Depois de um voo atribulado, devido ao mau tempo que se fazia sentir em toda a região, tinha chegado finalmente à cidade que me iria acolher nos próximos dias enquanto participava num congresso de história medieval. O terminal de aeroporto era bastante amplo e apresentava diversas indicações em inglês sobre o câmbio para a moeda local, tempo que se fazia sentir (bem frio e chuvoso por sinal), indicações sobre os transportes que faziam a ligação do aeroporto ao centro da cidade, entre outras indicações úteis para o viajante desprevenido. Depois de recolher a bagagem dirigi-me à zona de câmbios do aeroporto onde fui atendido por uma funcionária:
- I wanted to change 200 euros what is the changing rate?
- Can’t you see it on the screen?!
- It’s your job telling me the changing rate; if you can’t do it pick another job.
…
Depois de quase fazer um requerimento por escrito a apresentar queixa da funcionária lá consegui que me trocasse o dinheiro que necessitava. Dirigi-me para o terminal de táxis esperando que esta primeira impressão não se confirmasse ao longo a minha estadia. Mal cheguei ao terminal apanhei o primeiro táxi que apareceu
- Hotel Panorama please
Era notório que o taxista não dominava bem a língua inglesa mas havia compreendido o meu pedido que era o que interessava. Dirigíamo-nos para a cidade propriamente dita visto o aeroporto ficar nas redondezas da mesma, a cidade era esplendorosa onde se destacava uma mistura de edifícios do antigo regime comunista, grandiosas catedrais, castelos e museus. As ruas estavam perfeitamente alinhadas umas com as outras e a simetria e consonância entre os edifícios davam à cidade um aspecto geométrico, artificial, como se de uma maqueta se tratasse. Enquanto me admirava com o aspecto geral da cidade não pude deixar de notar que o taxista que me conduzia estava bastante concentrado naquilo que estava a fazer, e para além disso gesticulava com todo e qualquer taxista que lhe aparecesse pela frente, como se fosse algum código secreto entre eles, se umas vezes acenava, outras vezes mandava avançar ou parar como se de um policia sinaleiro se tratasse, o mais estranho é que os outros taxistas se comportavam da mesma maneira, que estranho todo aquele panorama! Tínhamos chegado ao hotel, era um hotel relativamente recente com um hall de entrada amplo, dirigi-me à recepção onde se encontrava um homem bastante delicado, para não dizer efeminado, que me atendeu:
- Good afternoon, I booked a room, my name is Pedro Alcântara.
- Let me check the files….check in confirmed, your room is the 221, our team wish you a pleasant stay…just one more thing, you can also book here the return flight if you wish.
- I’ve already booked the return flight; just don’t forget to add me to the wake up list
- Ok
Subi até ao meu quarto, era pequeno mas com tudo o que para poder passar ali alguns dias. Arrumei todos os meus pertences, tomei um banho e resolvi ir jantar fora do hotel até para conhecer um pouco melhor aquela estranha cidade. Ao sair para o exterior não pude deixar de notar que o frio era cortante, de modo que me dirigi com passo estugado até à avenida principal, onde estavam alguns restaurantes, entrei num bastante castiço com mesas que mais faziam lembrar enormes troncos de árvore cortados longitudinalmente onde me sentei e fui atendido por uma bela empregada, que me cumprimentou na sua língua
- dobrá nocní
- Do you speak english?
- A little bit
- I want a Svikova and a krusovice beer. Did i pronounce it correctly?
- You did it well but we say Svicková
- I won’t miss it next time
Comi bem e bebi ainda melhor, antes de pagar a minha conta fui à casa de banho do restaurante, era um bocado estranha pois para fazer o que mais ninguém podia fazer por mim tinha duas opções, tinha um compartimento com uma porta que isolava todo o cubículo; e tinha outro cuja porta que ficava a meia altura e que também tinha abertura por baixo. Por que carga de água havia duas portas tão diferentes na mesma casa de banho? Seriam duas casas de banho, uma para pessoas que requerem maior privacidade e outra para pessoas menos recatadas…deixei-me de pensamentos profundos, afinal já tinha ultrapassado a minha cota de álcool. Paguei a minha conta e saí. O frio tinha-se acentuado, mesmo para quem tinha comido e bebido bem, de modo que não tive outra alternativa senão acelerar o passo, aquela era uma zona de bares e restaurantes assim que havia uma certa animação apesar do frio, reparei que em todos os bares e night-clubs por onde passava havia uma espécie de angariadores de clientes e mais estranho ainda, e sem ser racista, eram todos pretos, e eu que desde que chegara à cidade não me lembrava de ter visto algum, pelo menos durante o dia, parece que se tinham reunido todos àquela hora naquele local, resolvi tirar uma foto daquele cenário estranho. Estava a começar a achar aquela cidade mais estranha do que seria de esperar para uma cidade estrangeira.
