando a inocência.

Ohhh... clorofila! Soberba na energia!
Respira oxigénio, purificando a vida.

Ohhh... Luz! Cresce dia após dia!
Iluminas trilhos, encontraste-me o caminho.

sexta-feira, março 27, 2009

De manhã saí à rua

O Sol já vai alto e agora aquece. A leve brisa do rio deu lugar a uma aragem quente e começo-me a sentir desconfortável. Começa também a surgir a curiosidade sobre aquele corpo que repousa na cama. Vou até à bolsa que ficou no hall de entrada para procurar a identificação. No caminho imensas fotos dela e de um casal claramente mais velho, ora o casal, ora ela, ora ainda os três juntos... Na carteira a confirmação do crime cometido! Foi bom, é certo, mas agora está na hora de ir.

Visto-me à pressa e saio porta fora. Entro no café que há na esquina e sento-me na esplanada. Peço uma torrada e um sumo de laranja e pego no jornal da mesa do lado. As notícias não me animam, mas o reflexo de folhear o jornal vem de há muitos anos, ajuda a pensar... Por entre uma página e outra vou olhando a janela do quarto, que vejo estar agora aberta. Por um instante penso em voltar e falar com ela, mas depois passa-me e mergulho novamente no jornal. Com a noção do tempo desaparecida vejo que a torrada e o sumo já estão na mesa. Como lentamente para saborear, não a comida mas o ar fresco das manhãs à beira-rio. Absorvo não o alimento, mas aquele estado bucólico de fim-de-semana, em que os dias são maiores e as manhãs mais lentas, tão iguais e tão diferentes de todos os outros dias.

Levanto por acaso a cabeça e nesse instante vejo-a, cabelos escuros soltos, calças justas e um top revelador! Na mão tem um casaco fininho. Sai de casa e olha em redor, perdendo algum tempo a olhar para a esplanada. Acena-me e segue para o outro lado da rua.

Não sei se ela sabe que eu sei o que fiz... Não sei se sabe que, por muito que eu queira, não haverá outra noite. Não sei se sei que haverão outras noites, só não estarei lá para saber. O que sei é que na próxima sexta, já tenho sítio para ir sair!

quarta-feira, março 25, 2009

À noites as sensações, num quarto desconhecido...

Acelero rumo a norte, com a bússola dos sentidos desorientada. Não se pense, por falar em acelerar, que sigo a uma velocidade estonteante. Não! Não o consigo fazer... Ela, no banco do passageiro, está sentada de lado, a olhar-me e a acariciar-me de tal forma que meter as mudanças é tarefa complicada, pois a cada saída de rotunda, ou curva para a direita, a mão dela resvala da minha coxa em direcção à minha virilha. O percurso, que foi rápido, durou uma eternidade. Nos metros finais ela ia dando indicações, "vira ali, corta naquela, estaciona já que a minha casa é aquela", e eu obedecia cegamente, "sim, sim estou a ver", mas as imagens andam a mil e nem vejo bem onde estou. Do outro lado do rio, Lisboa, a boémia, olha-nos e sorri marota, como que dando a sua permissão para o que vai suceder.

Subimos as escadas de madeira para um primeiro andar. Não nos preocupamos com o ranger, mas não se pense que subimos a correr. Ela abriu a porta, deu-me a mão e passámos, um de cada vez, a estreita porta. Na escuridão guiou-me até ao quarto dela e não pude, apesar do grau de excitação, deixar de ficar abismado. De certo modo aquele momento fez a minha mente desfocar-se e ela, sentido que me estava a perder, aproximou-se pelas minhas costas e, com as mãos bem juntinhas à minha pele, começou a tirar-me a camisola. Fazia-o lentamente e com as palmas a tocarem-me o peito, acariciando-me e levantando-me a roupa. Quando a última manga passou pela minha mão direita, um puxão virou-me e dei comigo a olhá-la de frente.

Com as luzes reflectidas pelo rio a banharem-me as costas e as bochechas esfomeadas dela, comecei a sentir-lhe os lábios a acariciar-me a pele. Primeiro nas orelhas, descendo ao pescoço, uma trinca suave nos mamilos, a lingua a percorrer-me a barriga enquanto as mãos iam empurrando a roupa para baixo, com as unhas a percorrer-me o interior das pernas. Até que ela parou!

