"E que isto te sirva de lição" ouviu antes da voz lhe desferir um último murro e um impropério. Não tinha passado muito tempo desde que, perdido nos pensamentos do que fizera e não fizera com Lúcia, havia sido interpelado por um grupo, três, ou quatro, ou mais que o convidaram a dar um passeio. Não lhe apetecia. Não lhe parecia que fosse um passeio. Não era realmente um pedido.
Com o sangue a escorrer-lhe pela cara sem saber bem donde, foi deixado ali. Pensou na polícia, mas a dor interrompeu-lhe o pensamento. Pensou no careca do boné, e novamente a dor que o interrompeu. Parecia que lhe faltava alguma coisa, mas parecia ter tudo. Não haviam ângulos esquisitos, não havia nada que indicasse o que se tinha passado. Nada lhe dizia o porquê, só aquele "tem cuidado" seguido de soco, o "voltas a fazer isso" e um pontapé que não deixava ouvir o quê. Ficou ali, deitado, imóvel a ver o sol pôr-se no alto das paredes sem janelas de um beco, numa colina, enquanto pensava no porquê e tentava lembrar-se de todas as caras. Todas exepto a do careca do boné, essa não esqueceria tão cedo.
"Está tratado." Disse ao telefone Rudi. "Tens a certeza?" perguntou uma voz de mulher do outro lado. Irritou-se com a desconfiança. "Se eu te estou a dizer que está tratado, para quê a pergunta?" atirou, a voz a subir-lhe mais do que queria. Detestava levantar a voz para Lurdes, mas ela conseguia o que poucos conseguiam, tirá-lo do sério. "Só pergunto para ter a certeza. Vens cá ter mais logo?" e ele disse que sim. Já sabia que mesmo que dissesse que não, ao final da noite ia lá ter.