No dia seguinte levantei-me cedo, afinal a conferência a que me tinha proposto participar iniciava-se praticamente ainda de madrugada. Saí do hotel, à entrada estava um grupo de policias a multar um carro que estava numa posição bizarra: primeiro estava numa zona para peões bastante afastado da estrada propriamente dita, em segundo o carro estava numa posição pouco ortodoxa, apoiado exclusivamente na duas rodas de um dos lados, e com as restantes apoiadas sobre um pequeno parapeito, os polícias tiravam fotos daquele cenário quando pararam de o fazer para olhar para mim com ar inquisidor como se fosse eu o dono daquele carro, resolvi não pensar mais no assunto e concentrar-me na minha palestra agendada para aquele dia. Cheguei ao centro de conferências, na universidade local ainda a tempo das primeiras apresentações, o ambiente estava ao rubro pois ali estava em causa a preponderância que cada país tinha tido na idade média, assim não era de estranhar que o período de discussão e dúvidas fosse mais extenso do que a exposição propriamente dita. A minha palestra era “Inquisição, uma herança actual” aproveitei para improvisar um pouco sobre aquela terra e sobre a herança do antigo regime comunista daquele país, obviamente os estudiosos locais não gostaram da minha intervenção e aproveitaram para criticar o comportamento da Inquisição em Portugal, obviamente toquei-lhes no nervo, e as consequências foram imprevisíveis, pois este é um povo que não esquece… Após alguma discussão acesa a situação pareceu acalmar e a normalidade aparentemente voltou ao anfiteatro. As palestras foram-se seguindo dentro da normalidade, no fim pude dar-me satisfeito com a minha intervenção e com aquilo que havia aprendido. Terminadas as conferências, voltei para o hotel, desta vez trovejava e a meio caminho do hotel começou a chover abundantemente tal como se me fosse cair o céu
Depois de um banho quente e ter trocado de roupa dirigi-me para o restaurante do hotel, estava apinhado de gente, algumas caras tinha-as visto na conferência. Servi-me do buffet com comida de todo o mundo desde a famosa paelha espanhola, passando pelo porco alemão, ou os bifes de carne picada russos, sem esquecer o chapati indiano. Servi-me de um pouco de cada coisa e sentei-me na minha mesa. Estava um grupo a falar atrás de mim, falavam todos em inglês mas com pronúncias provenientes de diversas partes do globo e estavam a ter uma conversa bastante estranha:
- …he’s Portuguese, is an historian and since he arrive this city is getting trouble in each corner he passes…
Fiquei perturbado com aquelas palavras, as semelhanças comigo eram evidentes, mas não era possível, não os conhecia de parte alguma nem sequer de os ver nas conferências de hoje, tinha de ser outra pessoa. Terminei de jantar e fui à recepção onde estava o mesmo homem efeminado que havia encontrado na chegada.
- Good evening I wanted to use internet.
- Ok, you can use the pc in that corner
- It’s 0.75 cents each 10 minutes, you need to insert a coin in the machine near the pc
- Ok, thanks
Fui para consultar o meu e-mail, estava à espera de receber alguns mails importantes da faculdade e não podia esperar mais. Inseri a moeda e abri o browser, fui para a minha conta de e-mail e quando ia para a minha caixa de entrada, retrocedia na página para a que tinha estado anteriormente. Tentei uma e outra vez sempre com o mesmo resultado. Consultei as minhas outras duas contas de e-mail, e precisamente quando estava para entrar na minha caixa de entrada, o browser recuava para a página anterior. Era impossível todas as minhas contas de e-mail terem o mesmo problema, voltar para trás precisamente quando estava para entrar na caixa de correio. Podia alguém estar a controlar as páginas que ia abrindo?! Nunca tinha visto tal coisa, mas já estava num estado em que desconfiava de tudo e todos. Olhei para o recepcionista e efectivamente estava ao computador, levantei-me rapidamente e dirigi-me a ele. Quando me viu aproximar ficou meio atrapalhado.- I’ve a problem using the browser; i can’t access my e-mail accounts, and all of them have the same problem, when I try to go to the inbox it returns to the previous page.
