segunda-feira, dezembro 11, 2006

Caminhando para o Inverno

Noite...
Triste, ver desaparecer contigo a vontade.
Deito-me sonhando no amanhã, na nova alvorada.

Frio...
Olhar pela janela e sentir como o corpo regela.
Os pés já não sentem a ombreira sibilando.

Quente...
O fogão, e a água que se entornou...
Os olhos reencontram um brilho....

É dia...
De liberdade, aquecida no frio que não desaparece.
No consolo o espírito conquista uma nova energia.

É dia! Mas na vida um ciclo tem diferentes realidades.

terça-feira, outubro 31, 2006

Os media na actualidade

Em cada dia dos 12 meses do ano somos confrontados por informação vinda de todos os cantos do globo, sobre o qual espreitamos sem qualquer complexo, sendo deixado ao nosso critério avaliar tudo aquilo que vai acontecendo. Desde crimes, guerras, politica e economia, passando pela cultura e desporto, sem esquecer o tempo, são tudo as peças de um jogo de xadrez bastante complexo, que se conjugam e apresentam de forma diferencial a cada momento.

Se os media estão pendentes do que se passa no globo não é menos verdade que nós leitores, ouvintes e telespectadores representamos a razão de ser dos media, que actuam numa ligação de interdependência directa com fonte e consumidor de noticia.

As audiências, por seu turno, são o barómetro que rege o tempo de permanência de um determinado programa, a vaga em que é colocado na grelha de programação diária, ou até mesmo o seu raio de acção em termos etários. Os que seguem a programação podem ver claramente que as audiências são o factor de competitividade fundamental entre os diferentes agentes de comunicação, mais do qualquer outro critério externo a esse complexo mundo dos media. Resumindo e concluindo, vemos o que gostamos e não o que precisamos.

Noutro lado do espectro, para além do valor indexado à factura de electricidade, a publicidade difundida surge como mais uma taxa que pagamos, e digo “pagamos” mesmo incluindo as vezes em que a publicidade é menos repetitiva que um determinado programa. Vendo em pormenor, a publicidade preenche o espaço entre agente de venda e com pra, ga rantindo e dinamizando o funcionamento do pesado ciclo comercial em que estamos engrenados e do qual não nos podemos alienar.

Por seu lado a Internet surgiu recentemente, como uma nova forma de comunicação, onde consumidor pode tomar parte activa deixando o seu contributo na rede, partilhando a sua visão do mundo com quem quer que navegue neste novo mundo cibernético, sem fronteiras onde a imaginação é o limite... cortando caminho…qual seria o próximo limite? Participar num programa ao vivo sem sair de casa, sentado confortavelmente no sofá onde tudo fica à distância de um clique? E porque não?!

O melhor será mesmo parar por aqui…

segunda-feira, agosto 28, 2006

Meia-noite

Meia-noite
Nem um som vem do passeio, meus passos batem contra a pedra sem se ouvirem
Paro por um instante, um segundo preso no relógio
A Lua suspende-se no candeeiro, imóvel, por braços que não consigo descortinar
Um sorriso afagando-me a cara dormente onde já não me lembro de sorrir
As folhas do Outono rodeiam-me os pés enquanto o vento faz sentir a sua presença
Meia-noite
Nos prédios só uma luz se vê
As pessoas entregues ao conforto dos lençois
Eu e a Lua, sós, a ver quem sorri menos
Memória
Quero viver outra vez
Viver o tempo em que era eu que controlava a minha vida
Quero poder viver a memória do teu sorriso
Quero poder tocar o teu sonho preso em mim
Meia-noite
Quero poder afastar o candeeiro onde a Lua se suspende
Quero tomá-la nos meus braços e oferecê-la a ti
Pedir o perdão com uma oferta que não poderás recusar
Memória
Onde terei de procurar uma nova vida
Onde não poderei desistir
Meia-noite e memória
A confusão dos meus pesadelos
O segundo que finalmente se liberta do relógio
Agora é tempo de continuar, que venha a madrugada, que a Lua sorria e que a memória caia do candeeiro

domingo, junho 18, 2006

O mundo nos dias de hoje na perspectiva de um “anónimo"

O mundo civilizado nos dias de hoje é sem dúvida muito diferente das milenares civilizações que nos precederam, de um mundo antigo fragmentado pelo desconhecimento recíproco entre os diversos povos passámos progressivamente a um mundo globalizado. Se outrora tal como nos dias de hoje a tremenda desigualdade entre ricos e pobres foi e é uma constante, as regras essas foram evoluindo.


Da aparente anarquia inicial evoluímos para um mundo regido por regras rígidas, que mais faziam lembrar um jogo de xadrez, onde cada um se comportava como uma peça de tabuleiro executando a sua jogada alienado de qualquer sentido de moralidade, existindo com o único propósito de fazer xeque-mate e assim poder subir um lugar no ranking. Na lista dos mais procurados, o poder era sem duvida o factor chave que fazia mover o mundo.

Nos dias de hoje sem dúvida partilhamos esse mesmo sentido de poder herdado dos antigos ainda que esse poder, salvo raras excepções, já não assente num tirano ou um regime totalitário. Antes, encontra-se dividido em diferentes poderes, assentando o bom funcionamento de um estado na articulação e na flexibilidade de interacção entre os diversos órgãos de soberania.

De diferente maneira os, media surgem como outra forma de poder estabelecendo uma ligação efectiva entre o poder institucional e o povo. Mais ainda, os media surgem como factor globalizante entre as diversas culturas entretendo, denunciando e informando. Se o poder se encontra mais repartido e em certa medida mais transparente ao comum dos mortais através dos media, porque é que é as desigualdades, principalmente aquelas que resultam da violação dos princípios fundamentais dos direitos humanos, subsistem como constante indissociável!? Será que há algum desígnio para tudo isto? Qual o motivo para que esses princípios fundamentais não vigorem? Haverá algum interesse oculto ainda por expor? Sinceramente vejo o mundo em mutação principalmente na percepção da nossa identidade/privacidade sem tempo nem lugar à reflexão. Como nos veremos a nós mesmos daqui a 10 anos? E os outros como serão aos nossos olhos?...

Só espero no futuro, não ter de viver como o humpty dumpty (personagem presente no conto Alice no Pais das Maravilhas de Lewis Carrol) pensando cada passo que haveria de dar para não cair do muro.

quarta-feira, junho 14, 2006

Vem até mim

Agora é mais um dia, mais um pequeno fio da minha vida que é traçado, mais um caminho escrito neste pequeno parque que é o mundo. Por entre as sombras e os raios de sol eu vivo, imóvel, curioso, julgando tudo e analisando tudo o que me rodeia. Procuro a informação com todos os meus sentidos, querendo a tua proximidade, querendo-te...

