domingo, novembro 30, 2003

FADO

Vivo o fado
feito para ser jogado
Dei-to com graça
vivo em desgraça

Feito de ansiedade
canto pela saudade
Pranto angustiado
Preceito do fado

Pende minha vida
lambo mortal ferida
Limbo inspirador
acende a minha dor

Na tasca...

Rimo com a dor
lanço vivas ao amor
danço contente
ritmo demente

Marcha mais uma bejeca
não vá garganta ficar seca
são horas de alegria
marcha mais uma sangria

Enfim...

Percorro carrossel do fado
Corro contra o fado...

Banal

Do pequeno pedestral onde vivia
O menino que amava, caiu
A alegria e amor que sentia
Não amenizou a dor que sentiu...

Abanando a sua cabeça, olhou...
E viu tristeza e decepção
Onde devia haver amor, e chorou...
Destroçado ficou o seu coração

Ergueu-se e andou, tremendo
Cambaleando percebeu, gemendo
Que o que ele julgava especial
Não era afinal, mais que banal...

sábado, novembro 29, 2003

Mayflower

Há mais de duzentos anos, o navio Mayflower chegou a um território hoje conhecido como Estados Unidos da América, carregado de colonos idos da Europa.

Estes estabeleceram-se e, em 1624 adquiriram aos índios autóctones a ilha de Manhattan por uns baús de vidrinhos, berloques e bugigangas brilhantes.

Esta semana estive a observar uma montra duma loja dos chineses e desatei a rir de mim para mim.

quinta-feira, novembro 20, 2003

Voo.
Deixo o mundo para trás. Esqueço o mundo, o passado que me assombra a vida, os problemas que me perseguem, que teimam em persistir.
Sinto o ar na cara, não olho para baixo com medo de ver a terra fugir sobre meus pés.
Abro os braços e saboreio a liberdade que nunca senti. Sinto-a a entrar pelos poros de minha pele, misturar-se no meu sangue, fazendo bombear mais e mais o meu coração. Sinto o fresco ar na boca, saboreio-o, enquanto me elevo.
Viajo rumo ao azul, avisto as primeiras nuvens. O ar fica mais leve, dificil de inspirar. Sinto a humidade das proximidades de um castelo imaginário, enquanto se formam e escorrem pela minha face lágrimas de orvalho.
Furo o espesso céu branco, e tudo se torna mais escuro.
O céu deixa de ser azul. Agora é de todas as cores. Os violetas fundem-se com os amarelos que outrora namoravam os verdes.
Acelero. Junto os braços frios ao corpo e voo para o espaço.
Abro os olhos de espanto. Cheguei à noite.
Eternas, ali as estrelas não brilham, ficam imóveis assistindo a minha ascensão.
É tudo demasiado belo. Tento abrir a boca para puder respirar o perfume dos astros mas nada acontece.
O ar ali não existe.
Corro as mão para o pescoço enquanto asfixio. Falta-me o ar nas pernas, e tal falta vai subindo pelo corpo.
Olho para baixo e vejo a terra, vejo o que deixei, vejo o teu rosto.
Caio, imovel, inerte... morto.

Sobre o teu olhar o escrevi

segunda-feira, novembro 17, 2003

Cabroac

Uma goteira pinga ao longe. O seu barulho ecoa por toda a galeria. É noite, ou pelo menos assim parece. O pequeno quadrado que serve de ponto luminoso deste isolamento parece já não emitir luz, pelo que presumo que o sol já se pôs. E é para o quadrado que me desloco, olhando o céu infinito...
Distingo claramente os planetas que já visitei e que agora parecem tão diferentes no céu limpo da noite de Cabroac... Os Cabroacs dizimaram estes planetas e as suas cores parecem esbatidas pela névoa que lhes tolda a superfície. Vejo ao longe o planeta Cirius á direita de Centrum, do lado esquerdo Salius, bem como pequeno planeta Kiria conhecido pelos seus abundantes recursos naturais, lembro-me bem... Abaixo Letanium e em agonia, com erupções constantes, Teloholla, um dos planetas mais massacrados pela invasão dos Cabroacs. mais á esquerda, o simples mas belo Daliaterus, nos seus tons de vermelho. a sua superfície parece estar relativamente intacta... Os Cabroacs nunca se interessaram muito em massacrar este planeta, talvez pela sua singularidade e pelo seu aspecto simples...
A calma da noite é subitamente interrompida por um imenso barulho; gritos e vidros a quebrarem-se e um fumo intenso que me sufoca. Arquejante, cambaleio uma última vez, até perder os sentidos...
Lentamente acordo e olho em volta. Já não vejo as paredes da cela... À minha volta um deserto; e ao longe os primeiros muros de uma cidade em construção...
Uma cidade que não conheço... Num mundo que não conheço.

domingo, novembro 16, 2003

Chuva…

Céu cinzento, olhar fugitivo.
Voz rouca na chuva que vai
Chão alagado a olhar quem cai.
É sempre pouca e sem motivo…

Céu nublado, olhar desesperado.
Voz grita e o vento canta.
Na natureza tudo encanta
E a arvore agita, o ramo quebrado.