Parou porque os sapatos impediam as minhas calças e os boxers de saírem. Parou, mas não atrapalhada. Parou e olhou-me nos olhos e vi nos dela um brilho malévolo que teve consequências ao nível da minha virilha, reacção que despoletou um risinho por parte dela. Parou para me atirar para a cama, com um colchão algo mole e que afundava no meio e enquanto eu caía começou a despir-se da cintura para baixo, à medida que se aproximava da cama. Eu olhava e apreciava! O mesmo balouçar de cintura da pista de dança era agora repetido para expôr mais e mais rendilhado escarlate. Descalçou-se, retirou as calças, dobrando-se toda, com as nádegas redondas a balouçar, viradas para mim, junto à cama.

Acabou de remover as roupas, mas não se virou para mim. Ao invés, sempre de costas, colocou o joelho direito na cama e passou com a perna esquerda por cima de mim. Quando recuperei da estupefacção tinha os rendilhado vermelhos, onde se via uma penugem enfraquecida, a roçar-me na cara e sentia grande agitação nas virilhas. A partir daquele momento, senti necessidade de alinhar pela vontade dela.

Durante o que sobrou da noite, passámos muito tempo com o meu peito a tocar-lhe nas costas, em movimento perpétuos, em carícias sugestivas, mudando da cama para a janela, da janela para o chão, e ora se sentava ela em mim, ora lhe levantava eu as pernas, até que, derreados pelo esforço, cedemos à luz mortiça dos candeeiros de rua e adormecemos.

Resgate

Do teu sorriso fiz a minha religião

Do teu abrir e fechar de olhos a minha lua e sol

Do teu toque a minha pele



Trouxe a má fortuna a anti-fé nos nossos erros

O eclipse total na fraqueza dos nossos horizontes

O empurrar para o exílio dos teus braços


Eis agora uma alvorada por estrear... só nossa

Um novo evangelho de amar, resgatado

As bases um palácio indestrutível de carícias

... que só a nós compete edificar.



Se acreditarmos bastante

Se sofrermos muito

Se enlouquecermos muito mais que os loucos

Se, finalmente, nos embriagarmos nas fontes da nossa harmonia



....Se tudo largarmos

....até nós prórpios...

... e sermos somente...

...Amor

terça-feira, março 24, 2009

Vagabundo

Vagueando as ruas da cidade
Com a mala cheia
Um espírito vazio e triste
O tempo a castigar o rosto
Com a chuva que refresca e liberta
Vai um homem perdido no caminho
Que sabe onde fica o seu fim

Soube outrora onde ficavam todos os lugares do mundo
Mas não sabia onde ficavam os lugares da alma
Perante uma demonstração de ignorância tal
Fez a sua mala com os sonhos da sua cidade
E partiu
Pelo mundo fora andou
Ficando mais burro a cada dia que passava
E agora que chegou à sua cidade
Descobriu que não a reconhece, não é mais sua.

quinta-feira, março 12, 2009

as horas

grita o meu nome
como eu grito a saudade
e a terra e as pedras enchem-me
o ventre grávida sem fim
como a besta ferida
nada em mim é acalmia
não tentes pintar a cor do desespero
nesta ausência sem fim
em que caminho por entre os seixo pontiagudos
descobrindo as ruínas do mundo

nunca as horas foram tão longas

segunda-feira, março 09, 2009

Mutantes S21

Cresci a olhar o tejo. A ver os barcos a entrarem e a saírem num rodopio constante. Na altura, ainda a Lisnave era a Lisnave e não um deserto de ferro e cimento. Na altura, a distância de Almada a Lisboa era superior aos vinte minutos do barco e os sonhos iam-se diluindo nas sujas águas do Tejo. Cresci a olhar o Tejo e como ele prometi correr na direcção do mar, ver outros portos e outras paragens, marinheiro livre num mar prazeres imensos, por entre fumos e orgias, mortes e fugas.