Aproxima-te pé ante pé, vem até ao pé de mim, o teu corpo apetitoso. Deixa-me provar-te, saborear-te, tocar-te. Esquece tudo e vem até mim, devagar. Deixa-me ver-te aproximar, deixa-me ser eu a iniciar contacto. Mas tu não queres, não me vês, nem sabes quem sou, eu, que aqui te espero. Espero-te com toda força que até doi, o meu interior clama por ti, meu corpo alimenta-se do teu até ao fim dos tempos - Mas tu não me vês. Passas por mim e ficas à minha volta e eu desespero.

Terei de ser cuidadoso, terei de esperar por ti? Mas não quero, não é quem eu sou, quero-te agora, quero-te saborear, quero-te com todas as minhas forças. Não quero sucumbir ao teus encantos, quero que vejas os meus, mas eu não os tenho. Sou a força da sombra, o livro ainda por escrever, sou apenas uma linha da vida que tu não vês.

Então não vejas, ignora-me, mas irás ser minha. Irei ter-te, irei saborear-te (quer queiras quer não), irei ser a linha da vida da qual nunca te irás escapar. E por aqui ficarás comigo, e eu irei alimentar-me de ti, obcessivo, compulsivo, horrendo, como o verdadeiro senhor das sombras, como o senhor das linhas da vida, irei sugar o teu nectar, irei matar-te...


(teia de aranha com orvalho - retirada de http://commons.wikimedia.org)


E que venha a próxima vitima...

quarta-feira, maio 31, 2006

Contos do Exílio - O Regresso, parte V: O Confronto

A Vidente sentiu-se desfalecer e não fora segurarem-na pelos braços, encontrar-se-ia prostrada no chão a carpir a sua predilecta, que havia caído aos pés do seu maio inimigo.
Ele parecia não se importar com o que havia feito. Não era a primeira vez que matava e não sabia quantas vezes mais o teria de fazer. Caminhava agora em direcção à Vidente, parando a pouco mais de dois passos dela.
-E nós? Como vai ser?
-Pára por favor! – disse o Obreiro – Eu levo-a para longe da Montanha se o pedires, mas peço-te que páres. Como tu disseste, já foi derramado sangue que chegue. Peço-to como favor pessoal.
Ele olhou-o nos olhos, olhou para ela e recuou alguns passos.
-Obrigado...
-Pediste-mo como favor pessoal e concedo-to. Podem levar com vocês todos os vossos pertences e todos os que vos quiserem seguir. Todos os que partirem com vocês nunca mais serão benvindos ao vale. No entanto tal não se aplicará aos vossos filhos, para quem o vale será sempre um refúgio.
-Basta! – gritou a Vidente – Não vou deixar que estranhos discutam o que façam e ponham termos à minha vida. – E pegou na vara do Impulsivo. – Muito bem... Se tem que ser, que seja então! – E ao calar-se carregou sobre o Exilado, que surpreso se limitou a amparar os golpes de fúria da Vidente. Esta, cega pela raiva, não se apercebia que ele não se movia. Até que ele ao bloquear um golpe, a rasteirou em resposta.
-Pára. Aceita a derrota e junta-te aos teus. Ainda tens quem se preocupe contigo, quem acredite em ti, quem te siga. Porque não páras?
Ela não respondeu. O Obreiro apelou-lhe também para que ela aceitasse a derrota. O Exilado chamou-lhe a atenção para o facto de estar em clara desvantagem. Mesmo assim, ela ergueu-se e avançou novamente para ele. Desta vez ele esquivou-se e voltou a rasteirá-la.
-Pára! Não chegou já a Discípula? Pensas que tenho prazer em matar? Pensas que gosto de o fazer?
-É o preço que pagas! Destruiste a minha tribo, atraiçoaste-me e agora mataste a minha preferida. Lamento, mas isso só se resolve quando um de nós matar o outro.
Ele emitiu então um som semelhante ao de um ramo seco a mexer-se ao sabor do vento e os corvos investiram em direcção à cara dela. Quando finalmente se afastaram levavam cada um um olho como troféu e deixavam uma Vidente histérica de pavor e dor.
-Desculpa Obreiro, foi a vontade dela acima da tua. – E avançou para o corpo que se contorcia, ergueu a vara e com uma só pancada seca acabou com a agonia daquela que em tempos fora a sua protectora.

Duas piras ardem no centro da Clareira. Junto a uma delas o Obreiro contempla as chamas com um olhar vago e distante, os seus olhos a guardarem lágrimas que teimam em não cair, as mãos agarradas atrás das costas e a expressão rija como pedra. Junto à outra fogueira o Impulsivo chorava de dor, das duas dores que sentia, a física e a emocional. Só quem o conhecia sabia como ele carregava a esperança daquela relação impossível e agora a esperança acabava. Para sempre! No meio das árvores, um pouco mais atrás, dois vultos observavam. Haviam ficado ali durante toda a cerimónia e quando todos se haviam ido embora, decidiram ficar na sombra, para não incomodarem quem chorava os mortos.
-E agora?
-Agora não sei.
-Mas que tinhas planeado para depois disto tudo?
-Nada. Nada disto era para ter acontecido. – hesitou – Não planeei nada disto, esperava-a sozinha, esperava falar com ela, chegar a um entendimento. Esperava que o tempo a tivesse mudado também a ela, que fosse possível agora falar, não esperava matar ninguém. Acima de tudo, não queria nem esperava, que ela tivesse de morrer. – E ao calar-se correu-lhe uma lágrima pela face.
-Não fiques assim. Ela é que escolheu o caminho dela. Sabes... Foi pior para ela ver que tinhas razão! Depois de tudo o que se passou, ela percebeu que estavas certo, percebeu que também tinhas o dom e que o teu era mais aguçado e mais exacto que o dela. Invejou-te. Desejou ser como tu, desejou ter-te com ela e ao mesmo tempo odiou-te, porque nunca te submeteste à vontade dela, porque foste sempre fiel a ti próprio e às tuas ideias. Não te remoas se as coisas tomara um rumo com que não contavas.
-És capaz de ter razão!
-E agora?
-Agora? Não sei. Há tanto a fazer, devolver a normalidade ao nosso clan e lidar com a tribo dela. É isso. Agora a normalidade. – E sorriram um para o outro, antes de se abraçarem e virarem costas às piras