Céu escuro, olhar cansado.
Voz hipnotizada e relampejante.
O medo que atrai o amante
Na trovoada amada, é o fado.

sábado, novembro 15, 2003

Serei eu que estou dando em maluco? Serão meus sonhos apenas sonhos ou os momentos que passo em branco são mais do isso? Meus dedos passam pelo teclado escrevendo este texto e eu não consigo pensar porque me custa, porque me pesa a cabeça. Talvez seja de mim todo este sentido que temo não descortinar na minha vida real, talvez sejam as palavras que tanto saem de mim mas que teimam em ficar escondidas. Tenho medo que procurem em mim a explicação que eu não consigo dar sobre o mundo, tenho medo de ser a referência num mundo em que elas não existem, porque se isso acontecer por quem hei-de eu seguir as passadas? Quem me irá explicar o mundo de modo a que eu não necessite de pensar sobre ele?
É tão fácil acomodarmo-nos na penumbra, desejando a luz da glória mas nada fazendo para irmos ao encontro dela, por isso nos escondemos atrás de máscaras tão falsas como nós próprios. Desejamos o mundo como o queremos mas nada fazemos para o modificar, é simplesmente mais fácil culpar quem se nos atravessa no caminho.
Mas de vez em quando temos de pensar mais do que normalmente, ou seja nada, e é nessas pequenas alturas que nos desiludimos com o mundo e o tentamos mudar, mas logo nos acomodamos outra vez à espera que alguém nos diga como mudá-lo ou como podemos não pensar. É muito mais fácil sermos apenas carneiros para o matadouro do que sermos o talhante que os encaminha, não porque ele mate mas sim porque ele tem de pensar o caminho, é isso que nos custa, porque todo o ser tem uma sede de glória que não faz absolutamente nada para a obter. ...

quinta-feira, novembro 13, 2003

Lua Cheia

Apenas ontem me apercebi que a Lua Cheia já tinha passado. Se calhar a minha maldição acabou...

DOMÍNIO

Viagem de carro a alta velocidade, olho pela janela vejo a paisagem a voar em frente aos meus olhos. Árvores verdes e árvores despidas, de cor castanha, passam-me à frente. Os rails da estrada, cinzentões, contrastam com os separadores bejes com grafittis que, sei lá para que é que servem, deve ser para cortar a merda do barulho dos carros. Não! Não vão cumprir o objectivo. Ponho o rádio bem alto, a banda não importa faz barulho, muito barulho, o som está distorcido de tão alto o volume, porque as colunas são uma merda.
No banco de trás vão aqueles dois cromos que andam sempre colados a mim. Tou-me a cagar para o eles andarem atrás de mim, desde que não refilem, desde que me mantenham no meu altar e me adorem de rabo bem levantado para o ar, para levarem com o másculo e viril membro de cada um. Desde que repitam, sem parar, as deixas que eu digo, desde que vistam como eu visto e o que dizem pensar seja exactamente aquilo que eu penso.
Não me interessa que eles lá estejam, aliás se lá estiverem são menos dois que tenho com que me preocupar, daqueles que quero a todo o custo eliminar da minha vida, aqueles que viram a luz, que perceberam o meu objectivo triunfante e o que se esconde por detrás da minha face e dos oculinhos à intelectualóide que me custaram os olhos da cara, só para dar um ar de inteligente. Não que o não seja, mas não sou nenhum portento intelectual, sou mais um banal, que soube escolher bem os pacóvios que me rodeiam, de modo a poder sobressair, poder ser o mais elevado.
Conheci uns que vinham e que saíram, que em momentos souberam ver e souberam partir, tentando levar com eles os restantes, mostrar-lhes a luz, mas a minha música tocava alto demais para a bagagem deles, eles não sabem nem sonham que o idealismo deles não lhes permite ver a realidade, não lhes permite que possuam a coerência necessária para que a verdade, sim a verdade, que eles têm para contar, e que não é mais do que a minha verdade escondida, não têm a coerência para que a música deles seja mais apetecível do que a minha.
Até na música dou cartas. Até no vestir. Só não dou cartas nas coisas mais visíveis onde sou constantemente ultrapassado por aqueles que são, de facto, elos mais fortes do que eu. Se isso é problema? Para mim não, entra-se por uma da teoria da conspiração, de ver em todos gente má, gente que não quer partilhar o que sabe, gente que não é nada, e os que nada são, seres supremos os faço. E as ovelhinhas seguem impávidas e serenas sem questionar.
Acelero a fundo, estou-me a cagar para as multas, tenho lábia suficiente para fazer um leão acreditar, contra o que a Natureza lhe diz, que é vegetariano, então o polícia, se eu entrar por uma questão de relatividade restrita, baixando a bolinha então aí o xô agente perdoa-me a multa e nem ao balão vou para revelar aquilo que sou, um bêbado, que embebedei os dois do banco de trás, os do carro de trás, todos esse comboio, em que as portas da carruagem estão trancadas e não se abrem, a menos que eu o ordene.
O maquinista sou eu, eu é que decido a velocidade a que circulamos e qual, no final, a parede onde nos esbarramos!!! É bom ser o maior!