- Let me try
- I can’t see any problem with the pc.
- Just a moment let me try again
Enquanto o recepcionista estava comigo consegui abrir a minha caixa de correio
- Now i can open my inbox, strange…
Depois de consultar o meu mail, resolvi ir para o meu quarto. Tinha sido um dia estranho, mais um desde que chegara àquelas paragens, e por muito que me tentasse abstrair, vinha-me sempre ao pensamento aquelas estranhas palavras no restaurante ou o episódio da Internet, para não falar em todos os outros pequenos detalhes que faziam daquele lugar um sitio bizarro. Praticamente não consegui pregar olho toda a noite, noite de trovoada incessante.
Levantei-me de manhã cedo, aquele era o último dia conferências, que hoje recomeçavam depois de almoço, aproveitei a manhã para trocar mais alguns euros e decidi fazê-lo fora do hotel, em busca de uma taxa de câmbio mais baixa e também ficar a conhecer melhor a cidade, também o banco mais próximo não poderia estar muito longe. Procurei pessoas mais novas pois em principio essas saberiam falar o inglês. Passei por uma bela jovem e perguntei:
- Where is the closest bank?
- I don’t know, sorry
Continuei em direcção a um ponto central pois ai teria mais hipóteses de encontrar o almejado banco, pelo caminho encontrei outro jovem ao qual lhe perguntei:
- Where is the closest bank?
- I don´t know
Parecia ser uma resposta recorrente, mas será que toda a gente desta cidade tinha o dinheiro debaixo do colchão?! Tentei perguntar mais algumas vezes mas a resposta foi sempre a mesma, já me sentia como se fosse um pedinte a mendigar por uma indicação que teimava em não chegar, a propósito de pedintes, todos os que havia visto tinham o mesmo comportamento, ajoelhavam-se de cabeça baixa em frente a um chapéu ou algo que lhe valesse, onde recebiam a esmola; era uma cidade muito uniforme em termos de comportamentos, não havia grande margem para a diferença, e eu realmente ali sentia-me um estrangeiro. Depois de andar uma hora à procura sem sucesso decidi voltar ao hotel, e pagar uma taxa mais elevada. De regresso ao hotel, parecia ver no semblante das pessoas que se cruzavam comigo um sorriso de troça. Seria impressão minha pelo cansaço acumulado e pelo acumular de situações estranhas que havia vivido desde que chegara àquela cidade.
Cheguei ao hotel e na recepção fui ver se me trocavam 70 euros, seria o que precisava até sair daquele país. Mas a resposta foi contundente
- We don’t have the exchange service available because of technical problems
Realmente estava atado de pés e mãos, só com euros no bolso não me iria safar naquele país. Resolvi não pensar muito mais no assunto, não ia adiantar nada. Dirigi-me ao centro de conferências e procurei alguém que estivesse interessado em trocar alguns euros, mas de todos a resposta foi a mesma.
-“I didn’t brought the wallet”
Aparentemente ninguém queria colaborar comigo e toda aquela maré de infortúnio tinha começado depois da minha intervenção no dia anterior na conferência.
No final das conferências voltei para o hotel, jantei qualquer coisa e fui para o quarto arrumar as coisas a fim de no dia seguinte de manhã regressar a Portugal. Só tinha euros no bolso, o positivo é que podia pagar a conta do hotel em euros, mas o transporte para me levar ao aeroporto é que forçosamente teria que pagar com a moeda daquele pais, o aeroporto distava do hotel mais de 13 Km’s.
Na manhã do dia seguinte, depois de tomar o pequeno-almoço, dirigi-me à recepção a fim de ver se o serviço de câmbios já estaria operacional. Atendeu-me o mesmo recepcionista efeminado:
- Hi, the exchange service is already available?
- No, I’m sorry
- Where can i exchange some euros?
- In this zone there is no such place apart from the hotel, only in the city center in some bank or exchange house.
- Today is Sunday I don’t think I’ll have any luck. There is the possibility to call a taxi that accept euros?
- The telephone line is down since yesterday
- There is something working in this hotel?!
- I’m sorry
- I also wanted to check out and to pay in euros
- Just a moment
…
it’s 120 euros
Paguei a minha conta de má vontade e decidi voltar a tentar a minha sorte lá fora. Tinha partida de avião às 13h00, era naquele preciso momento 9h00, teria que me apressar se o queria apanhar ainda hoje. Resolvi tentar apanhar um táxi e simplesmente perguntar se aceitava euros. E foi o que aconteceu mas a resposta infelizmente não me surpreendeu.