--->O FIM<---

domingo, maio 28, 2006

Contos do Exílio - O Regresso, parte V: O Confronto

A lua cheia iluminava as copas das árvores. Da aldeia dos Nómadas saía um triste cortejo. As tochas caminhavam silenciosas e com com passos pesados, no meio apenas uma figura não carregava nenhuma, segurando nas suas mãos apenas uma vara talhada com estranhos caracteres. A seu lado, segurando duas das tochas maiores, caminhavam duas figuras um pouco mais altas, cada uma com um grande vara bifurcada, nas quais se apoiavam a cada passo. Iam avançando decididos para o interior da floresta, em resposta ao desafio que havia sido lançado à Vidente. Quando o primeiro dos Nómadas entrou na floresta levantou-se uma enorme ventania e todos se apressaram para dentro do mar verde. Um pouco mais longe o Exilado ordenava que se acendesse a Clareira e dizia à Aprendiza que "A Vidente não vem sozinha.". Quando a lua se encontrava no seu ponto mais alto o cortejo dos Nómadas entrou na Primeira Clareira. À sua espera dezenas de Caminhantes, cada um segurando a sua vara e uma tocha. A Vidente olhava-os um a um e, quando confrontados com o seu olhar, eles respondiam em pose de desafio. À sua direita a Discípula apenas olhava para o Exilado. Sentia-se ainda humilhada com o resultado do encontro dois dias antes e pretendia desforrar-se. No lado oposto o Impulsivo parecia calmo e aceitava que havia feito por merecer estar ali e naquela posição. Havia já algum tempo que discordava da formo como a Vidente conduzia os destinos da tribo e achava que todo o assunto devia ser resolvido entre ela e o Exilado. A fechar o cortejo vinham o Obreiro e o Passivo, desarmados, destinados apenas a observarem.
-Porque não os deixaste na aldeia? Tens necessidade de os arrastares contigo?
-São o meu povo, seguem-me!
-Vejo que uns é que são seguidos por ti e não te seguem. Porque não os deixas partir? Não foi já derramado sangue inocente que chegue por tua causa?
-O sangue dela não era inocente. - rugiu a Vidente.
-Quer o sangue dela, quer o dos que a seguiram. Todos inocentes. O sangue do Músico, o sangue do Novo e de todos os seus irmãos. Tudo por causa de um capricho teu... Olha bem para ti. Onde estão os que te seguiam? Nem todos os que te seguem acreditam na tua causa, se assim não fosse, porque deixariam as varas na aldeia?
-Falas do que não sabes! Sabes o que te contaram bocas envenenadas... - ele interrompeu-a.
-Cala-te! Se me vieste aqui para me envenenares o espírito com conversa cala-te já!
-Oh! Não te conhecia essa faceta sensível. Mas olha, não te vejo com nenhuma das tuas varas. A cerimonial está longe demais para a ires buscar antes que eu a reclame como minha e a de combate já se deve ter perdido.
-Erras em ambas as presunções. Vejo nos teus olhos e percebo-o na tua voz: estás a desafiar-me, mas para o teu desafio não tenho resposta. Tenta-me. Já sei que viste a vara pendurada nessa árvore, por cima de ti. Tenta alcançá-la.
-Impulsivo: dá-ma!
Sem hesitar o antigo Caminhante saltou para alcançar a vara. No entanto, quando se encontrava quase a agarrá-la, alguém o atingiu nas pernas, desequilibrando-o e fazendo-o cair de costas no chão rugoso da floresta. No instante seguinte, várias luzes começaram a acender-se nas copas das árvores, revelando muitos dos antigos Caminhantes, os que se pensavam longe da aldeia, que ali se encontravam.
-Constou-me que perdeste o apoio da verdadeira chama dos Caminhantes. Ah! E se consegues ver bem, consegues ver que ela não está apagada.
-Impulsivo: ele! - ordenou a Vidente. Sem lhe dar tempo de reagir , a Aprendiza saltou para o chão e atingiu-o violentamente nas pernas, partindo-lhas e saíu a correr para o lado direito do Exilado. A Vidente estupefacta não reagia. A Discípula olhava-o agora com raiva redobrada, mas aquele golpe havia-lhe quebrado a confiança. No chão, o Impulsivo contorcia-se de dores. Nunca soubera suportar a dor e a dor das duas pernas partidas juntava-se ao choque e ele não passava de um aglomerado de urros de dor e lágrimas. O resto da tribo dos Nómadas começava a recuar para fora da Clareira.
-Deixa-os partir. - ordenou o Exilado - Isto é entre tu e eu, eles são inocentes, a maioria nem me conhece. És tão egoísta que os arrastas contigo para o fim?
No instante em que se calou a Discípula carregou para ele. Um caminhante que se pôs à sua frente foi atingido na cabeça, um outro no lado, ficando ambos mortos no chão. A Discípula avançava para ele, com a intenção de o atingir no lado, mas ele esquivou-se da mesma forma que já havia feito, ficando virado de frente para as costas dela. Ao mesmo tempo a Aprendiza tentou atingir-lhe uma das mãos. A Discípula havia sido no entanto bem treinada e esquivou o golpe da sua adversária e contra-atacou, atingindo-a no braço, quebrando-o e preparava-se para a atingir na cabeça quando uma das suas mãos pareceu rebentar. Imediatamente perdeu controle da vara e largou-a. Um corvo debicava-lhe a mão enquanto outro voava em direcção ao Exilado, largando uma vara estreita e alta, toda ela lisa e escura. Assim que o Exilado empunhou a sua vara de combate ambos os corvos se dirigiram ao alto de uma das árvores.
-Vejo que continuas com apetência para os mais fracos Discípula. Anda cá e bate-te com alguém à tua altura... - os olhos dele já não eram olhos humanos, pareciam negros como a noite, como se por dentro todo ele fosse uma sombra escura. Nessa escuridão parecia brilhar uma fúria assassina.
-Não. Tu... Vais pagar por tudo! - pegou na vara dela e tentou defender-se, mas ele havia crescido muito para além da capacidade dela. O primeiro golpe dele desfez-lhe a vara em duas. Este golpe gelou o sangue da Discípula. Aquelas varas haviam sido envelhecidas pelo fogo e conseguiam aguentar vários golpes. Aquele único golpe partiu-lhe a vara e a confiança, a partir daqui só lhe restava um destino. Ele no entanto não parou apenas com um golpe. Revelando um sadismo que ninguém lhe conhecia, desferiu imediatamente um segundo golpe, o qual partiu o braço da mão ainda boa, e um terceiro golpe na bacia, o que lhe imobilizou uma das pernas, para em resposta lhe partir a outra. A Discípula só conseguia urrar de dor e as lágrimas era um rio na sua face. A Vidente gritava por piedade e avançava já em direcção a ele quando o Passivo e o Obreiro a agarraram e obrigaram a assistir ao massacre.
Com a Discípula estendida no chão, ele atingiu-a repetidamente nas pernas, até as pernas delas não passarem de membros flácidos.
-Pareceu-me que perfuraste um pulmão um Caminhante, durante a tua corrida. - e atingiu-a violentamente num lado. Para ela a pancada significou imediata dificuldade em respirar e uma dor aguda. - Já agora aproveito e furo-te os dois. - Uma pancada no outro lado, a sensação de falta de ar. Por esta altura a Discípula já não gritava, faltava-lhe o ar e limitava-se a soluçar assustada. Estava no limite da consciência, o desmaio e o negro que se lhe seguia eram iminentes. - E também me parece que rachaste uma cabeça! - Deu-lhe uma pancada na cabeça, mas não tão violenta que, ela perdesse os sentidos. Foi assim, ainda na posse de algum grau de consciência que ela sentiu a vara dele perfurar-lhe o peito e parar-lhe o coração. - Adeus. - disse ele, com o ar mais impávido e sereno.