SOCIEDADE

-Temos aqui um caso bicudo senhor?...
-Tungsténio.
-Pois. Tungsténio, claro está... O seu caso é deveras... Digamos que... Pois!
A sala parecia enorme. As paredes todas pintadas de branco conferiam àquela sala uma noção de infinito. As paredes pálidas de medo, o céu cheio de nuvens brancas e o chão cor de neve virgem. Parecia que estava a flutuar. Só a mesa preta o devolvia à realidade. A mesa e quem se sentava por detrás dela.
-Senhor Tungsténio, o senhor conhece bem a nossa sociedade não conhece?
-Conheço sim. Senhor?...
-Eu faço as perguntas está bem? – respondeu com um sorriso sarcástico.
-Sim senhor.
-Ora bem, onde é que nós íamos...Pois exacto! O senhor está consciente das regras da sociedade. Conhece as leis, sabe o que se pode e o que não se pode fazer. No entanto foi apanhado na via pública a ler uma dessas armas subversivas a que os antigos chamavam de livros. O que tem a dizer em sua defesa?
-Que um livro está longe de ser algo subversivo.
-Perdoe-me, mas isso é algo que não abona em sua defesa. Até ao momento você já violou várias leis, algumas de grande gravidade. Senão vejamos: possuir papel e canetas em casa, possuir livros, recusar-se a ler na Grande Rede Unificada Para Entretenimento Social as grandes obras, dos grande autores, nomeadamente os ensaios do nosso líder, o grande Hidrogenus... Quer que continue?
-Quer que lhe responda? – Nesse momento o indivíduo do fato branco, com a sua gravata preta fez um gesto com indicador esquerdo e o indivíduo sentado na cadeira branca soltou um urro de dor e desespero.
-Senhor Tungsténio, como pode constatar temos meios de lhe prolongar o sofrimento ad eternum. Não me olhe com esse ar. Sabemos que conhece a expressão. Sim também já os lemos! Afinal porque os iríamos proibir? Se as massas se afastavam deles com toda a naturalidade, qual a necessidade de nós nos opormos? Não... Foi muito mais fácil ir com elas e mostrar-lhes todos os pontos negativos...
A verdade senhor Tungsténio, é que o senhor, na sua estupidez de cidadão classe 6 tem o privilégio de receber uma educação. É-lhe dito como se deve comportar e como deve desempenhar as suas tarefas para melhor servir os interesses superiores dos grandes mestres da classe 1e, acima de todos os outros, o nosso grande Hidrogénio.
Quer que lhe diga a verdade sobre como foram proibidos? Eu conto-lha pois estive lá nesse dia que tantas alegrias trouxe às nossas vidas, o dia da Fundação. Era sabido que as massas cada vez mais se afastavam deles. Cada vez era mais fácil fazer com que os jovens não os lessem, os nossos agentes no sistema de ensino tratavam disso. Os agentes infiltrados na cultura trataram de fazer com que quem os escrevia bem e perigosamente fosse, passo a passo, tendo menos vontade e os que não se tornaram partidários da Causa foram desaparecendo, absorvidos pela G.R.U.P.E.S., ou morrendo. Sim, muitos eram velhos. Tinham lido obras perigosas, convivido com ideias perigosas, conhecido fulanos perigosos, mas não eram perigosos, apenas escreviam coisas perigosas o que, com o afastamento dos livros, perdeu toda a periculosidade que poderia ter, já ninguém ligava ao que eles diziam, eram uns maluquinhos.
No entanto você aqui está. E como você muitos outros já estiveram e muitos mais estarão. São uma minoria. Sempre foi assim, não se espante. Se já leu os mais marcantes sabe que quem os lê são sempre as minorias. Porque é que você pensa que hoje está aqui? Porque no passado as maiorias Os liam? Não senhor Tungsténio... No passado havia uma coisa chamada Democracia e nessa coisa quem mandavam eram as maiorias. Esclarecidas ou não! Foi fácil chegarmos onde chegámos. Bastou não educar as maiorias. Esclarecidos sempre os houve, mas eram cada vez menos, porquê preocuparmo-nos com eles? Um dos livros encontrados em sua casa fala de um conceito que parecendo vago é o móbil da nossa sociedade: panem et circenses. Pão e circo, comida e novelas. A causa da decadência da sociedade retrógrada que se chamavam opulentemente a si mesmos o Mundo Ocidental. Hoje digo-lhe, essa lógica foi a semente do nosso sistema, da nossa Sociedade.
O seu problema começa mesmo aqui. É que numa sociedade não esclarecida não há lugar para mentes iluminadas. As mentes iluminadas ou subjugam os não-esclarecidos, as classes inferiores, ou desaparecem. O senhor, já há muito tempo que só escreve em papel. Certamente apercebeu-se de que a informação mudava de dia para dia. Que os amigos de hoje são os inimigos de amanhã. Nada de novo no entanto, como certamente já leu... Você pode então escolher desterro para uma das reservas ou mudança. Mudar para melhor. Vamos limpar-lhe a mente de todas essas mesquinhices fúteis e irrelevantes e será como eu. Branco. Puro.
-O senhor disse que me dava a escolher?
-Dou pois. Quem chega ao seu nível pode escolher. Pode ir viver com os animais como você que vivem nas reservas e que nós caçamos ao décimo oitavo dia, por pura diversão. Você sabe do que falo. Já participou em caçadas...
-No entanto escolho as reservas da liberdade, do que a morte da libertinagem.
-Não é que não contássemos com isso… Você sabe como a gente como o senhor é previsível? Seja então a reserva...