Como o Tejo viajei pelo mundo, fiz-me nuvem negra de paradeiro incerto e numa manhã negra chovi em Almada, capital de todo o meu mundo e que contempla essa capital de província onde a nossa aventura começou. Foi num tempo agora incerto, em que não sabíamos quem éramos, uma viagem por todo um mundo novo, uma iniciação à arte de viver... E que bem nos soube viver! Saborear o doce néctar da libertinagem, galopar nas ondas dos sentidos inebriados e sair, desse turbilhão, adultos e acordados, saudosos para todo o sempre desses meses, desejosos que mais ninguém repita os nossos passos, mas com a vontade que todos façam a sua viagem, se libertem de si mesmos, que peguem naquilo que são e no meio da transcrição diária, que é a rotina do dia-a-dia, dêem um pontapé numa perna e se tornem num mutante de si mesmos, nunca retornando ao que eram, acumulando erros e erros como forma de evoluírem, de se libertarem dos espartilhos mentais que em nós são incutidos desde crianças.

...

Ao fim de tantos anos contemplo novamente o Tejo. Ouço as sereias dos barcos e vejo as ruínas da Lisnave. Nas ruas os putos arrastam-se sem objectivos, desfrutam os dias com a obrigação única de chegarem até amanhã sem envelhecerem. Os que dum dia para o outro envelhecem, cedo arranjam quem sustentar com o seu suor. Não é para mim esta vida. Olho o Tejo enquanto enrolo uma broca e lembro-me que foi com uma broca na boca que apanhei o táxi para o Casal Ventoso.

quinta-feira, março 05, 2009

perda

vejo o rio e o gelo
e as pedras
e o lobo assalta-me
a fúria a angústia o medo
e só tu podes salvar-me
o que foi que perdi no fogo
o meu corpo o teu corpo aquele ser
mais que eu
que se perdia e encontrava
na curva do teu ombro
no conforto da tua face
e os cortes
nos meus braços nos meus pulsos na minhas veias
escorrem o sangue
que grita o teu nome

domingo, março 01, 2009

Tempo

Tempo livre a mais
Enquanto geme na cadeira
O meu cérebro grita por mais
Tardes estendido na eira!

Primavera

O Sol ergue-se das copas das árvores
Onde durante a noite reposou
Banhando de luz e apagando as dores
De todas as criaturas que um dia criou
A Natureza, embalada pelo encanto
Que lhe causava um estranho sentimento
De no mundo onde faltava tanto
Não haver quem desse contentamento
À vastidão imensa do nada
Que ficou com tal ocupação
Quando esse castanho que desagrada
Se transformava numa estação
Verde que é a Primavera!

sexta-feira, fevereiro 27, 2009

Indiferença

Lutar?
Lutar para viver
Lutar para crescer
Lutar para dar sem nunca receber
Lutar para viver

Vida que me abandonas
Vida que não compreende
Que não me quer nem me entende
Vida que me faz sofrer
Viver..

Momentos esquecidos
Momentos perdidos
Momentos que vão e nunca voltam
Palavras que custam
Que doem
Palavras que o vento leva

Vida que me abandonas
Sem motivo ou razão
Não tenho coração
Quero ignorar-te e abandonar-te
Como abandonas tudo o que faço por ti
Sem olhar para trás e menos ainda para mim

Tanto que te quero mostrar
Infelizmente o egoísmo não me deixa entrar
A energia vai desvanecendo
A vontade vou perdendo
Já não te quero abraçar

Sangue do teu sangue
Sangue que flui tão diferente
Sangue que questiono e me prende
Vida que me vê indiferente