domingo, maio 14, 2006

Construí esta fantasia que alimentas devagar, abrindo em mim abismos de solidão intercalados… És tu, eu sei, naquela música, naquele gesto… oiço os tons preguiçosos da tua voz nos monólogos dos outros… estou perdida no mundo, tentando seguir o percurso dos teus passos… abres-me o peito e agarras-me o coração… sinto-o pulsar nas tuas mãos e entrego-me palpitante e destemida a um destino trágico… és tu, sempre tu, só tu…

segunda-feira, maio 08, 2006

Concurso literário de Santiago do Cacém

O meu texto veio de encontro a uma ideia do Norsk TørskfisK, que eu e o Stein apoiamos.

A minha pergunta é a seguinte:
Querem que a PENA concorra com os textos dos autores que assim autorizarem, como um todo? Ou então se quiserem podem concorrer indivualmente.

Podem ver o regulamento - ver regulamento aqui-

Quem concordar deixe aqui nos comments a vossa intenção ou por email. Caso o número de interessados justifique submeteremos a concurso.

(Não se esqueçam que caso queiram é necessário corrigir alguns erros dos textos e que cada um se responsabilizará pelo seu :P)

domingo, maio 07, 2006

Contos do Exílio - O Regresso, parte V: O Confronto

-Quando foi que a Vidente entrou na aldeia dos Caminhantes?
-Faz amanhã duas Fases.
Silêncio. De repente ele solta um riso discreto. Era a primeira manifestação de alegria desde que haviam iniciado a caminhada.
-Disseste que ela estava assustada e que queria as minhas varas, não foi?
-Assim por alto foi isso.
Soltou então duas palavras imperceptíveis e os corvos que os haviam seguido à distância aterraram-lhe nos ombros. Falou-lhes num dialecto parecido com folhas secas a serem pisada e ramos a partirem-se. Quando se calou os corvos esvoaçaram, cada um na sua direcção.
-Isso é para me fazeres acreditar que consegues falar com aves?
-Não te quero fazer acreditar em nada. O que te digo é que não são só aves. - Ficou a olhá-la e depois continuou. - Preciso da tua ajuda. Vai até à aldeia dos Caminhantes e diz a todos os que estão connosco para virem ter comigo aqui amanhã à noite. Eles que venham preparados para ficarem cá se necessário. Entretanto tenho assuntos pendentes a tratar... - Calando-se caminhou em direcção à floresta, a sua vara de caminhante numa mão e o cajado do velho na outra. A sua vara de combate, essa não estava em lado nenhum!...

A Discípula caminhava apressada para a aldeia dos Nómadas quando se apercebeu que um corvo voava em seu redor. Primeiro em círculos largos, depois tão perto dela que as penas dele por duas vezes lhe provocaram escoriações na face. Quando parou reparou que o corvo voou para longe dela, mas quando retomou a marcha ele reaproximou-se.
-A menina não sabe pedir com delicadeza a um simples pássaro que a deixe sossegada?
Aquela voz que se lhe dirigia, vinda de trás de si, era estranhamente familiar, mas não podia ser, aquela voz havia desaparecido há muito tempo!
-Não... - disse enquanto se virava.
-Olá Discípula, voltei! Não estás a sonhar, não estás a ver coisas, voltei e esse corvo é um servo meu. Sabes quem servem os corvos não sabes?
O silêncio entre os dois era imenso e absorvia os pequenos sons da floresta. Entre eles não se pronunciou palavra, mas ela olhava-o com um misto de desdém e desafio.
-Ela era capaz de gostar de te ver agora. Podia ser que percebesse todas as escolhas erradas que fez. Esse teu ar não esconde a estupefacção, não me tentes fazer passar por parvo! - Calou-se. Como não obtivesse resposta continuou. - Não faz mal. Ela vai perceber!
O que se passou a seguir foi demasiado rápido para que a Discípula se apercebesse. Lembra-se de avançar para ele, vara apontada à cabeça, mas quando estava quase a atingi-lo ele rodou para o lado de fora dela e atingiu-a violentamente na nuca. A seguir foi a penumbra.