Foram num jipe, um veículo pré-histórico que apenas servia para transportar os exilados até aos portões das reservas. No horizonte um vazio. A todo o redor uma cerca de cinquenta metros de altura e muitos quilómetros de arame, betão e tijolos. Um portão erguia-se, com as suas duas enormes torres de vigia. Por cima do portão, em letras luminosas podia-se ler as palavras: Reserva Lusitânia.
Tungsténio foi atirado, com um pontapé, para o interior da reserva e assim que os portões se lhe fecharam nas costas, viu à sua frente alguém, vestido de peles, com barba preta até ao umbigo e que lhe deu a mão e o ajudou a levantar. Ainda antes das saudações, esse alguém apontou para o portão imponente, fechado e frio. Por trás deste alguém escrevera a sangue:
“No princípio era o Verbo e o verbo trouxe o Pensamento. Fomos ganhando Força e decidimos passar à Acção. No fim, é o verbo que nos mata...”

quarta-feira, novembro 12, 2003

Avisto um navio ao longe
Que passa, com as velas ao vento, devagar.
As velas brancas e cheias fazem o navio avançar,
Sem pressas, sulcando o mar.

E escrevo no meu diário, no dia de hoje,
Que avistei um navio de madeira que flutuava,
Com as velas ao vento e uma âncora que balouçava,
Onde se ouvia a madeira ranger e nenhum homem se avistava.

E assim ficou escrito no dia de hoje,
Que vi um navio, que na minha memória ficou,
Que a água, devagar, sulcou.
Um navio que na minha banheira flutuou.

A imaginação usaremos
E um mundo criaremos.

terça-feira, novembro 11, 2003

Permaneço

Choro ao longe, distante do calor da alma. O fulgor dos dias passou e eu permaneci. Estagnei neste mundo gelado, onde só encontro dor e desespero. Eras o meu raio de luz, mas tu também partiste. E agora, sem esperança, sem sonhos, permaneço. A morte parece ser a solução, mas até ela se replete de um manto de força que eu não tenho.
Ainda parece ontem o dia em que te foste, e já faz tanto tempo... Sei que o meu último sopro é para ti, na tentativa vã de te encontrar. À muito que ouvi os teus passos, e esses foram só para partir. Não te censuro, nunca. Compreendo a tua necessidade de um amor mais límpido, não revestido desta escuridão que me assola. Se tivesses ficado, estavas destruído, e tal, eu não suportaria, e a dor seria maior, e o desepero mais profundo, mais negro. Continuo a chamar por ti, tenho que continuar... Os meus demónios consomem-me e a clareza da tua miragem é a razão do meu continuar. A morte parece tão longe, sei que não posso chamá-la, tenho que expiar todo este mal que me assola, e partir não aplacaria quem procura a vingança. Permaneço, qual figura trágica da ópera, sabendo qual o meu destino, caminhando para ele lentamente. Escrevo estas palavras na esperança que um dia as leias e me perdoes. O amor não foi suficiente, nunca é suficiente, mas levo comigo, neste sargaço a que chamo alma, um résquio do teu amor, e continuo, sabendo que te encontrei, e que te amei.
Continuo nas sombras, tal não é a ironia do destino, tu que resplandeces luz, e que por momentos me inebriaste. As minhas pegadas são sangue e lágrimas, não pelo que tenho que cumprir, mas pela dor que te causei. Desejo tanto que sejas feliz, que a minha presença não tenha contaminado a limpidez do teu riso, e que eu seja apenas um fantasma de outra era. Amei-te tanto, amo-te tanto. Espero que um dia alguém te susurre aos ouvidos as minhas hereges palavras, profanas no teu resplendor. Espero não ter imaculado os teus dias, perdoa-me se o fiz.
Vou continuar o meu choro, qual hárpia lamentosa, e o meu percurso, e cumprir o meu destino. As sombras e os demónios acompanham-me, e entre eles antevejo o traço límpido do teu sorriso. Continuo, assim, contigo.

Felizes e Completos

Ana Isabel e Três Filhas.
Simples nomes de barcos, grandiosas homenagens às pessoas das vidas de seus donos.
Felizes pessoas são essas.
Tanto os homenageados, como os que através da humildade, conseguirão encontrar com quem partilhar a vida, seus momentos, sonhos, pensamentos.
Felizes aqueles que, em tempos, mesmo que por breve periodo foram completos.
Felizes os que encontraram a quem amar, que encontraram quem os amar.
Felizes os que vêm os frutos do seu labor, do seu empenho numa relação. Felizes os que têm filhos, descendência, mais e melhor do que nós.
Felzes os que conseguem, criar suas, novas, renovadas esperanças.
Feliz o mundo que se reune em seu cantar , em hino aos felizes e completos, em canções de alegria e reguzijo, em novas formas de celebrar a esperança inerente a nós, a esperança, o futuro, espelhados no doce olhar de uma singela criança.
Felizes são eles. Completos são eles.
Eu não.
Vivo feliz, se feliz se pode dizer, chamar, por eles, mas vivo só, triste em alma e existência.

