sábado, dezembro 29, 2012

Inquietude


Hoje mal dormi... inquietude.
Tento não dar importância mas é poderoso.
Questiono minha razão, 
Menosprezo meus sentimentos,
Esta força, esta paz, esta emoção?
Por mais distância que o olhar não alcance,
Por mais diferenças que a razão reconheça,
Por mais pessoas que a vida nos apresente,
Devo fechar a porta ao meu coração?

quarta-feira, dezembro 26, 2012

Viagens

Viajo no inconsciente, lúcido
Procurando o desconhecido.
Ignorante nos trilhos da vida
Como uma mão ao ser lida.

Criança a minha inocência,
Meu coração recuperado.
Procuro na vida a essência
A viagem final para o meu fado.

domingo, dezembro 23, 2012

Passado

Antes via o mundo concebido de paixão
Na sua mais pura e natural plenitude.

Depois vivi no mundo desprovido de emoção
Na sua mais crua e falsa amargura.

Amor

Serei Verdadeiro
Serás Interesseiro

Serei Jovem
Serás Velho

Serei Trégua
Serás Luta

Serei Belo
Serás Feio

Serei Fiel
Serás Falso

Serei Líbido
Serás Promiscuo

Serei apenas eu.

Medo

Leigo no muro desconhecido
Encostado ao mundo aborrecido,
Assombras a morte na consciência
Como amando em penitência.

Doce e meiga

Doce o olhar inocente
que me fez despertar
da emoção indolente.

Longos anos a sonhar
Que amava loucamente
Uma vida proibida.

Meiga a razão que me libertou
De dúvidas existentes
e na ferida aberta me tocou.

Longos anos a ignorar,
Não soube preservar
A minha própria essência.

E se hoje escrevo
A essa meiga e doce pessoa
É porque nela existe
Uma força que subestimei
E sinais que ignorei.

quinta-feira, março 22, 2012

A Amante

Tens outra?
Perguntas e eu respondo
Tenho
Ficas sem resposta
Não esperavas esta honestidade
Mas se eu dissesse
Não
Procurarias que dissesse
Tenho
E tu então poderias dizer
Eu sabia
Quando não sabias
Quando agora te digo
Tenho
Continuas sem saber

Não sabes como gosto de acordar
Junto do seu coração
O sangue que começa a fluir
O burburinho que aumenta
E a cor que retorna aos membros
Com o Sol que a ilumina
A reflectir em poças de suor
Aqui e ali na sua pele negra e áspera
Que lhe lavam pela manhã
Remelas acumuladas pelos cantos
Bolas de cotão que restam ainda
Das noites loucas nos bares
Dos amantes nas esquinas
Dos bêbados cambaleantes nas avenidas

Saio pela manhã para a ver
Corro-lhe sobre os dedos pela tarde
Ela chama-me e deixa que a abrace
Que lhe sinta os humores
Que com ela partilhe frio e calores
Sem nunca me dizer nada
Sem nada me proibir
Até que a dada altura retorno para o seu coração
E parto para ti, a minha mulher

Tens outra?
Tenho
Mas tu não sabes
Nem agora que te digo
Tenho
Que a outra que tenho não é mulher
É uma cidade à beira-mar
Que me fascina com sombras e me conquista!

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

A Cidade

 O sol bate-me nos olhos. Penso que casas com janelas viradas a nascente deviam ser proibidas. Olho pela janela e o brilho parece-me demasiado para um sol que nasce. Levanto-me e chego-me à janela, sem me importar com a nudez, apesar do parapeito baixo da janela.

 Olho para o prédio em frente e para os que o ladeiam. As janelas são todas elas enormes,

 (Não custa muito pensar o porquê: é o sol! As janelas são enormes para o sol poder entrar mesmo quando está oculto.)

mas no prédio em frente ninguém nu me contempla. Olho para o céu e vejo o Sol bem no seu pico. Não é uma casa com janelas a nascente, é uma casa com janelas a sul, aquela em que acordei. Olho em meu redor. Estou numa espécie de escritório. Ou numa de espécie de quarto. Será certamente um quartório, divisão híbrida que é habitada por espécies sem dinheiro para uma casa e que duma divisão fazem toda uma casa. Olho para a cama onde dormi, um colchão no chão com uns lençóis. Tento recordar a noite anterior mas não me lembro dos acontecimentos.

 (Ou se calhar até lembro, mas prefiro apelar ao esquecimento. Estranha essa divisão a que chamamos memória. Tem na porta uma janelinha que abre do lado de fora e donde vemos todos os seus compartimentos, com janelinhas nas portas, para escolhermos os que nos convêm.)

 Lembro-me isso sim dos prédios, a humidade palpável, as ruas imensas a passarem aos ésses por baixo dos meus pés e duas presenças. De um lado estava ela, pequenina, a rir-se copo de…

 (sei lá que merda era aquela, era uma bebida qualquer, o copo era de cerveja, mas cerveja não tem aquela cor)

 No outro.