A Vidente encontrava-se na sua tenda, inalando fumos, quando na aldeia começou um burburinho imenso. Esse mumúrio inicial cresceu até que se tornou o som de uma multidão. Sem hesitar lançou um dos seus habituais gritos estridentes, que gelavam o sangue aos habitantes do vale. Como não provocasse efeito nenhum audível, levantou-se e dirigiu-se ao exterior. O que viu deixou-a abismada. Ali, no meio da aldeia, encontrava-se o Exilado, olhando-a nos olhos com uma expressão inabalável de triunfo. Ao seu lado, estendida no chão e inconsciente, a sua predilecta. Em seu redor todos os Nómadas incrédulos com a cena que presenciavam.
-Já há muito tempo, que não nos falamos. Vi os mesmos sinais que tu e soube o que procuras. Uma vara tenho-a comigo, a outra está guardada. Posso entrar para falar contigo a sós, ou queres que o faça à vista de todos?
-Ela... - disse apontando para o corpo inanimado no chão.
-Acordará a qualquer altura.
-Segue-me. - e dirigiu-se para a cabana dela.
Entraram ambos na cabana, enquanto o resto da tribo observava o corpo inerte da Discípula.
-Estou velha demais para lutar contigo...
-Quando se recusa uma luta tem-se o cuidado de não a procurar.
-Não fui eu que entrei pela aldeia adentro.
-Não fui eu que te expulsei, nem fui eu que procurei as tuas armas perdidas.
-Porque as minhas nunca se perderam.
-As minhas também não!
-De qualquer das formas, já não sou a mesma.
-Nisso tens razão. Aparentas não estar fisicamente capaz, mas sei ver as tuas mentiras. Conheço os teus poderes e a tua força. Vim aqui apenas para dizer que aceito o teu desafio.
-O meu desafio?
-O que deixaste escrito nas cinzas da Primeira Clareira...
-Viste-as portanto?
-Vi-as portanto! Os termos são os seguintes daqui a duas noites, nessa mesma clareira espero-te com os meus. Levas certamente os teus, certo?
-Esperas-me com os teus? Quais teus? O povo disperso, os perdidos e sem rumo? Falas desse povo? Os Caminhantes já não têm o sangue puro e a chama do caminho não arde na aldeia desde há muitas Viagens. Hoje nem sequer se lhes pode chamar uma sombra do que foram outrora os Caminhantes. Os teus, é isso que lhes chamas? Os únicos de valor entre os teus preferem seguir-me e residirem na aldeia dos Nómadas a alinharem nas passeatas dos Caminhantes e tomarem o seu caminho. É com esse povo que me esperas?
Durante uns intantes nenhum dos dois se falou. Olhavam-se olhos nos olhos e dir-se-ia que travavam uma batalha silenciosa. Na face de um e outro escorriam gotas de suor, fruto da tensão aliada ao calor extremo dentro da cabana. Finalmente ele optou por responder:
-Aqueles que tomo por meus não te seguiram, nem te seguirão. A Chama que dizes estar apagada ainda brilha o suficiente para criar sombras onde tu e eu não vemos. Tens o dom da Visão. Eu também o ganhei na minha ausência. Ambos sabemos que não viverás outra Viagem. O que ambos não sabemos é se eu viverei essa mesma Viagem. O que ambos não sabemos é o como as coisas acontecem. O que não sabemos é se as sombras são as tuas se as minhas. Sei que tens poder sobre os Anciãos, mas isto é entre tu e eu. No teu lugar deixava os Anciãos em sossego.
-Que te leva a crer que os poderia usar?
-Conheço-te e às tuas acções melhor do que tu pensas! Tentaste usá-los contra mim uma vez. Tentaste usá-los contra a aldeia dos Caminhantes. Desta vez se os tentas usar deixo-te viva para veres os que tomas por teus tombarem à minha mercê e nem penses que ficas para o fim, deixo-te viva, com a dor...
Ambos voltaram então ao duelo silencioso, mas como nenhum dissesse mais nada ele levantou-se e ao sair acrescentou:
-Dou-te uma noite para reflectires sobre o que queres fazer. Conheces os meus termos, mas acrescento uma nova exigência: que vás sozinha. Se fores sozinha esperar-te-ei sozinho também, senão por cada um que te acompanhe, um outro o esperará, palavra do Caminhante. - dizendo isto saiu porta fora e deixou-a entregue aos seus pensamentos.

quarta-feira, maio 03, 2006

Cansado…
Cansado de lutar….
Cansado de ter de me erguer quando apenas me quero deitar…
Cansado de sorrir quando apenas quero chorar… cansado…

Cansado…
Cansado de te perder todos os dias, quando já te perdi há muito…
Cansado de ouvir o que não quero, ainda que verdades… cansado…

Cansado…
Cansado de não me encontrar, mesmo não estando perdido…
Cansado de ter de seguir, quando não vejo o caminho… cansado…

Cansado…
Cansado de sofrer, de não te ter, cansado de te procurar, de não te encontrar, cansado de mim, cansado de ti… cansado…
[de te amar

domingo, abril 16, 2006

Contos do Exílio - O Regresso, parte V: O Confronto

O dia amanheceu claro. O sol brilhava por entre as ramagens e no ar pairava um aroma fresco a orvalho, apesar de a vegetação estar toda ela seca e a própria terra dura, de há tanto tempo não ver gota de água. Quando Aprendiza abriu os olhos, a primeira coisa que viu foi o enorme corvo que a olhava. Ficaram assim por uns instantes, a olharem-se olhos nos olhos, até que o enorme pássaro levantou vôo e veio pousar junto às cinzas fumegantes do que na véspera havia sido uma fogueira. Levantou-se e assim que olhou em seu redor viu o campo deserto, mas por entre as árvores corria um leve assobiar. Pegou na sua vara e dirigiu-se para a origem do som.
-Está-se a tornar um hábito andares sempre na defensiva! - ouviu o seu companheiro dizer-lhe quando chegou junto dele.
-Sintomas dos últimos tempos... - lamentou-se.
-Fazes bem, mas olha que isso de estares sempre tensa e retesada não significa que estejas em condições de te defenderes.
-E o que é que tu sabes disso? - ele, sem dizer nada, olhou para ela sorriu lançou-se a ela, retirou-lhe a vara das mãos e executou um movimento de ataque que só parou junto ao joelho direito dela! Ela ficou a olhar pasmada, mas não disse nada.
-Ontem ainda andou gente no teu campo. Uma mulher para ser mais exacto.
-A Discípula!
-Não. A Discípula está no Grande Vale - calou-se por uns instantes -, mas de facto é alguém parecido com ela...
-Estás a falar do quê?
-Das pegadas.
-Pegadas? Neste chão duro?
-Olha para o chão debaixo dos teus pés e diz-me que não deixas lá nenhuma marca.
Levantando um pé, ela reparou que as ervas secas se apresentavam esmagadas, descrevendo com perfeição o local onde o seu pé havia estado.
-Pronto... Pegadas!
-Não sei quem foi, mas a direcção que tomou é aquela que nós também vamos tomar.
-Não regressamos à aldeia?
-Regressamos, mas podemos acompanhar o trilho nos primeiros passos uma vez que se dirige à montanha.

Acompanharam o trilho alguns passos mais do que os primeiros. Poderiam inclusaivamente tê-lo acompanhado na totalidade, se Exilado não conhecesse os atalhos da Montanha. Aprendiza por sei lado sentia um enorme fascínio por aquela figura que a guiava através de árvores e fragas, sempre caminhando em silêncio, com a sua figura alta a olhar o cume. Interrogava-se sobre o que se havia passado desde a última vez que se viram, o que ele havia visto, o que ele havia vivido e de tudo isso o que o havia transformado naquela figura silenciosa e soturna, que simultaneamente irradiava calma e confiança, como que se rodeado de uma aura de tranquilidade, enquanto que por dentro era corroído por uma batalha. Ele por seu lado não deixava de pensar, a cada passo firme que dava, sobre o que fariam quando chegassem à aldeia. Em particular o que ele faria! Tinha decidido dirigir-se à aldeia dos Caminhantes em primeiro lugar, eram o seu povo e recusavam poderes de fora. Por outro lado haviam já passado tanto tempo que receava ser visto por eles como alguém de fora. Era presos a estes pensamentos que continuavam Montanha acima, olhando-se ocasionalmente e rapidamente cortando o olhar. Quatro dias passaram na Montanha até finalmente chegarem à Primeira Clareira. Em tempo vivera aqui a tribo dos Nómadas. Era o primeiro de muitos campos que tinham, até chegarem ao Grande Vale, local onde passavam os dias quentes do ano. Nada restava desse campo glorioso exepto as cabanas e os restos de uma fogueira.