Liberdade em Ti

Voo.
Deixo o mundo para trás. Esqueço o mundo, o passado que me assombra a vida, os problemas que me perseguem, que teimam em persistir.
Sinto o ar na cara, não olho para baixo com medo de ver a terra fugir sobre meus pés.
Abro os braços e saboreio a liberdade que nunca senti. Sinto-a a entrar pelos poros de minha pele, misturar-se no meu sangue, fazendo bombear mais e mais o meu coração. Sinto o fresco ar na boca, saboreio-o, enquanto me elevo.
Viajo rumo ao azul, avisto as primeiras nuvens. O ar fica mais leve, dificil de inspirar. Sinto a humidade das proximidades de um castelo imaginário, enquanto se formam e escorrem pela minha face lágrimas de orvalho.
Furo o espesso céu branco, e tudo se torna mais escuro.
O céu deixa de ser azul. Agora é de todas as cores. Os violetas fundem-se com os amarelos que outrora namoravam os verdes.
Acelero. Junto os braços frios ao corpo e voo para o espaço.
Abro os olhos de espanto. Cheguei à noite.
Eternas, ali as estrelas não brilham, ficam imóveis assistindo a minha ascensão.
É tudo demasiado belo. Tento abrir a boca para puder respirar o perfume dos astros mas nada acontece.
O ar ali não existe.
Corro as mão para o pescoço enquanto asfixio. Falta-me o ar nas pernas, e tal falta vai subindo pelo corpo.
Olho para baixo e vejo a terra, vejo o que deixei, vejo o teu rosto.
Caio, imovel, inerte... morto.

Sobre o teu olhar o escrevi

Quem mente nada sente?!

Será flor, será semente
Que faz a vida correr
Ao som de uma nascente?
Será tarde, será poente
Que a luz na sua corrente
Dê a alma que é da gente?
Será nada, será que sente
As palavras de quem não mente?
Será tudo, será em frente
Quando a vida não apaga esse presente?

RECÉM-ACOMODADO

Vi como foste outrora
Senhor de ti, dono do teu pensar,
Trabalhador incessante e
Crítico constante.
Acompanhei a tua insubmissão,
Qual touro enraivecido parecias,
Não havia sebe ou cerca onde não marrasses decidido!

Vejo-te hoje, pobre coitado...
Trancado dentro de uma jaulo
Onde te pica teu domador!
Comendo o que outros te dão,
Crendo ainda que és...

Não! Não crês já!
A dura amarga realidade
É que és hoje a tua própria antítese:
O acomodado, o quieto!
Cordeiro manso,
Boi pachorrento,
Esperando a misericórdia do dono
À medida que caminhas para o teu fim!

segunda-feira, novembro 10, 2003

SANATÓRIO

Erguia-se escuro e sombrio no meio da floresta de pinheiros. Alguém ousara, bem para lá do portão principal, plantar uma palmeira na rotunda de entrada. Confesso que naquela tarde chuvosa o ânimo e os sonhos que levava na bagagem me impediam de notar em algo diferente, sentir o ambiente daquele local, a atmosfera nociva... A princípio tudo é tão belo, as árvores, os pássaros pela manhã, os relvados infindáveis, até a chuva incessante e o prateado firmamento tinham um ar rústico e agradável! Para lá chegar passávamos por um portão de ferro forjado e entrávamos numa imensa alameda de ciprestes. Imensos duzentos metros de via alcatroada ladeada de árvores verdes e viçosas, plantados bem no meio de um extenso relvado que ao fundo era encimado pelo enorme casarão, bem ao estilo senhorial, com os seus quatro andares e com um longo pavilhão central a unir as duas alas laterais.

Nunca, ao sentir os primeiros pingos de chuva a baterem-me na face, pensei que desejaria ardentemente sair dali rapidamente, abandonar aquele palacete.

À porta: ninguém para me receber, só um estranho aviso pintado por cima da porta: "Bem vindo a casa!" Mais tarde, tarde demais, percebi o porquê da afirmação, percebi porque chegava a casa: estava sozinho!Quer dizer, haviam o jardineiro, a cozinheira, as enfermeiras e a mulher da limpeza, mas... todos surdos e mudos, como se receassem ouvir-me ou falarem comigo. Levou muito tempo a aperceber-me da realidade, essa dura e árdua realidade e também do facto de estarmos todos dependentes de nós próprios.

Sinto que na realidade o tempo aqui não se mexe, está parado, é impossível andar para a frente. Vejo os dias passarem por mim, mas não guardo memória de quantos passaram. Percorro os corredores e vejo as celas que ninguém abandonará, nem que ninguém nunca abandonou. A Lua todas as noites é a mesma, pois quando a Lua não está cheia cobre-nos um manto rosa todas as noites. A cada dia sinto a loucura apoderar-se de mim, qua para aqui vim tratar de doentes imaginários, a loucura dos outros... Sinto-me a viajar para esse mundo e tento fugir-lhe. Começo a caminhar mas ao fim de alguns passos na alameda dos cipreste apodera-se de mim uma tontura e acordo invariavelmente no meu quarto. O tempo, esse ser imutável, habituou-me a tratar a alameda da entrada por a Alameda do Cemitério, pois é esse o ar que as árvores transmitem, o de um deprimente e longo cemitério, essas árvores que os antigos serem uma forma de comunicar com os mortos!

Vejo a loucura ao meu lado e a liberdade lá ao fundo e penso: porque fujo de uma que não me larga e não alcanço nunca aquela que procuro?! Penso e vem-me sempre à memória que não há aqui portas trancadas nem janelas com grades, não há nada que me possa marcar a mente, no entanto não fujo! NÃO FUJO!...

Adormeço mais uma noite e sonho com a minha dura e insana realidade, aprisionado nesta jaula de tijolo e verde, clamando e urrando de raiva com o lento passar dos dias!

