segunda-feira, março 22, 2004

O ser humano numa fracção de segundo

Último suspiro de agonia, limiar do medo e da dor.

...

Ainda existo, anda tudo rápido, tão rápido...zumbido insuportável submerso no vácuo ...mais rápido, mais rápido!!. Sinto a cabeça a estalar, grito de dor mas não me consigo ouvir, sobressalto de terror sem saber o que está para vir.
Num instante tudo muda, zumbido silencia, dor cessa, medo já não tem razão de ser.
Vejo uma luz branca que se dirige para mim, oiço vozes que há muito não ouvia, falam todas ao mesmo tempo, não as consigo entender.

À medida que me aproximo da luz vou desvendando de quem e para quem são aquelas vozes. É o meu avô que me fala:
- ” Não tenhas medo, já não falta muito para nos voltarmos a encontrar”
Oiço também a voz dos meus pais, amigos, irmãos...falam-me todos num tom suave, dizem-me que já estou quase a chegar...já não me sinto sozinho, quero cantar, quero dançar, quero-vos abraçar.

Deixei de ouvir as vozes, acabei de entrar na luz. Ecoa o som de um coração batendo lentamente. Começo a ouvir uma voz a cantarolar, soando baixinho, abafada pelo palpitar do coração. Lentamente o compasso cardíaco vai dando lugar à cantilena, é uma triste canção e sou eu que a estou a cantar...consigo ver a minha sala de estar, consigo ver-me a mim próprio, vejo-me no espelho, são lágrimas que inundam as rugas da minha face quais rios alimentados pela torrente de recordações que preenchem os meus últimos dias. Foi esta manhã que isto aconteceu lembro-me perfeitamente, mas como?!!?? De repente tudo se esfuma...

Encontro-me agora noutro lugar, vejo uma bela manhã sobre a janela de um hospital, consigo ouvir os pássaros cantarolar acompanhados pelo compasso de passos atrás de mim, sinto um ligeiro toque no ombro é um homem de bata branca, supostamente um médico “o seu neto já nasceu, é um menino, venha vê-lo siga por este corredor, ao fundo à esquerda”. Rapidamente por corredores, vejo macas, enfermeiros, oiço gritos de agonia, risos de alegria. Chego a uma sala, vejo a minha filha numa cara lívida indicando-me com os olhos o bebé que leva em braços, já mexe os bracinhos vai ser um reguila!!! O cenário incendeia-se, o pano de fundo cai...

Vejo a minha mulher caída em meus braços, olhar ofegante, gemido cortante. Olhando-a fixamente tentando perceber aquilo que quer dizer vejo seu gesto petrificar, sinto seu corpo gelar. Meu coração late desenfreado contigo a meu lado, sei que já não te posso ter, sem ti não sei viver!!! Vejo regatos a brotar do chão ao mesmo ritmo que um relvado se forma sobre os meus pés, diante dos meus olhos...

Continua...

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