segunda-feira, abril 28, 2014

Pôr-do-sol no Adamastor

E céu tinha voltado a ficar limpo, mesmo a tempo de apreciarem o pôr-do-sol no Adamastor, mas ainda não tinha chegado a noite e Lúcia teve que ir embora, levantou-se, beijou-lhe intensamente a face esquerda e disse “Adeus!” , e foi… Leve como quando tinha chegado!
A Lúcia foi-se embora, quase tão abruptamente como tinha entrado na vida dele… O céu tinha voltado a ficar límpido, mas nem por isso a mente de Pedro estava mais desanuviada! Pedro estava sozinho naquele miradouro! Sozinho não é bem o caso, ficou rodeado de uma multidão de pessoas de todos os tipos, idades e cores! Uma mistura surreal como se tivessem sido escolhidos a dedo para representar as várias partes da sociedade lisboeta, uma espécie de mini-arca de Noé, mas de pessoas, e de Lisboa. Enfim, uma pletóra de pessoas… Pedro gostava muito desta palavra: Pletóra! Soava-lhe bem…  Mas, mesmo estando rodeado desta pletóra de pessoas, Pedro estava sozinho, agora que Lúcia se foi embora, e que o céu voltara a ficar limpo… Sozinho, não! Estava ele; o Adamastor; as projecções minúsculas dos humanos que tentavam conquistar e subjugar o  Monstrengo; o final do pôr-do-sol a projectar tons avermelhados nas fachadas húmidas dos prédios e as sombras longas das colinas; o formigueiro na sua face esquerda e todas as memórias da tarde que agora terminava!
E Pedro olhava todas estas pessoas como se estivessem ali apenas para preencher o vazio, como se aquele miradouro estivesse sempre ocupado pelas mesmas pessoas, ainda que fossem caras, corpos e almas diferentes! Era a primeira vez que estava ali, mas era-lhe muito fácil imaginar tudo isto!
A dada altura uma miúda com tanto ar de inocente como de marota sentou-se ao seu lado e tentou convencê-lo de que se conheciam de algum lado! Enquanto falava de uma imensidão de locais onde Pedro nunca estivera a sua mini-saia subia-lhe pelas pernas descuidadamente deixando entrever onde acabavam as meias! Havia alguém que dançava atrás dela, ouviasse o som de uma guitarra, e algumas das pessoas começavam a vestir-se e a abandonar a praça como que oficializando o final do pôr-do-sol… E, Pedro olhava para tudo isto com a mesma indiferença que as folhas de um sobreiro olham para a passagem do inverno!
Os seus pensamentos, certamente hipnotizados pelo malabarista de fogo, viajavam por toda a aquela tarde! Pela primeira vez que viu Lúcia: a entrar, quase descoordenadamente, no miradouro da Graça… Poderiam ter trocado o primeiro olhar naquele momento, mas Pedro desviou os olhos como se tivesse medo de que Lúcia estivesse, também ela, a olhar para ele… Como se a troca de olhares o pudesse fulminar num segundo… Num piscar de olhos! E depois, a rapariga pôs-se a dar de comer aos pombos, ele, Pedro, odiava esses ratos voadores, mas não teve tempo de pensar, pois não? Num segundo aquela miúda precipitou-se sobre ele, e levou-o a passear por aquelas colinas! E não se limitou a precipitar sobre ele, precipitou-se sobre toda a sua vida até ao momento. Reduziu, num breve segundo, toda a sua existência naquela tarde de verão em Lisboa, como se toda a sua vida, o seu propósito fosse o de estar ali naquele momento a receber umas gotas de vinho do porto nos seus lábios e que agora lhe faziam adormecer a parte interna das bochechas com uma espécie de formigueiro que não conseguia descrever… E lembrou-se de tudo isto… Da forma abrupta com que ela lhe agarrou a mão e arrastou para o eléctrico, e como lhe mostrou numa tarde mais sobre ele, do que ele imaginava saber… E daquele momento no miradouro de S. Pedro de Alcântara… Sim, aquele momento! Percebia agora, com demasiada clarividência, a electricidade daquele momento, e na sua cabeça uma pergunta baloiçava:

- Porque não a beijei? Porque raio é que não a beijei logo!? Devo ser mesmo parvo! E ela deve ter ficado a pensar que sou um tótó… Ficou com certeza!!!

Tinha decidido que precisava de uma viagem de procura interior depois do que acontecera no Porto, e por isso tinha viajado por todo o país, e uma bela parte da Europa… Um viagem! Uma procura! Um encontro consigo mesmo! Mas não era nada disso, pois não?
E olhava a paisagem de vez em quando como que tentando entreter os seus pensamentos para não chegar à conclusão óbvia! E olhava a margem sul, e aquela ponte que a unia a Lisboa! Olhava para estas duas margem, o lá e o cá, o rio que se entrepõe, e a passagem estreita, e pensava como eram diferentes as margens do Tejo e do Douro… Como teve de chegar aqui neste momento, e conhecer uma rapariga num miradouro de Lisboa para constatar o óbvio, não é?

- Foi preciso tudo isto para saber que não estava a viajar para lado nenhum, não é? Foi preciso tudo isto para saber que estava apenas a fugir…

1 comentário:

alphatocopherol disse...

Necessito de fazer o comentário mais acima... Com medo de eventualmente me repetir...