Como fomos ao que fomos

Os seus lábios pareciam sussurrar algo. Naquele momento eu só ouvia a louca voz do desejo, mas não era esse desejo que ali estava, esse era mais lento e demorado, não o de um vôo directo para o ninho daquela ave. Naquele momento o meu desejo poderia ser saciado na casa-de-banho do bar, mas a voz que me sussurrava pedia algo mais, pedia-me que dançasse com ela (ou seria para ela?) e portanto seguia-a, não mais responsável pelos meus actos. Não era longe esse local onde com o corpo nos deviamos encantar, dois passos e estávamos mesmo no meio, ela a balouçar-se como uma serpente bem encantada, eu a olhar, como a águia que observa a sua presa lá do alto.
Naqueles instantes mirei-a de alto a baixo, os longos cabelos negros caídos sobre os ombros, tapando as alças do também negro top. Parecia não ter soutien, mas o par de rolas roliças a espreitar no seu decote, muito juntinhas uma à outra diziam o contrário. Também à espreita estava esse rendilhado escarlate, que quando ela lhe virava as costas assomava acima da cintura das calças de ganga, naquele momento as mais exóticas e atraentes do mundo, mas que à luz da manhã não passariam de um tapete no frio chão do quarto, que mais não faziam do que atrapalhar o andar.
Naquela noite não atrapalhavam! Pareciam o tecido mais ágil e elástico enquanto ela se contorcia e me ia enfeitiçando. Foi sem resistência alguma que a acompanhei até ao bar, reabastecemos o sistema alcoólico e ficámos ali à conversa. Não foi imediatamente, mas a mão dela acabou por tocar a minha. Seguindo a deixa, fui-lhe percorrendo o braço suavemente, com a parte de trás dos meus dedos, até que cheguei às já referidas alças. Ela virou-se um pouco de lado e com a outra mão conduziu a minha para o decote. Ali fiquei uns instantes a acariciá-la, até que de repente veio a ansiada proposta de ir mais longe, longe dali. Perguntou se eu tinha algo em mente e como eu demorasse a responder algo mais do que "Tenho o carro lá fora", ela sugeriu o quarto que tinha ali perto. Não a olhei nos olhos naquele instante. Olhei-lhe para o rabo, para as mamas, para as ancas, para as coxas, para a cintura, para todo o lado, menos para os olhos. O que não vi foi o olhar de luxúria que ela me deitava. Se o tivesse visto teria visto reflectido o mesmo olhar que lhe lançava, correndo o risco de nos cegarmos mutuamente.
O pensamento de uma casa, de um quarto, as imagens que daí vinham, o antecipar... Tudo me cegava naquele percurso, todas as imagens apetecíveis desligavam pouco a pouco o meu cérebro para os estímulos diferentes daqueles que ali estavam sentados ao meu lado. Os estímulos dispararam o inconsciente "Vamos!" que respondi...

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

À noite, antes do quarto à beira-rio

É noite. A noite que antecede a manhã que anteriormente narrei. Encontro-me num bar sozinho. Estava em casa e apeteceu-me sair. Apeteceu-me assim sem mais nem menos, sem nenhum motivo aparente, mas a verdade é que todos os nossos actos são definidos por aquilo que decidimos e não como voltar atrás. Se hoje pudesse voltar atrás não mudaria aquele momento, tê-lo-ia antecipado em vários dias, para que depois dele houvessem mil outros! Fui para um bar na vila piscatória, onde tudo o que se pesca é turistas. Turistas e gajos como eu, em bares frequentados por putos e pitas, o mais velho deles com idade para ser meu filho. Nenhuma delas no entanto se parece com filhas minhas. Eles são claramente putos, como se diz em inglês “boys will be boys” e não há roupa ou atitude que o disfarce. Um rapaz que se porte como homem no máximo faz ar de parvo e idiota. Um homem que se porte como um rapaz está apenas bem disposto e com ar de jovem. Muitos deles ainda nem eram projectos de filho quando as músicas que tocam foram feitas, alguns deles provavelmente foram pensados ao som das músicas mais melosas. Um amigo meu, americano, que um dia ali esteve comigo disse-me que “this bar has plenty of eye-candy for all” e a verdade era mesmo essa. Miúdas, mulheres, rapazinhos e homens feitos. Num canto um casalinho de gajos, da minha idade mais ou menos, comia-se discretamente, e uma pitareca, no meio da pista, entretinha-se a acariciar gentilmente o rabo a um amigo, enquanto o avô dela a abraçava por trás, num acariciar de seios nada discreto. Foi a observar este clima que a vi encostada ao balcão. Não sei o que me chamou a atenção, mas o que é certo é que num instante estava a condenar moralmente aquele velho rebarbado, no outro estava a imaginar conversas com aquela mulher. Porque era uma mulher que me parecia, ali, de copo na mão, a olhar para a pista.
Tinha o cabelo liso e solto, que lhe caía pouco abaixo dos ombros, uma pele pálida e um sorriso de animar um velório. É verdade que, sentado à janela de casa dela, quando olho para a cama não consigo pensar o que me atraiu nela, mas naquela noite parecia Afrodite encarnada e não consegui desviar nem olhar nem pensamento, até que ela, vendo-me a contemplá-la, se dirigiu a mim.