(continua)

sexta-feira, março 31, 2006

Contos do Exílio - O Regresso, parte V: O Confronto

(continuação)

-E tu? Porque é que encontras tão longe da aldeia?
-Procurava as tuas varas!
-As minhas varas?
-Sim! Vai para uma Fase da Deusa-Lua que a Vidente e a Discípula entraram na aldeia dos Caminhantes e provocaram uma algazarra a exigir que os caminhantes lhes dessem as varas deles. Os mais novos deram logo, mas alguns dos mais velhos recusámo-nos. Ao contrário do que seria habitual não começou histérica e aos gritos, mas murmurou algo à Discípula e saíram as duas. Como aquilo foi tão estranho segui-as e vi que se dirigiam para a aldeia dos Nómadas.
-A da Montanha?
-Não. Têm uma aldeia no terrenos da tribo, espaço conquistado aos caminhantes... - Fez-se um silêncio profundo e triste. -Mas como estava a dizer, - continuou - quando chegaram à aldeia reuniram-nos todos e mandaram-nos para as montanhas procurar as tuas varas. Ela explicou-lhes mais ou menos onde procurar, mas muitos já não se lembram onde é o Grande Vale. A Discípula no entanto lembra-se e eu seguia-a, mas já há dois dias que não tenho nenhuma pista dela. Quando vi as tuas varas ao lado da fogueira pensei que as tinha encontrado...
Fez-se novamente um silêncio. Ambos se olharam, expressões endurecidas pelo tempo. Três Viagens haviam passado desde a última vez que se haviam olhado. Ao se olharem ali, ele com o seu olhar distante e pensativo, ela com um olhar terno e rejubilante, algo parecia acordar de um sono profundo.
-Vai dormir. - disse ele de repente - Acompanho-te ao teu campo para te ajudar a trazer as tuas coisas, mas deixamos a tua fogueira acesa. Quando voltarmos vais dormir enquanto eu monto vigia. Amanhã de manhã partimos para a aldeia.
-Qual?
-Não sei! - respondeu ele com um ar pensativo, mas rapidamente esboçando um sorriso - Vamos tomar a direcção do cume da Montanha, lá em cima logo se vê qual a aldeia. Tudo depende de quantos Nómadas tiverem já desistido da busca.
Com estas palavras levantou-se e dirigiu-se ao campo dela. Quando ela lá chegou já ele trazia todos os seus pertences. No caminho de regresso ela não deixava de se sentir incomodada, como se alguém observasse todos os seus passos, olhos escondidos na noite. Não conseguiu fazer desaparecer essa incómoda sensação e nem a voz calma dele que lhe dizia para dormir enquanto ele vigiava a acalmou.
Viu-o então cruzar as pernas e sentar-se ao lado da fogueira e ficar a olhar para ela. Decidiu então deitar-se e viu-o olhar para cima. Olhou também e viu um corvo sair do alto de um pinheiro e pousar no ombro dele, voltando a levantar vôo após ele sussurrar qualquer coisa que ela não percebera.

quarta-feira, março 29, 2006

Saudades

A chuva começa a cair pela madrugada ... a água que cai são lágrimas de saudade... o vento forte sopra, deixando-me sem forças... mas o coração continua chamando por ti...
O teu olhar... uma recordação de um momento... o teu rosto... o carinho... e os meus lábios pensando nos teus...

Hoje aqui, distante.... sentindo a saudade apertando... queria estar contigo para te sentir... para te mostrar o quanto te amo... mas resta-me deixar o tempo passar... para nos teus olhos navegar e nos teus lábios voltar a respirar...

Espero por ti amor... no meu coração...

sábado, março 18, 2006

Contos do Exílio - O Regresso, parte V: O Confronto

A Montanha! Uma viagem depois de Caladon encontrava-se novamente diante da Montanha. A crer nas memórias que guardava daquela zona, as quais eram já um pouco vagas, encontrava-se a cerca de uma Fase da aldeia dos Caminhantes. Chegaria na fase da Presença, quando a Deusa-Lua brilhasse em todo o seu esplendor e os caçadores estivessem reunidos a festejar. Sorriu ao pensar nos dias de felicidade que com eles passara. Endurecia-se-lhe o rosto ao pensar no que faria dali para a frente. Não que fosse um futuro sombrio aquele que tinha em mente, mas antes pelo facto de o caminho até ele ser tingindo em tons rubros de fogo e sangue. Atirou mais um pau para o fogo e recostou-se a meditar. Fechou os olhos e imaginou a forma das chamas, escutou o vento que soprava manso por cima das árvores e sentiu o aroma doce do fumo encher-lhe as narinas.
Era um aroma a orvalho aquele que o ia tornando progressivamente mais letárgico. Estava já em comunhão com aquela cena calma quando um estalido atrás de si o despertou. Podia ser o sinal de que um animal nocturno se encontrava nas vizinhanças. Tudo estaria bem se o som não se repetisse mais próximo. Tudo estaria bem se não houvesse apenas um animal nocturno que se aproxima do fogo... Levantou-se num repente e num salto colocou-se fora do círculo de luz mortiça que emanava da fogueira, com o seu cajado na mão, pronto a ver quem se dirigia para a sua clareira, sem que esse alguém o visse.
Demorou alguns instantes até que um vulto feminino entrou furtivamente na clareira. Parou e olhou em redor. Não vendo nada de estranho aproximou-se da fogueira e estacou a olhar para as varas que ele deixara ao seu lado. Como que respondendo aos apelos dele, a floresta deixou então que uma aragem entrasse na clareira e avivasse as chamas. A figura feminina assustou-se e deu um salto para trás revelando a sua face à luz trémula e pálida e de repente, ao ver aquela cara, o aroma a orvalho tomou uma forma física e uma memória à muito enterrada veio ao de cima!
- Diz-me sobra da noite: a aprendiza já superou os mestres? - disse enquanto caminhava para o círculo de luz.
Tendo sido apanhada de surpresa, a figura à sua frente colocou-se numa posição defensiva, mas ao reconhecer a voz e o rosto que se apresentavam à sua frente, encheu-se de alegria de rapidamente começou num brado de contentamento.
- Tu... - começou por dizer com a voz trémula - Tu estás vivo! Estás vivo! - e as lágrimas corriam-lhe pela face.
- Pois... Parece que sim! - disse ele e riu-se - Como é que me descobriste?
- Acidente. Nem sabia que eras tu. Estou acampada numa clareira perto daqui e vi o clarão da tua fogueira enquanto procurava qualquer coisa para comer.
- Nestas matas não há nada para comer à noite. Nada que tu queiras comer pelo menos...
- Cheguei aqui ainda não há uma Fase da Deusa-Lua, não me quero comparar com quem está aqui vai para três Viagens.
"Já passou tanto tempo...", pensou ele, deixando que entre eles se intalasse um silêncio pesado.
- Não estive aqui tanto tempo. Cheguei hoje mesmo de... - hesita - muito longe! - completa.
- E para onde vais?
- Não sei. Sinto que devia ir para aldeia dos Caminhantes, ma o tempo que passou é tanto que não sei o que tenho para lhes dar.
- Sabes que há quem sinta a tua falta lá?
- Não, não sei! Estou ausente há muito tempo e só mo disseste agora.
- Tens razão. Mas é verdade, há quem sinta a tua falta e até há quem sinta que fazes falta para lhes dar um rumo. Mesmo quando outrora foram contra isso.
- Houve mesmo quem mudasse?
- Tu não mudaste?
- Porque é que eles mudaram?
- Quem sabe? Eu por mim tenho que foi o tempo. Cresceram e abriram os os olhos e viram de outra forma o que se passou. - ajeitou-se e continuou - Depois do juízo da tribo a Vidente Nómada instalou-se na aldeia dos anciãos, tendo construído a sua cabana, a Cabana dos Nómadas como ela gosta de lhe chamar. Com o tempo ela acabou por se revelar. Cega pelo ódio que te nutre, e que acho que ainda não passou, começou a ver-te em cada vez mais gente, afastando muitos e gerando ódio noutras aldeias. Junto dos Caminhantes são poucos os que se lhe mantêm fiéis e os poucos que o fazem não procuram a companhia do resto da tribo, passam os dias com ela.
- Quem são?
- A Discípula, o Impulsivo e o Passivo.
- E o Obreiro? E a Camaleão?
- O Obreiro é-lhe fiel, o que não quer dizer que se deixe influenciar por ela. De todos é o único em que não arde o fogo da vingança e do ódio. Nos primeiros tempos andou esquisito e ausentava-se muito tempo. Houve quem dissesse que o viam ir e vir na direcção do Grande Vale. Diria mais que ficou magoado e desiludido do que revoltado e odioso. A camaleão ninguém a vê em nenhuma aldeia já lá vão muitas Fases. Há quem a veja perto das aldeias, mas dizer que está numa aldeia é complicado.