O tempo ensinou-me a ter medo do que mora para lá dos longíquos muros! Percebo, agora, porque nunca se foram todos embora, percebo porque são mudos os que não têm palavras que exprimam a dor da alma e o terror que emana da alma do casarão, percebo porque são surdos os que temem ouvir algo que os leve a insurgirem-se contra a alma escura que todos os dias se ergue com a carruagem de Hélios. É o medo! Medo do ar que respiramos, medo de respirar a liberdade, medo do ar que me sussurra coisa aos ouvidos enquanto o vento assobia nas copas... Oiço vozes! Vozes por todo o lado! Ao ouvir essas vozes tenho a certeza confirmada que passei completamente para o outro lado: estou insano!

Hoje oiço-as a gritarem-me! Gritam à demesurada, uivam à lua cheia, bradam em triunfo que têm a minha cabeça nas suas mãos e que passarão agora à fase da violência.

Violência... Violência... Violência! Como a contrariar? Correndo? Então eu corro! Parando? Então eu paro! Usando as cordas? As cordas! Vou buscar as cordas é isso mesmo! Vou a correr, cordas nas mãos em direcção ao portão. A tontura afastou-se de mim e não a sinto desta feita, sinto isso sim o suor a escorrer-me pelas faces, os olhos a abrirem-se em terror, a língua a pender-me da boca. Chegado ao portão olho através dele e sinto-me a tremer... Não! Não são tremores, são autênticas convulsões aquilo que tenho, convulsões de medo. Oiço de novo as vozes na minha cabeça! Estão inquietas, amotinam-se dentro da minha cabeça, já penduram os mortos nos galhos mais altos...

-Deixem-no pendurado na árvore, "faz-lhe" bem! Não vêem como está a melhorara da sua loucura?
-Doutor, isto estava no bolso dele. Parece um bilhete...
-Que diz?
-"Sanatório: deixa-me em paz!"

Purgatório de sentimentos

Almas felizes repousantes
No suave leito do amor,
Que voando com asas de condor
Resistem a momentos oscilantes.
Porque o triunfo do coração,
No PARAÍSO é doce canção.

Almas desfeitas pelo final;
Lágrimas pesarosas, dolorosas
De mil atitudes maldosas,
Até ao acontecimento mais trivial.
Porque o amor que alegria traz
Se torna INFERNO, no mundo que se desfaz.

Do meu PURGATÓRIO, olho sonhador...
Muito para rir, muito para chorar;
Na caixa do meu amor
Não há extremo para tocar...
E se escapo ao mais vil sofrimento,
Não provo porém o mais doce contento.

domingo, novembro 09, 2003

pequeno poema para ti (que não sabes quem és)

Sai-me da vista! Sai-me do coração!
A vida comigo pareces não querer
Resta-me a ténue esp'rança sem razão
Afinal por quem mais posso eu viver?

sexta-feira, novembro 07, 2003

Faster

O mundo deslizava por baixo dos seus pés como uma passadeira rolante artisticamente trabalhada. Mas os olhos daquele homem permaneciam abstraídos do que o rodeava. Naquele momento, além de um ou outro obstáculo no seu caminho, a sua mente não deixava de se contorcer em volta do extraordinário conjunto de circunstâncias que o trouxeram àquela situação.
O homem corria – dir-se-ia que voava – há muito tempo. Desde que aquele pesadelo começara que ele não tinha parado de correr – ou voar, ou deslizar – por aquela sucessão de fotogramas a que chamamos realidade.
Naquele momento o homem fez um esforço para se lembrar... Quando fora? Ah, sim, fora num Verão... Naquela maldita Meia Maratona...

Gabava-se de ser um corredor mediano, um "atleta part-time", um homem de ciência, que conjugava a custo a corrida com o horário de trabalho no Acelerador Cyclotron II do Departamento de Física Quântica João Magueijo, na FCT-UNL.
O projecto megalómano demorara 20 anos a ser construído – fora as décadas de concepção – mas em 2063 era já uma realidade. Com um diâmetro de 12 km, o enorme acelerador de partículas englobava no seu perímetro Almada e Caparica. Tal era a escala necessária a um empreendimento daquela natureza. O consórcio multinacional decidira construir o mega-acelerador em Portugal, prestando assim homenagem ao famoso cientista que tivera a coragem de questionar um dogma com pouco mais de cem anos. As implicações práticas da teoria supra-fotónica eram incríveis; e tentar, sequer, aflorá-las exigia infra-estruturas muito específicas. Enormes. E caras, muito caras. Tão caras que o projecto fora adiado inúmeras vezes, e inúmeras vezes salvo por injecções de capital do "mecenato" de empresas interessadas. Passada à prática, a teoria supra-fotónica revelar-se-ia muito frutuosa.
A filantropia paga-se sempre.

Ele sempre se sentira interessado pelo infinito, em todos os sentidos. O mínimo e o máximo. Do sub-atómico ao cosmológico. E foi sem surpresa que os seus pais o viram enveredar pelo curso de Física Aplicada na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova, no Monte da Caparica. Uma decisão reforçada pelo anúncio de que as instalações do futuro Cyclotron II seriam ali erigidas.
Trabalhar no acelerador seria o culminar de um velho sonho: o de alcançar um fotão desgarrado – qual pirilampo vagabundo numa constelação de colisões – e ultrapassá-lo!
Ao fim de dez anos de estágios e doutoramentos, os cérebros do Comité Científico do consórcio consideraram-no apto a integrar a equipa de trabalho do acelerador. Ele recebera a notícia com uma euforia desmedida, um êxtase visceral a que não sucumbira por pouco. Nessa noite a sua mulher estranhara o ímpeto apaixonado, a avidez com que ele desfrutara do contacto dos seus corpos. Cansada, acabaria por compreender que aquele projecto traria um vigor inusitado ao seu marido, que sempre desdenhara como fraco amante e companheiro distraído.



