sexta-feira, junho 10, 2011

O Cadáver Branco da Inocência

 Abraçava-o com força e apenas a certeza de que não sentiria nada lhe dava algum conforto. Lá em baixo o gélido rio batia contra os pilares da ponte. Tudo tinha de ser rápido, se vacilasse tiravam-lho, internavam-na e ele...

 Tinha sido uma alegria a notícia, mas o nascimento dera origem ao desapontamento. Não havia reacções, só respondia ao toque. Não adiantava falar, mas ela precisava de lhe dizer quanto gostava dele; não olhava para ela, só para o infinito, mas ela não conseguia tirar os olhos dele. Não adiantava falar com ele, mas ficava acordada para ouvir um gemido, um grito, um som. Aos poucos a vida deixou de ser a dela. Tinha de ser os olhos que não viam, os ouvidos que não ouviam e a voz que não ia desenvolver. Desde cedo que se inteirou disso. Dizia a si mesma que o filho nunca veria a maldade no mundo, nunca saberia como o olhavam, nunca se sentiria sozinho, porque nunca teria ninguém mais que ela, um toque, uma sombra, uma aura e aí percebia que ao primeiro toque, à segunda sombra, ele não as saberia distinguir.

 O pai não viu as coisas assim. Durou algum tempo antes de chegar a casa e achar que seria melhor esquecer a criança. Ela não queria ouvir nada disso! Era um pedaço dela, foram meses a sentir o coração, os braços, as pernas, a comer por ele, a excretar por ele, e seguiam-se mais uns anos largos a ajudá-lo.

 O pai hoje chegou bêbado a casa. Não tão bêbado como costumava desde que foi despedido. Por aparecer bêbado no escritório. Não tão bêbado que não soubesse porque bebia e, estando ela a descansar, decidiu recuperar a vida, o emprego e a sobriedade.

 Quando ela acordou, não havia mais reacção ao toque, os olhos não viam mais o infinito, mas continuavam azuis celestes e não havia nenhum som, só uma almofada e um bêbado deitado no chão. Não conseguiu chorar, não conseguiu reagir. Não logo! Aguardou uns intantes e olhou para dentro de si. Estava vazia. Não fazia sentido seguir. Pegou no filho, arranjou-o como se fosse um desses passeios que davam em tardes soalheiras.

 Via uma sirene na faixa de sentido contrário. Não mandariam uma ambulância. Agarrou o filho com mais força e atirou-se.


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