quarta-feira, junho 13, 2007

Babilónia

Abriu a porta com um, aquele, gesto lento de quem não quer… De quem não pode! A porta deslizou lentamente, como que escondendo algo!

A casa estava arrumada… Minimamente arrumada! Não tinha uma cadeira de baloiço, nem lareira, nem os quadros do Simão… mas sentia-a como o seu Lar!

Abriu o congelador e tirou umas pedras de gelo, serviu-se… de um licor qualquer! Uma bebida num copo com gelo ficou, parada, imóvel, em cima da pequena mesa!

(uma bebida que nunca bebeu… uma bebida que não foi bebida!)

Seguiu caminho até à pequena varanda… Pequena demais para todos os seus sonhos, talvez! Acendeu um cigarro que fumou! Sentiu o fumo entrar-lhe nos pulmões… Como o ar frio numa manhã de Janeiro… Deixou-se ficar a pensar… Mais a pensar nos sonhos que nunca teve, do que nos que perdeu… Mais a pensar no filho que nunca viu crescer do que nos que queria ter… Mais a pensar no que poderia ter tido, mas que nunca sonhou… Na surpresa que o Mundo lhe guardaria se não… Sabia agora que tinha saudades dele… Do seu perfume, não daquele no frasquinho giro que lhe tinha oferecido… Mas, sim, do seu cheiro… Dos boxers no sofá, da toalha de banho no chão, das botas na sala, até daquele habito irritante de deixar sempre alguns pelos no lavatório depois de desfazer a barba…

(queria voltar para dentro!)

Acendeu outro cigarro e deixou ficar a olhar as estrelas… Aquelas constelações que conhecia por ele as ter apresentado… Sorria, lindo, olhando-as como uma criança enquanto contava como se chamavam e onde estavam…

Porque não ouvi com mais atenção!?

Lembrou-se, então, porque tinha comprado uma casa nova… Queria-o fora da sua vida… Queria dizer o Adeus que nunca disse… Queria seguir em frente, mas não conseguiu, pois não?

(uma suave lágrima escorreu no seu belo rosto! hoje, sob este céu estrelado e esta pequeníssima lua em quarto crescente, mais belo que o costume! não que não fosse bonita, mas hoje… e esta lágrima que escorre, iluminando uma pequena parte do seu rosto… esta lágrima que agora se suspende no seu queixo, teimosa... e teima, em não cair e não cai mesmo…. ela limpa-a com um suave toque…)

Porque é que não lhe disse antes… Se tivesse dito, naquela manhã de Outubro… Se… Talvez…

(porque não disse!?) – agora nunca saberei

(dizer o quê? – conta-me a mim, eu sei… eu sei os se’s, e os talvez… – dizer o quê?)

Começou a chorar, não de forma violenta ou patética… Um choro profundo de tristeza e desconsolo, um choro do coração que não se ouve ou se vê…

(mas eu vejo, eu sinto, eu sei… conta-me? dizer o quê?)

O Adeus que nunca disse… O Adeus que nunca disse… O Adeus…

Adeus…

Adeus…

Adeus…

(como se repetir três vez adiantasse de alguma coisa, agora não… é certo… agora não… porque não disse logo naquela manhã de Outubro… porque não…)

Pensou no seu rosto a sorrir quando lhe contasse, o sorriso que nunca viu, a alegria que nunca sentiu… Que podia ter sido com aquele pôr-do-Sol, naquela praia perto de casa, naquela tarde de Outubro… Mas naquela manhã preferiu não dizer… Não o queria deixar expectante… Já sabia como ele iria ficar… Como ficava sempre… Porque não lhe disse… Se lhe tivesse dito talvez ele…

(dito o quê?)

Talvez ele… Talvez o Simão… Talvez o Simão não se tivesse matado…

(dito o quê?... tu não sabes… tu não sabes isso, mas eu sei! deixa-me ajudar-te…)

Sim, naquela manhã de Outubro, em que o Sol espreitava tímido por entre algumas nuvens cinzentas… como gostava de o ver assim na cama, calmo e lindo, a respirar profundamente, tão suave quanto o Sol a levantar-se no horizonte… Esse Sol que ele olhava, agora, desconfiado… E ela já pronta, olhava-o com censura… Espreguiçou-se lentamente e levantou-se pronto da cama, deu-lhe um beijo terno, ela sentiu… e sabe agora que foi o seu último beijo… Podia ter respondido mais apaixonadamente… Mas tinha pressa queria fazer-lhe uma surpresa quando chegasse a casa… Queira mesmo, sinceramente… não o diz agora que não há nada a fazer… Queria mesmo… Soluçou!

(que surpresa? – conta-me!)

A noite estava fria, apesar de Junho se encontrar já no final, abraçou-se a si própria… Não queria voltar para dentro… Sentia-se próxima dele, ali… Apesar da casa ser outra, não a casa das suas recordações… mas era uma casa, um Lar…

Queria tanto ter-lhe dito logo…

(dito o quê?)

Porque não disse logo que nessa tarde ia ao médico… que nesse por-do-Sol, naquela praia, naquela tarde de Outubro iram estar a ver a primeira foto do seu filho… Porque não disse que o sabia… que o sentia, mais forte do que si… Aquele sentir que só uma Mãe sabe… Porque não disse logo…

(acendeu outro cigarro… este trazia o sabor metálico que arranha a garganta… queria apagá-lo…)

Sentiu a porta de casa a abrir… Apagou o cigarro e voltou, finalmente, para dentro… Um míudo, que aparentava uns quatro/cinco anos entretinha-se alegremente, fascinado... como qualquer criança… Os seus olhos brilhavam, como ela imaginava que os do seu pai brilhariam naquela idade que agora era sua! Sorriu, e olhou o quadro na parede, como se fosse a primeira vez, ou a última… Na cadeira de baloiço um homem descalçava-se, chegou por trás dele e abraçou-o como se fosse a primeira vez, ou a última!

(simão… tive tantas saudades tuas!)

Suspirou!

2 comentários:

alphatocopherol disse...

absolutamente... sem palavras! Um regresso mais que brilhante!

Chas. disse...

Eu estou com-palavras... algumas...
Gostei muito! Um belo texto que combina o sentimento de vazio, que sentimos quando se perde alguém, com o sentimento de reconforto quando encontramos uma segunda oportunidade.