Os anos passaram e os seus filhos testemunharam o erguer das gigantescas gruas e o rugido das toupeiras mecânicas, enquanto escavavam quilómetro após quilómetro de leito rochoso, quais Leviathans da nova era. A inauguração do gigantesco complexo fora celebrada, como não podia deixar de ser, com grande pompa e circunstância, a que não faltaram sequer os grandes líderes mundiais de então. O entusiasmado e envelhecido cientista, esse, mal ligara ao remoinho multicolor de estrelas mediáticas e comunicação social. Só tinha olhos para o imenso sistema de painéis de controlo que estaria a supervisionar, entre trinta outros colegas, na semana seguinte.

Eram estas as recordações que passavam à velocidade de um relâmpago pela mente do corredor. Este já se deixara de definir como um corredor. Sentia-se como uma automotora desgovernada, um cometa extraviado da sua órbita regular para uma trajectória ruinosa. Mas mais aflitivo do que aquela correria sem rumo, mais aflitivo do que não conseguir parar, era aquela sensação. Sentia-a no estômago, aquela maldita aceleração. Desde que aquilo começara que não tinha deixado de aumentar de velocidade. Imperceptível a início, aquela força invisível puxava-o para diante com uma intensidade perversa, quase sádica. O pobre homem tinha deixado de calcular a sua velocidade quando a sua visão do mundo se começara a desvanecer, as cores e as figuras distorcidas como testemunhos de uma passagem alucinante por um mundo a que já não pertencia.

Voltou a esforçar a mente. Tinha de puxar pela cabeça. "Pensa, homem, pensa!" E a recordação voltou. A recordação daquela fatídica noite em que, pela primeira vez na História da Ciência, se registou o movimento de uma partícula a uma velocidade superior à da luz. Os instrumentos zumbiam, reflexos baços do cientista maravilhado. Freneticamente, teclou instruções de modo a calcular a velocidade exacta. Segundos depois os monitores debitaram o valor mágico: 1,37c!
Nesse instante duas coisas sucederam: uma falha nos geradores percorreu as instalações, cujas luzes cintilaram, intermitentes; o cientista, sozinho na sala de controlo, reparou na falha ao mesmo tempo que um brilho fantasmagórico se emanava da maquinaria circundante. Estranhava a falha, mas não tanto como aquela névoa tremeluzente que se difundia através das paredes. Algo o intrigava naquele comportamento...

Foi então que o terror das evidências tomou conta de si. A névoa estava a concentrar-se num só ponto daquela sala, e esse ponto era ele próprio. Esbracejou, desesperado, mas era tarde demais. Encontrava-se rodeado por uma aura gélida, cintilante, que nada tinha de reconfortante ou maravilhoso.
Envolvia-o o próprio hálito da Morte.

A única coisa de que se lembrava no dia seguinte era de que o acelerador tinha sofrido uma avaria, devido a uma falha momentânea nos geradores de fabrico soviético. Pensou com desdém no enorme Mausoléu de Chernobyl, e deu graças por ninguém se ter ferido. Ninguém, além dele próprio.
Porque ele sentia-o. Não o sabia descrever, mas não se sentia o mesmo desde aquela noite. Sentia-se fora de tempo, como... como um relógio ligeiramente adiantado? O mundo continuava igual mas... monótono. Diria mesmo lento.
Foi então que decidiu começar a correr. A mulher advertiu-o para o perigo de começar a fazer exercício físico numa idade daquelas, ainda mais sem supervisão. Mas ele não sentia qualquer necessidade dum treinador. Julgava até que tinha nascido para aquilo. Começou por correr à volta do bairro. Depois, de casa para o trabalho. Os treinos sucediam-se a um ritmo e intensidade crescentes. Continuava a trabalhar no acelerador, revendo registos atrás de registos do espantoso percurso daquela partícula desgarrada. Os registos em si eram igualmente espantosos. Segundo estes, a partícula percorrera os 38 km do perímetro do Cyclotron 119.923,25 vezes, num total de 11 segundos antes de desaparecer completamente do alcance dos detectores. Sem mais nem menos.
Era um facto que o intrigava na altura, a par da estranheza da sua própria condição – com a diferença de que esta não podia ser medida. Uma partícula não se volatilizava assim, sem deixar rasto. A potência dos aparelhos permitia-lhes um grau de rastreio que não deveria deixar escapar a mínima perturbação electromagnética.

Fora para desanuviar a mente dos seus problemas que o físico se resolvera inscrever na 60ª Meia Maratona de Lisboa. Seria uma corrida leve, comparada com o treino a que se submetera nas semanas anteriores. Deveria ultrapassar os profissionais da modalidade com facilidade. Sorria para si mesmo enquanto pensava nas manchetes do dia seguinte: "Físico português vence Meia Maratona com 17 minutos de avanço do tricampeão queniano!". Era uma extravagância que podia conceder a si mesmo.

"Idiota! Deitaste tudo a perder..." pensou para si mesmo enquanto acelerava cada vez mais. Estava agora rodeado por um borrão indistinto, aquilo que anteriormente fora o seu mundo, o seu berço.
"Se não me tivesse armado em esperto..."