(continua)

sábado, março 11, 2006

Estou aqui

Mais um dia que passa, mais um sonho que se perde. Suavemente, lentamente, os traços da minha vida vão-se apagando, diluindo-se no corre-corre do dia a dia da humanidade. Torno-me mais um da manada, junto-me às formigas que correm e reduzo-me à minha insignificância. "Estou aqui" - grito eu, mas nem eu consigo seguir a minha voz para me encontrar. A minha consciência vai-me gritando que eu interesso e que posso lutar, mas ainda é cedo, ainda a consigo ignorar.

A pouco e pouco o dia cai, a lua levanta-se pálida no céu, esquecida por entre as luzes dos prédios que se vão acendendo. Saio à rua, aconchego o casaco ao corpo à medida que o frio me enregela os ossos. Acendo mais um cigarro; "Amanhã paro" - penso eu, rindo-me logo de seguida à medida que penso que todos os dias digo o mesmo, o eterno diálogo com a minha conciência que, ainda, não me abandonou. Vou agora contra-corrente, as formigas apressadas passam por mim em direcção a casa, é altura de a manada se recolher, mas eu continuo, devagar, por entre as pessoas. O casaco cingido ao corpo, as palavras entregues à minha mente quase tão apressada como as pessoas que me empurram. "Continuo aqui" - digo eu, mas continuo sem me ouvir.
Paro no meio das pessoas apressadas e olho para o céu, a lua ténue está por cima de mim, banhando-me numa luz que não existe e que mais ninguém vê. Talvez seja tempo de desaparecer.

A madrugada apanhou-me mais uma vez, o alcool que era suposto anastesiar-me vai-se libertado a pouco e pouco do meu corpo. Uma esquina abandonada dá um certo alivio aos meus rins, um canteiro mal tratado dá alivio ao meu estômago. Agora grito e oiço-me. "Estou aqui" e as palavras ecoam-me no cérebro obrigando-me a calar. A minha consciência já está abafada sobre o manto de comprimidos, mas sou demasiado cobarde para sair com dignidade. Estou finalmente sozinho, sem formigas à minha volta, e ainda tenho os meus cigarros que a pouco e pouco vão devorando o meu interior.
Já nada me pode salvar do meu destino.

domingo, fevereiro 26, 2006

Contos do Exílio: O Regresso

LINK EM CIMA -> O regresso

A pedido da totalidade (até ao momento) dos comentadores do último texto, aqui segue a versão compilada do conto "O Regresso" (Ver link acima) tal como se encontra. Qualquer contribuição que achem que o conto mereça, mandem mail que eu dou o NIB da conta onde depositar :P

Se acharem que não merece uns trocados o autor contenta-se com um comentário honesto (não é preciso ser simpático!).

Ah! A continuação continua a ser tratada e não está parada!

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Últimos capítulos...

A cancela levanta... e o autocarro segue o seu rumo...

18h ... uma bruma leve cobre o entardecer e uma ultima claridade raia o horizonte...

Quechlamp... zump, zac... as rodas assentam no tabuleiro e a vertigem da viagem inicia... minutos, meses, anos... desenrolam-se numa marcha desenfreada pelo rio de recordações; sim esse que lá ao fundo toldado de uma escuridão ainda ténue, continua a correr como as lágrimas que se soltaram tantas vezes no entardecer de uma dor vivida, tais como aquelas que agora correm na separação sofrida de uma memória incontida... daquela casa, daqueles longíquos, mas tão presentes, portões.

Tum, tac... tum tac... tum tac...
Metros e metros de metal laranja passam... e quantas vezes mais passarão... muito poucas presumo. Para trás mil angústias, para trás mil peripécias... Momentos de felicidade são lágrimas de ternura... memórias são quadros pintados de doçura... Hoje a sorrir, choro por toda a memória do tempo que não volta... de tantas e tantas páginas que se ergueram, que construiram um livro. De paixão, de sangue, de suor, de lágrimas, da amizade, do sofrimento... até ao triunfante e deslumbrante grito do amor! Esse que enche o céu e se espalha incontido pelas planícies e montes, que ultrapassa todos os limites, que rasga os portões do cenário que não quero apagar da minha mente. Oh belas avenidas, jardins e edifícios... Tanta dor, tanta alegria... Tanta página da minha vida!