- I don’t accept euros!
Ainda tentei abordar mais dois taxistas mas as respostas foram tiradas a papel químico da primeira. Resolvi tentar o autocarro, tinha uma ideia dos números dos autocarros que me levariam ao aeroporto. Entrei pela porta de trás de forma ao condutor não me ver, o autocarro estava apinhado de gente que me fitava com olhar reprovador, ouvia alguns comentários na língua local que percebia virem dirigidos a mim muito embora não soubesse o que significavam. Numa paragem mais à frente vi entrar o revisor, que mais me podia acontecer, parecia a vingança perfeita…. Antes do revisor me abordar saí numa paragem algures, já nos arredores daquela cidade. Não devia estar muito longe do aeroporto, de maneira que procurei alguém que me indicasse o caminho para fazer a pé, já carregava a minha mochila há um par de horas, assim quanto antes chegasse ao aeroporto melhor. Encontrei um transeunte ao qual me dirigi:
- The airport please!
- I don’t know
Aquele ritual de conversação com transeuntes repetiu-se durante uma hora, mas as suas respostas culminavam sempre num encolher de ombros, já não sabia o que fazer para sair dali, já eram 12h00 e o mais certo era perder o voo de regresso.
Até aquele instante a colaboração que havia recebido era nula, ninguém sabia onde trocar dinheiro nem onde ficava o aeroporto. Portugal tinha muitos defeitos mas numa situação semelhante um estrangeiro já teria recebido indicações como se “desenrascar” e certamente já estaria a fazer o embarque de regresso a casa. Não valia a pena lamentar-me o que interessava agora era encontrar o maldito aeroporto.
Continuei a andar sem rumo, até que avistei ao longe uma estrutura que se parecia com um aeroporto: diversas balizas a indicar a direcção do vento, um radar enorme, uma torre de controlo, tudo condizia. Ganhei novo ânimo e acelerei o passo. Quando cheguei, para alem das características de aeroporto que havia visto à uns minutos atrás, vi mais qualquer coisa que me desconcertou, em vez de ver pessoas em trânsito com as suas bagagens vi uma multidão de crianças acompanhadas pelos seus respectivos pais naquilo que era um parque temático relacionado com aeroportos. Fiquei branco como a cal, tudo isto parecia uma brincadeira de mau gosto e eu era o alvo. Praguejei com todas as minhas forças naquele mesmo local, todos me olharam com surpresa mas no instante seguinte seguiam como se nada fosse com eles. Continuei a andar até ver uma indicação com um símbolo de um avião, era provavelmente a minha única chance, resolvi segui-la. Percorri aquela estrada durante quase uma hora perguntando-me se teria seguido o caminho certo, até que me apercebi de um avião a aterrar perto, só podia ser ali, segui a direcção do avião até chegar ao aeroporto, finalmente estava diante do verdadeiro aeroporto, mas já eram 14h00, e o meu voo estava marcado para as 13h00. Ainda fui ver nos ecrãs informativos se o voo estava atrasado ou não, mas nenhuma informação a esse respeito aparecia, depreendi que já tinha partido. Dirigi-me ao balcão da TAP a fim de esclarecer toda a situação e arranjar voo de regresso quanto antes.
- Tinha um voo de regresso a Portugal reservado para as 13:00 mas não me foi de todo possível estar cá a essa hora. Gostava de saber quando é o próximo voo para Lisboa?
- O seu nome por favor
- Pedro Alcântara
- …
Exactamente, tinha voo marcado para as 13:00, o próximo só 3ª-feira à mesma hora.
- Está-me a dizer que tenho de ficar aqui dois dias à espera?! Não há nenhuma alternativa dalgum voo com escala, com outra companhia?
- Infelizmente não, os funcionários do aeroporto de Lisboa estão em greve até 3ª feira precisamente, mesmo que encontre outra companhia que faça o voo antes terá sempre que aguardar por 3ª feira.
- E o que é que eu fico a fazer aqui durante dois dias?
- Tem uma cidade lindíssima para visitar, o que não dariam muitos para estar na sua situação! Afinal esta é uma cidade especial, quem a visita fica a ver o mundo de uma perspectiva diferente. A cidade está pensada ao pormenor não sei se já reparou, parece um jogo de xadrez.
- Sim deve ser uma cidade interessante para quem goste de ser uma peça de tabuleiro em vias de lhe fazerem xeque-mate!
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