Recordou o momento em que se preparava para ultrapassar Essaniouwy, o expoente máximo do fundismo internacional.
Recordou o instante em que o corredor negro o olhou nos olhos, um olhar incrédulo. Um olhar de medo.
Recordou a voz embargada dos repórteres nas motorizadas, quando os ultrapassou.
Recordou o ruído ocasional dos condutores que se despistavam, incrédulos, quando o viam passar como uma flecha na auto-estrada.
Recordou o estampido ensurdecedor de Mach1.
E agora atravessava o mundo a uma velocidade imperceptível, de tão rápida, maldizendo a sua sorte.
Não saberia se alguma vez iria parar, ou se morreria antes disso. Estava completamente só e desamparado numa realidade que não cria sua.

Foi então que as trevas vieram.

E com elas o horror. O horror de ver um corpo que se desfazia para dar lugar a uma névoa enregelante e familiar.
O horror de saber que agora era mais um espectro condenado a vaguear para sempre no vazio.

quinta-feira, novembro 06, 2003

Se não pagas um copinho pagas com o corpinho

Era um quente dia de praxes...um caloiro despistado convive com dois veteranos bem regados. No meio de todo aquele convívio o veterano Cândido vira-se para o caloiro despistado e diz:
“Se não pagas um copinho pagas com o corpinho”
O caloiro consciencioso do seu dever dirige-se para o Bar da dona Ágata e, aproveitando a boleia do último cliente que comprara umas Cristais, pede três...
A dona Ágata responde: “Vieste tarde meu filho...” o caloiro replica: “e...não tem alternativa?” “Umas loirinhas são capazes de se arranjar” graceja a dona Ágata.
Quando o caloiro se chega à beira dos explanados veterano, o veterano Ambrósio vira-se e diz: “não sabes que esta é para pedreiros? Um veterano tem que explicar tudo...bem...acaba lá com ela antes que ganhe teias de aranha. O caloiro mama uma, mama duas, mama três, mama quatro, mama cinco, mama seis e não acabou a sétima...perdeu os sentidos por momentos...a cabeça rodava e o caloiro gregoriava, o caloiro chorava e o Ambrósio apalpava. Os veteranos aproveitaram o estado do caloiro para o levar a um bar gay...Bordas abertas era assim que se chamava...O caloiro que ia nos braços do Cândido, naquele seu estado semi-acordado ainda consegue ler à entrada o lema do bar: “Se não pagas um copinho pagas com o corpinho”...Os trocos do caloiro tinham acabado...o pânico estava instalado...caloiro só ouvia:
“Não se preocupe que não vai ficar entalado...damos-lhe uma pomada que o deixa aliviado...”

terça-feira, novembro 04, 2003

Cor castanha

A cor castanha…

…está pintada na colina em frente…
Aquela que me deixa contente...
Estão as videiras a descansar
E as castanhas na boca a estalar.
Os passarinhos deixaram de voar,
E o vento começou a soprar.

O Sol na colina depressa se funde,
E com o castanho que se confunde
Com o negro, com o frio que surgiu.
Quais pessoas, quem as viu?
Com frio e com medo,
Que o Outono as esconda mais cedo?!

2000/Dez/20

Um homem perdido,
No meio da multidão.
Uma multidão que vive,
Num mundo de solidão.
Tentas abaná-los, para ver se acordam,
Viram-se para o outro lado,
Não te ligam, resmungam
E continuam.

Um homem diferente,
À procura do seu eu.
Uma alma perdidamente
Em busca de quem a complemente.
Uma foto, uma carta, uma caneta
E a mente de um poeta que encara
A folha branca da sua vida
(Para os outros) perdida.

2001/Abr/03

Estás tão distante e ao mesmo tempo tão próxima
Que quando ganho asas e quero voar
Como a águia sobre o coelho,
Esbarro em ti, barreira de ar,
Forma invisível que me bloqueias.
Nem gostei de ti realmente,
Mas para ti quero regressar suave e brevemente
Nos dias de praia que aí vêm.
Naquela onde estivémos eu quero ir,
Por não ter agora ninguém a quem sorrir.

segunda-feira, novembro 03, 2003

OBRIGADO

Pelas ruas e os prédios cor-de-rosa
As noites, as tardes e as manhãs
Pelas calçadas e as praias
Onde juntos caminhámos
Pelos momentos de magia
Pura e simples
Pela paciência, pela companhia
Pela amizade e por tudo o mais
Que nunca saberei como agradecer...
Obrigado!

2000/Jan/06

Cansado

Estou cansado de ser sempre o melhor amigo.
Ando farto de estar lá sempre contigo,
A teu lado, sempre a apoiar-te.
A querer ser um eu que não sou.
Não aceito mais que me digam
Que sou um bom amigo.
Sei que nos dias que correm
O bom amigo é raro de encontrar.
Sei que hoje em dia
O bom amigo é uma boa desculpa para acabar.
Uma desculpa, do mais banal que há.

É por isso que digo:
Não quero mais ser amigo.
Prefiro ser o ex-namorado
de quem nunca dirás bem,
com quem não mais falarás.
Prefiro ter-te nos meus braços,.
beijar algo mais que a tua face,
A ser teu amigo para todo o sempre,
Pelos tempos dos tempos.

2001/Mar/21