A noite cai, escura e pesada como se anunciasse a todos os seres vivos a total ausência de amanhã.
A noite cai e acorda nele essa sede adormecida. Sentado ali na clareira, sem a presença da lua, sente despertar em si toda uma fúria acumulada ao longo dos tempos. Na sua mente desfilam imagens que não conhece, imagens de uma falésia, imagens de pessoas, imagens todas elas de uma outra vida passada.
"Abre os olhos e contempla o Céu!"
Uma voz que ressoa dentro da sua cabeça. Fumo! O cheiro áspero de pinho queimado invade-lhe as narinas e o crepitar de uma fogueira ao longe, ressoa através das árvores. Sente perigo, um perigo que se aproxima!... Reside já há muito tempo deste lado da montanha, tempo suficiente para saber que ninguém se aventura para este lado da montanha com o ânimo tão leve que faça uma fogueira, tão leve que revele a sua presença nas imediações. O tempo ensinou-lhe que perseguir os incautos era a melhor forma de adquirir roupas e provisões, pois mais cedo ou mais tarde a floresta acabaria por cobrar-lhes algo mais do que um mero pagamento pela travessia nunca terminada. A fogueira revelava assim ou alguém muito confiante, um agressor, ou mais um visitante incauto, uma vítima.
A Sede voltou, secando-lhe a garganta! Sentia esse apelo, esse aperto, essa vontade imensa de falar com alguém, não um animal, não o ribeiro, não a Floresta, mas alguém, um semelhante. Sentia esse aperto de uma forma nunca antes sentida e o cheiro a pinho queimado intensificava-o a cada instante.
Levantou-se, sem se aperceber, e começou a caminhar desse fogacho intermitente do outro lado da grande clareira onde dormia já há três noites. Caminhava hesitantemente, sem se dar conta que cada passo representava um regresso à humanidade perdida, o despertar para uma nova vida.
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