Chlamp, zunc, zap! O autocarro acelera finalmente a uma altura menos considerável... E acelera cada vez mais... A velocidade é agora vertiginosa... curva á esquerda, curva á direita, as rodas derrapam já, os pneus chiam e guincham parecendo querer desaparecer da carroçaria... a ultima curva á direita, arranca-me por momentos do assento, agarrado á vertigem da viagem que não me parece levar a lado algum...

2hoom... Os olhos de criança fixam o tecto... pensadores... sonhadores... o braço pousado... a voz metalica sussurante ao lado:

"Neste momento não é possivel estabelecer uma ligação entre si e o seu futuro... Por favor tente mais tarde..."

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Confuso

Lábios frios que me aquecem
No gelo do meu descanso...
Desperto, e os meus sonhos arrefecem...
Um abismo... Será que me lanço?

Das cinzas surge um ser...
Uma fénix renascida?
Ou uma alma perdida?
Quem renasce primeiro tem que perecer...

Um destino outrora límpido
Agora, um charco difuso...
Quando já tudo me parece insípido
Lamento e choro, confuso...

quarta-feira, fevereiro 08, 2006

AA featuring Fernando Alcoolizoua

Por isso eu consumo alcool:
Dá-me fulgor
Por momentos, ponho de lado os sentimentos
E banalizo o amor...

EU BEBO!!!
Não invejo a quem é abstémio
Pois ver passar a vida sóbrio
Dá-me tédio!...

domingo, janeiro 29, 2006

Contos do Exílio - O Regresso, parte V: O Confronto

- Discípula! - uma voz grita na escuridão de uma aldeia. - Discípula! Onde estás?
- Chamou Vidente? - responde, num murmúrio, uma segunda voz.
- Chamei.
- Que... - a Vidente faz-lhe um gesto de silêncio. As casas em redor estão vazias, construções de madeira, sem vida nem alegria. Na do meio senta-se a figura escanzelada da Vidente. De pé, à porta da barraca, a Discípula aguarda. Na distância ouve-se o assobiar do vento nas copas dos pinheiros e o roçagar das folhas dos carvalhos.
- Ouves? - perguntou a Vidente.
- O vento? - questionou a Discípula, com um tom de hesitação. Estava certa que era o vento, mas não sabia o que ouvir no vento...
- Sim, o vento! Ouves a mensagem que ele traz? Consegues distinguir o leve assobiar do vento, o que passa por cima da montanha, vindo de onde se apaga o sol, daquele que sobra monte abaixo?
- Não grande Vidente. - murmurou lamuriosa - Lamento mas não consigo... - disse envergonhada a figura magra, que se sentava agora ao lado da velha Vidente.
- Ajuda-me a ir lá para fora... - ordenou a mais velha. A mais nova ajudou-a a levantar-se e a custo e lentamente se dirigiram para o centro da aldeia. Sentaram-se e a mais velha começou, apontando para a encosta à sua frente:
- Vês como os pinheiros se agitam quando uma corrente desce a encosta? Agora pára e ouve... - A outra acenou afirmativamente, mas a velha não reagiu. De repente:
- Vês agora como as árvores estão paradas, mas o vento assobia por cima do monte?
- Oiço... dois sons distintos quando juntos, mas que separados parecem o mesmo. O que quer isto dizer?
- Ele não morreu! - afirmou a Vidente, e abriu os olhos, revelando as órbits brancas, sem nenhum vestígio de sangue. - Ele... não morreu! - Exclamou assustada.
- Quem? - perguntou a Discípula, assustada com as atitudes da Vidente.
- Ele não morreu! Ele vem aí... - insistiu, cada vez mais perturbada, a Vidente. Continuou assim por instantes. Exclamava cada vez frases mais complexas, ignorando os apelos murmurados da Discípula. "Não!" gritava, "Não! Ele não morreu! Ele vem aí, procura vingar-se, procura o que é dele... Não!" gritava agora a plenos pulmões, perante a assustada discípula. Foi então que começou com um guincho, progressivamente mais agudo, até que se calou.
- Vidente... - sussurrou a Discípula.
- Agora não. - interrompeu a Vidente - Arruma tudo. Voltamos à aldeia do caminhantes e voltamos ainda hoje. Temos duas fases para nos prepararmos. Explico-te tudo pelo caminho, mas prepara-te: na fase da Aparição a minha luz irá apagar-se.

Metáforas dos meus sentimentos

A água corre rápida, devastada, triste
Não pode ser travada, segue o seu rumo

Sempre... sempre... sempre...

Um ego que se julga um lobo
E no fim se revela um bezerro
Uma fogueira de emoções que se acende
No reconhecimento de um erro
Mesmo quando não se o pretende...

Uma barragem que devia conter um rio
E que deixa passar uma torrente...
Nas águas, o reflexo da luz do passado
É quebrado pela escuridão do presente.
Força esgotada, rosto cansado...

Uma luta que a razão travou, incessante
Com um confuso e trémulo coração
Uma batalha épica, longa, intolerante
Que acaba num crepúsculo de emoção:
Mesmo vencendo a batalha, perdeu-se a guerra...

Tudo metáforas, simples metáforas
Do que foi,
Do que já não é,
E do que ficará para todo o sempre
[Ausente

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Testemunho matinal

Deixo o frio matinal percorrer-me pela manhã, longe do aquecimento espiritual de outros tempos.
Saudades, saudades do tempo sempre meu, dos caminhos e dos amigos... e do regresso em paz.
Olho para a ponte... Por baixo dela passo...

Quem me dera passar por cima... deste sentimento...
Afinal a vida é o momento... e esquecer apenas adia o tormento deste sofrimento.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

"O silêncio devora o escuro da noite, apagando as luzes que teimo em manter acesas. O medo de não estares ao pé de mim queima-me a pele, deixando cicatrizes profundas na minha alma..."

Guarda um espaço em ti para mim. Deixa-me perder entre os teus olhos verdes, devagar, como se mergulhasse num mar só teu. Deixa-me vogar por entre as ondas dos teus olhos e sentir a tua alma envolver-me. Tens espaço em ti para mim? Será que podes partilhar parte do teu calor comigo? Eu acredito que sim, que tens algo em ti para mim, que os meus sonhos também são teus e que juntos fazemos algo melhor.
Deixa-me agarrar-te mais um pouco, deixa-me aquecer no teu coração, não fujas agora de mim. Deixa-me perder entre os teus lábios, preciso tanto do teu amor. Deixa-me crescer em ti, deixa-me amadurecer e deixar de ser criança. Dá-me os teus sonhos, diz-me que me amas e pouco a pouco deixemos a vida tomar conta de nós. Preciso de alguem que me abraçe, preciso do calor que é nosso, preciso do teu amor.