 (Pausa. Uma memória que sai do armário.)

 Por instantes penso na amiga da Rapariga, a que mora na mesma casa, num quarto em frente, mas a presença não era ela, apesar da memória visual. Todos os restantes sentidos me transmitiam um conjunto de sentimentos diferentes. Por todo o lado, em meu redor, a presença que se sentia era como se o nevoeiro tivesse ganho vida, como se as sombras fossem gente, as gentes sombra, os candeeiros pirilampos e toda a cidade tivesse ganho vida e me abraçasse como uma mãe a um filho.

 Ah! Cidade!

 Um abraço terno, amoroso, apaixonado, como uma amante sedutora arrastando o seu amado, por ruas de algodão, colinas de molas, becos escuros de paredes rosadas.

 Ah! Cidade!

 E o sol reflectido nas janelas da frente, nas poças da rua,

 (Não me lembro de chover.)

os passeios sujos a clamarem pelos meus passos. Os parques verdejantes, a assobiarem

 (Deve ser do vento nas árvores.)

e atrás de mim uma porta que se abre, uma voz que pergunta se dormi bem. Olho para trás. A Rapariga aí está, roupas simples, discretas, e o mesmo olhar sem fundo, o mesmo sorriso eterno.

 (Como podia ter dormido mal. Dormi que nem um bebé bêbado. Provavelmente mais como um bêbado do que um bebé.)

 Diz-me que se quiser alguma coisa para a cabeça tem uma farmácia recheada. Respondo-lhe que quero algo para a barriga. Pergunta-me se dói e eu

 (não percebes nada Rapariga)

respondo-lhe que não, tenho é fome.

 (Como não me lembro de ter vomitado na noite anterior, provavelmente é do tempo que passou desde a última refeição.)

 Ela conhece um sítio que servem grandes-pequenos-almoços. Porreiro.


 O pequeno-almoço desta gente é muito parecido com o meu almoço. Diferença? Não o tomo numa livraria quando na sala ao lado decorre a apresentação de um livro. Não percebo nada do que dizem, mas parece-me que os que percebem na minha sala preferiam não perceber.

 Acabo de comer. A Rapariga saiu para fumar e fiquei sozinho. Pego num livro. Não percebo isto. Dicionário Cidadês-Inglês, duas prateleira mais acima. “Embrenhei-me em terras longínquas, longe de rei, família e amigos” assim começa o calhamaço de poesia que tirei ao calhas da estante ao lado da mesa. Longe de rei, família e amigos… Rio-me para dentro.

 Três meses. O orçamento não dá para tudo, mas a mudança para o chão do escritório da Rapariga ajudou a esticar. O partilhar momentos com a companheira encurtou-o. Gostava de ficar mais uns meses, talvez chegar ao ano, até arrisco pensar em não partir...

 (Afinal o quarto era a porta em frente.)

 O tempo lá fora está cinzento, escuro e frio, mas por dentro não sou já o tempo. Não é Rapariga que me mudou. No tempo que aqui passei nada se passou.

 Já de Cidade não posso dizer o mesmo. Com Cidade e Companheira tudo se passou, tudo se transformou e os dias de frio e de tempo escuro e molhado foram-se entranhando nos ossos até serem tão naturais como acordar. Já não sentia frio, sentia a temperatura amena do dia-a-dia, nem tão quente que apelasse à preguiça, nem era aquele gelo que gelava o espírito mais inflamado.

 As gentes que fugiam no passeio, os motoristas, os ciclistas e outros transeuntes preocupados com a sua vida, os bares apinhados, as ruas de tijolo vermelho antigo, adornadas com heras, arbustos e flores murchas, tornaram-se irmãos, irmãs e roupas adornadas, no colo de quem encontro refúgio, com as quais me aqueço no Inverno. Não eram já desconhecidos. Eram os primos afastados que ao fim de muitos anos precisamos de reconhecer, reconquistar. E aquela ciclista que à tarde quase me atropelava, no bar à noite podia ser com quem falava!

 Fecho a mala preta. A mala preta, pequena, com umas quantas mudas de roupa, o suficiente para uma semana, ou assim. Leva as roupas e pequenas lembranças.

 Pequenas lembranças, coisas, símbolos. Nada de postais ou t-shirts ou pins ou miniaturas. Copos como milhares de outros,

 (Recheados com meias usadas para proteger do choque. Os funcionários de aeroporto acrescentam um carinho e simpatia nas malas, que a violência do descolar e aterrar parecem carícias que uma mãe extremosa.)

recolhidos em bares, no final de noites bem regadas. Dados desses bares, sujos, gastos nos cantos, de pintas grandes e pequenas, descalibrados. Bilhetes, de transportes, museus, concertos. Uns roubados, outros sobre-usados. Memórias. Essencialmente levo as memórias. O que era, quando cheguei. A memória do que é a descoberta. Levo-me a mim na mala preta que só leva roupa e memórias.

 Na mesa da cozinha um bilhete de avião. Por cima do bilhete um maço de tabaco.