terça-feira, fevereiro 10, 2009

De manhã à beira-rio

Acordo de manhã, o rio à minha frente, à esquerda o oceano.
Acordo e vejo na cama uma bela rapariga. Percorro-lhe com o olhar as curvas do corpo semi-nú, tapado, aqui e ali, pelos finos lençóis com que nos protegemos da brisa nocturna. Olho novamente o azul esverdeado do rio, que reflecte o brilho intenso do sol do meio dia. Deve ser já tarde, mas porquê ter pressa? Não há pressas que me tirem a noite passada. Vejo ali ao meu lado o corpo de uma bela rapariga. Agora despida de maquilhagem e de roupas não me parece mais do que uma adolescente. Se calhar é uma adolescente... Que diabo, se é uma adolescente a verdade é que se portou como uma mulher bem adulta!
Ela dá uma volta na cama. Irá acordar? Não, está apenas a aproveitar o espaço extra. Penso por um instante em arranjar-me e sair de casa, mas por algum motivo não o consigo e fico ali parado a olhar o rio que flui para o mar. Não dou comigo a pensar nela, ela é apenas umas palavras cordiais, um número de telefone que já não uso e um “adeus até nunca mais”, que nunca será dito. Provavelmente ela ou já pensou o mesmo, ou irá pensar quando acordar, afinal que atracção vem de duas pessoas que se conheceram num bar na mesma noite em que uma delas leva a outra para a intimidade do seu lar?

Não é nela que penso mas sinceramente, também não penso em mim. Penso apenas na paisagem, penso nos tons de verde que o rio reflecte. Foda-se, deve ser a paisagem mais espectacular que já vi. A vontade que dá é de ir para a marginal que passa logo por baixo da janela daquele primeiro andar e andar para trás e para a frente, a contemplar os pássaros. Será que este prazer me vai ser negado por muito mais tempo, apenas pela consciência que tenho de me despedir frontalmente de uma fonte de outros prazeres, que há muito chegaram ao oceano do meu ego?

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Recordar o descanso

Recordar a calma quotidiana é um privilégio que muitas vezes me passa ao lado. São horas desgastadas no trabalho, são minutos desligados da vida e no desleixo. Esquecido dos prazeres que nunca pensei rejeitar...

Hoje ganhei uns segundos de sobra e o reconforto fez-se sentir nas batidas da música e nas poucas linhas que hoje vos escrevo. Poucas palavras mas resumindo este breve sentimento de descanso (especial)!

sexta-feira, janeiro 30, 2009

Primeira Vez

Ah, sei que não é aqui. Não devo, não posso. Os medos não se contam, que medos são coisas para esconder. Que pensarão, que dirão de mim? Talvez não pensem nem digam nada, e passe despercebida, sem ninguém me notar. E entretanto, pode ser que se passe uma vida, e tenha logrado não ser ninguém.

Não, mas não posso dizê-lo aqui. Não posso falar de mim, nem de jardins escondidos, nem de tempos antigos, que há coisas que se não contam, para que não nos possam julgar.
Não, certamente não falarei de mim, como se de outra pessoa falasse. Ainda assim não notem que me descrevo e me conto, em palavras que jamais me poderiam contar.

Esconderei a cada linha que tenho medos iguais aos outros, que tenho vida como os demais, que rio e choro a cada passo, que partilho angustias e remorsos semelhantes. E a cada palavra esconderei o quanto gosto de contar, de me contar, de contar o que me contam. Não demonstrarei em parágrafo algum o prazer da partilha, da escrita, da própria palavra.

domingo, janeiro 18, 2009

I walked a world of empty streets

Era uma vez num sítio errado, com as pessoas erradas, com tudo errado…
Estúpida. Sou mesmo estúpida. Apesar de saber tudo isso, insisto na estupidez. Nesta construção lenta do meu amor nos teus braços que tardam e nunca chegam. Porque o amor não depende das escritas, das letras, dos poemas ou das flores em que insisto. Depende dos olhos. Dos teus, convenhamos. Mas, a transparência não é teu apanágio. E a sensatez não me conhece.
Lembro-me todos os dias que um analfabeto pode ensinar um poeta.
Como pôde um fósforo atear este fogo imenso? Esta dor. Amarga dor. Doendo, tingindo, sangrando. O tempo não cura tudo. É um bom anestésico, apenas isso e pouco mais. A distância só adormece, não salva. Quando te olho tudo volve e há aí uma morte que queima, vezes sem conta. Porque o amor é um abandono e tu partes sempre ao primeiro sorriso que te coloco nos lábios.

segunda-feira, janeiro 12, 2009

Sleet

Chegaste já o sol era posto
E deixaste-me em pulos o coração...
Senti-te tocar-me o rosto,
Fizeste-me explodir de emoção.

