sábado, março 11, 2006

Estou aqui

Mais um dia que passa, mais um sonho que se perde. Suavemente, lentamente, os traços da minha vida vão-se apagando, diluindo-se no corre-corre do dia a dia da humanidade. Torno-me mais um da manada, junto-me às formigas que correm e reduzo-me à minha insignificância. "Estou aqui" - grito eu, mas nem eu consigo seguir a minha voz para me encontrar. A minha consciência vai-me gritando que eu interesso e que posso lutar, mas ainda é cedo, ainda a consigo ignorar.

A pouco e pouco o dia cai, a lua levanta-se pálida no céu, esquecida por entre as luzes dos prédios que se vão acendendo. Saio à rua, aconchego o casaco ao corpo à medida que o frio me enregela os ossos. Acendo mais um cigarro; "Amanhã paro" - penso eu, rindo-me logo de seguida à medida que penso que todos os dias digo o mesmo, o eterno diálogo com a minha conciência que, ainda, não me abandonou. Vou agora contra-corrente, as formigas apressadas passam por mim em direcção a casa, é altura de a manada se recolher, mas eu continuo, devagar, por entre as pessoas. O casaco cingido ao corpo, as palavras entregues à minha mente quase tão apressada como as pessoas que me empurram. "Continuo aqui" - digo eu, mas continuo sem me ouvir.
Paro no meio das pessoas apressadas e olho para o céu, a lua ténue está por cima de mim, banhando-me numa luz que não existe e que mais ninguém vê. Talvez seja tempo de desaparecer.

A madrugada apanhou-me mais uma vez, o alcool que era suposto anastesiar-me vai-se libertado a pouco e pouco do meu corpo. Uma esquina abandonada dá um certo alivio aos meus rins, um canteiro mal tratado dá alivio ao meu estômago. Agora grito e oiço-me. "Estou aqui" e as palavras ecoam-me no cérebro obrigando-me a calar. A minha consciência já está abafada sobre o manto de comprimidos, mas sou demasiado cobarde para sair com dignidade. Estou finalmente sozinho, sem formigas à minha volta, e ainda tenho os meus cigarros que a pouco e pouco vão devorando o meu interior.
Já nada me pode salvar do meu destino.

2 comentários:

Anónimo disse...

a solidão, ser-se só sem o estar... realmente um cigarro às vezes ajuda muito...

Captain Dildough disse...

Mas que belo relato duma bebedeira do Abrunhosa...

"Eu estou... ahhhhh (órinando)"

"Eu... estou... aquibluugghh (vómito)"

"Eu.. eu... não me lembro! Ahahah! (cai no meio do chão)"

"Já nada me pode salvar do meu intestino!"

Cheira-me a material prá Penal!