 (Relembra-me que às vezes fumo.)

 “Quando voltas?”

 “Não sei”, respondo. Talvez amanhã, depois ou nunca. Emigro hoje para o meu país, porque quando o avião descolar e passar o manto cinza, estarei a deixar para trás, a minha Cidade.

quinta-feira, janeiro 12, 2012

A Cidade

O ar é fresco nesta cidade. Mesmo quando está calor, o ar que corre é sempre fresco e traz o cheiro da água dos canais, 

(O que esta gente faz com o desvio de cursos é maravilhoso. E a forma como vendem a atracção…)

não um cheiro pestilento a águas paradas, o cheiro de vida, de peixes a nadarem, barcos a circularem, uma vida ligada. E hoje ela foi trabalhar… Ontem não deu para muito estava cansado, ela estava com um grupo de amigos. Uma cerveja e outra de conversa, queixas do tempo, queixas da comida e da frieza das relações, de como o pessoal e o profissional eram tão diferentes. Eu não sei. Nada de profissional me liga aqui.

(Nem pessoal, para dizer a verdade. Deveria dizer então que ‘nada me liga aqui’? Se o dissesse como tenho a certeza que vou perder o voo que descola daqui a pouco?)

Logo à noite vou jantar com ela.

(E como era bom o dia passar rápido. Assim, eu desejar ser noite e eis que as estrelas se vêem no céu. Não são muitas e o céu não é tão escuro.)

Afinal ela mora duas ruas acima da pensão

(Não que ela tenha de saber.)

e consigo não chegar atrasado. A colega de casa abre-me a porta, alta, magra, o cabelo artificialmente moreno, 

(O contrário da Rapariga. Poder-se-ia dizer que coabitavam no mesmo espaço o positivo e o negativo de uma mesma pessoa.)

numa mão um cigarro aceso, na outra um copo de vinho tinto. O olhar já semi-cerrado do copo extra que nunca devia ter sido bebido. Quero-lhe perguntar por Rapariga, mas ainda antes de abrir a boca já ela me sorri

(Um sorriso desprovido de expressão, mas cheio de vontades...)

e pergunta se sou a visita. Respondo que não sou visita, estou só de passagem. “Há muitos que vêm de passagem e nunca mais passam daqui.” Pergunto-lhe se morre assim tanta gente em Cidade. “Morrem por dentro, e renascem, descobrem encantos nos becos escuros, apaixonam-se por telhados de cobre esverdeado e não conseguem nunca mais olhar para outras gentes que não estas. Tu tens esse olhar baço de quem se procura. Não queres entrar?”

Não quero mas acabo por entrar. Enquanto o meu contacto não se despacha, fechado que está num segundo andar, fico aqui na cozinha, sentado à mesa, e vejo a garrafa lentamente a ficar mais vazia e vejo uma segunda, que eu mesmo abro, vazar-se como a primeira. E enquanto passam os copos de vinho conversamos, conversamos e na rua levanta-se um burburinho. Gentes passeiam

(Amanhã não trabalham, é verdade! Hoje deve estar tudo cheio.)

e o pitoresco nocturno aparece. Do outro lado da rua, em frente à sex-shop, duas prostitutas conversam animadamente e, de vez em quando, metem-se com transeuntes. Um deles fica lá a dar-lhe conversa, até que um fulano, aspecto de oriental, vai ter uma conversa com ele. Parece-me ouvir a palavra ‘pagar’ no meio do burburinho. Uma bicicleta passa e quase atropela o turco,

(Sei lá se é turco. Veio-me agora a música o verso “veio ver se está tudo bem com as suas meninas”, mas isso não é o turco, é Conan o Bárbaro.)

que não protesta, mas que é protestado. Humildemente sobe para o passeio e vinga-se no transeunte, que entretanto já está de mão dada a uma das prostitutas.

Eu sei isto porque estou na janela, com a companheira da Rapariga a fumarmos. Descobri agora que fumo. Ela ofereceu-me e não disse que não. Descobri agora que o maço dela não tem cigarros só com tabaco e digo a mim mesmo que a noite a partir daqui só pode melhorar.

Viagem Para Casa

Segura-te ao varão com a mão
Não caias a caminho de casa
Deixa-te embalar pelo suave ondular
Dum autocarro cheio de gente
De cheiros
De histórias para contar

Segura-te ao varão com a mão
A mão de produção
Cansada de produzir
Conta-me esta noite as histórias do teu dia
Embala-me no berço em que durmo quando chegas
E não te esqueças de mim amanhã
Quando antes do sol saíres e te despedires de mim
A caminho do autocarro onde te vais segurar ao varão
Com a mão da produção cansada
Da produção que me tira de ti

Que te tira de mim
Que me deixa sozinho em casa e na rua
A crescer sozinho
A comer sozinho
A aprender sozinho
A chorar sozinho

Segura-me a mão no teu leito de morte
Tenho uma hora contigo antes de sair
Entrar no autocarro e sozinho
Segurar-me ao varão com a minha mão produtora