domingo, julho 17, 2005

Contos do Exílio - O Regresso, parte IV: A última vela.

Estava novamente sozinho. Olhava em seu redor e ainda não acreditava que estava outra vez sozinho. Vinha-lhe à cabeça a noite em que conhecera o velho e via nessa nopite muitas semelhanças com aquela. Noite escura e pesada, como se fosse uma treva eterna, o cheiro a pinho queimado a perfumar o ar e a única luz e cor provinha da tremeluzente chama da fogueira.

Ali no chão, ao lado da fogueira, repousavam as mesmas varas que o Mestre correra mundo para lhe dar. As varas que outrora haviam sido dele e que regressavam agora às mãos do seu dono. Faltava só o cajado do velho... Faltava-lhe tudo o que o Mestre simbolizava.

"Não sejas para o teu povo o que eu fui para o meu: a última vela a apagar-se..." Essa frase remoía-lhe a alma. Tanta coisa mudara, mas o desejo de vingança tomava agora uma outra dimensão. Não procurava vingar o mal que lhe fizeram, procurava sim mostrar que o Mestre estava correcto, procurava não destruir os outros, mas antes mostrar-lhes que estavam errados... O que para eles era pior do que serem destruídos!

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Treinaram durante três meses. Nos dois primeiros apurou os sentidos de uma forma que nunca o havia feito. No primeiro dos dois meses nunca viu a luz do sol, devido à venda que o Mestre lhe colocou. Teve de caçar, identificar árvores e plantas, sem que nunca a pudesse tirar e de noite ainda tinha de realizar percursos na floresta. Aliás, todas as deslocações que efectuavam, efectuavam-nas apena de noite, ele com o Mestre às costas, enquanto que este dormia pesadamente. No segundo mês apurou apenas a visão, de tal forma o fazendo que conseguia distinguir o suave movimento dos pêlos no braço do Mestre, quando à noite se sentavam à fogueira.

O terceiro mês foi de todos o mais exigente, uma vez que o Mestre o iniciou no treino da luta com vara. Ao ver a sua vara de guerreiro, um ramo de eucalipto forte e robusto, seco e endurecido pelo tempo e pelo fogo, sentiu um formigueiro nas mãos e lembrava-se dos duelos que outrora fizera. O Mestre contudo, trazia também a sua vara de Caminhante, uma vara bifurcada, pouco maior que ele e que havia sido toda ela trabalhada. "Tomei a liberdade de esculpir nela a tua história", disse-lhe o velho com um olhar terno e meigo, "Mas deixei a bifurcação para ti. Afinal, daqui para a frente a escolha é tua..." acrescentou. Na manhã seguinte começaram a treinar movimentos de combate. Apesar de se lembrar dos movimentos, os seus músculos encontravam-se demasiado entorpecidos, pelo que levou toda a manhã para readquirir toda a destreza e coordenação necessárias, tendo na parte da tarde treinado movimentos avançados, tais como defesas e ataques com uma mão. No dia seguinte o Mestre desafiou-o para um duelo e só então percebeu que o cajado do velho era sim um bastão de duelo, à semelhança da sua vara, endurecido pelo tempo e pelo fogo. O duelo durou o dia todo, pois o Mestre apenas o considerava acabado quando um dos dois caísse inconsciente no chão. O Mestre movia-se graciosamente, parecendo leve como uma pena ao vento, e batia com a força de um urso. A meio da tarde, já com um dedo inchado e um enorme alto na testa, vencido pela dor e pelo cansaço, caíu.

Sentiu o sol quente a bater-lhe na face e acordou. Era a manhã que se erguia e o corpo dele já não apresentava nenhuma das mazelas com que havia desfalecido. Não havia mais ninguém no campo, pelo que teve tempo para repousar. Quando o sol já se punha, apareceu o Mestre, que apenas pronunciou as palavras "Recomeçamos agora." e prontamente o atacou. Não evitando a surpresa, não conseguiu evitar ser zurzido com violência na cabeça e, tonto, limitou-se a defender nos primeiros instantes. Ao recuperar o discernimento apercebeu-se de uma certa cadência repetitiva nos movimentos do Mestre e deciciu passar ao ataque. na sua primeira investida, uma esquiva lateral, seguida de ataque às pernas, quase conseguiu acertar, mas no último instante o Mestre saltou por cima dele e atingiu-o violentamente nas costas.

- Paramos por agora. - pronunciou, enquanto ele procurava levantar-se. - Fazes progressos notáveis, mas algo me apoquenta agora. - olhou em redor e depois continuou - Vou ausentar-me por uns instantes, se não estiver de volta até ao pôr-do-sol de amanhã, dirige-te para longe da montanha, levando tudo contigo. Se em alguma altura não souberes para onde ir, procura uma árvore e segue o lado sem musgo. - Dizendo isto partiu, sem lhe permitir qualquer pergunta. Assim que o velho desapareceu atrás da folhagem, um corvo aterrou junto à fogueira e grasnou ruidosamente. Pelo menos não estava sozinho!

(continua)

2 comentários:

Anónimo disse...

Ola só queria saber como mudas os templates agradecia-te muito se me respondesses o meu blog.

João disse...

"Se não estiver de volta, parte sem mim!" Onde é que já ouvi esta frase? ;) Muito bom!