Puseste-me a andar como louco,
Penetraste em mim em cada rua.
Mas acabaste por mostrar tão pouco
E instalou-se a realidade crua

Teu feitio não era consistente,
Tua presença tornou-se enfadonha.
De deusa tornaste-te decadente,
Fonte de uma tristeza medonha...

Tua presença foi longa
Quando devia ter sido mais breve
E por isso despede-te sem delonga
Maldita sejas, água-neve!



Nota de autor: Originalmente criado para www.meteopt.com

sábado, janeiro 10, 2009

A Morte

A morte vem devagar
Devagar com seus passos suaves
Para não nos incomodar
Traz na mão o encanto de uma vida
Plena e cheia de alegria
Com que nos seduz e bajula
Esses encantos próprios da sua
Condição terminal

A morte é uma criança
Inocente e cheia de esperança
Que o dia de amanhã é eterno
Dura para sempre e não acaba
A morte não sabe nada
Aparece e tudo muda
Tudo se altera, nada fica como era

A morte não é o fim
Mas a morte não é o princípio
A morte é mais um dia, um mês, um ano
Todo um estado em que estamos
E em que nada precisamos

quarta-feira, janeiro 07, 2009

Como posso descrever?...

Como posso descrever?
Sinto as pernas carregadas, os músculos tensos, ainda a latejar… os olhos pesados e com fundo avermelhado, paro o carro e olho-me no espelho retrovisor, que cansaço esbatido no rosto. Após quatro noites de trabalho…, sinto o corpo quase a quebrar…

Desligo o carro e abro a porta, o frio cortante de hoje trespassa-me o rosto…, entra-me pelo casaco ainda desabotoado, sem pedir licença e consegue alcançar a minha pele, mesmo com as camisolas que trago vestidas. Faz-me arrepiar cada parte do meu corpo fatigado, faz-me sentir viva… . Abotoo-o e aconchego-me bem, enquanto dou os pequenos passos que são necessários até à porta do meu prédio…

Mas hoje há um cheiro familiar no ar… inspiro profundamente, sinto o ar frio da manhã de inverno a percorrer os pulmões e a fazer-me lembrar de cada parte do meu corpo que estava adormecido pelo cansaço e pelo calor do carro onde conduzi. Hoje existe o aroma de uma noite fria, com alguma humidade no ar…, apesar do céu azul que se desenha agora de manhã.

Como posso descrever?... Inspiro novamente….
Sabe bem o ar frio que me enche os pulmões e o vento gelado que corta o meu rosto, é engraçado, como o cheiro me é familiar, faz-me sentir simplesmente bem… Lembra-me o inverno frio, lembra-me aquelas manhãs frias em que somos crianças e ficamos em casa a ver os desenhos animados na televisão aos domingos de manhã, logo pelas 7horas, lembra-me sair de mão dada com os meus pais já depois de almoço e sentir este frio de agora igual, lembra-me… Simplesmente não consigo descrever…, recordo-me o levantar da cama sentir o frio a trespassar o meu pijama e correr para cozinha e pedir o leite com chocolate à minha mãe, ver ela a prepara-lo do sofá e bebê-lo quentinho na sua companhia… enquanto ela faz um bolo por ser domingo…

Meto a chave na fechadura do prédio…, sinto-me bem…, sinto-me viva… sinto-me com vontade de viver cada momento e cada pormenor que nos rodeia… Apesar do cansaço esbatido no rosto, tenho sede de viver… mas hoje subo as escadas chego a casa e adormeço profundamente enquanto a maioria das pessoas trabalha…
Vivo enquanto durmo, sonho… renovo-me para o que aí vem…**