terça-feira, outubro 21, 2008

Estrada de cinza (ou Alien)

Sentes um vazio de tudo na alma, se é que ainda tens alma… Tentas, por breves momentos seguir por essa estrada na tentativa desesperada de encontrar algo familiar… Sentes-te um estranho ao teu próprio corpo… Percorres as ruas desta cidade que não é tua, tens medo de continuar, principalmente por não saberes como vai reagir a mente, que já não é tua, quando se aperceber que, de facto, não existe nada familiar nesta cidade… Buscas no bolso interior do casaco uma qualquer agenda velha apenas para verificar que está cheia de nenhum compromisso… Tu és Ausência… 

Sentes uma necessidade absurda de te sentir vivo, como se não bastassem as dores que afligem cada um dos teus miseráveis músculos… Encontras-te por fim na Porta do Desespero… Tal é o desespero, que apenas a semelhança de uma qualquer pedra da calçada seria o suficiente para te acalmar o espírito! Eu sei e Tu sabes… Tu és Raiva… 

Por breves momentos julgas reconhecer um reflexo amarelado no chão de pedra… Como aqueles dos centros históricos de cidades muito antigas que nos levam a pensar que são os mesmos candeeiros de sempre a tentar iluminar as mesmas pedras… Eternas! Mas não é mais que um candeeiro velho em uma qualquer rua desta cidade que não reconheces… Tu és Necessidade… 

Sentas-te num degrau de pedra com vista para um pequeno vale coberto de casas… Estás mais elevado que esse vale que se estende a teus pés fervilhando de energia e movimento por entre a “luz” do crepúsculo… Tens, durante breves momentos, a sensação de dominar o vale! Uma sensação que desperta mais uma vez aquele aperto no estômago, aquele grito da alma… Tu és Desilusão… 

Atordoado pela descarga hormonal o teu corpo sucumbe nos degraus… O teu corpo repousa, no entanto, a tua mente voa, tentando reconstituir a viagem que te trouxe aqui… Vês claramente, o pôr-do-sol a reflectir-se nos campos verdes com animais e vinhas, também pequenas zonas de cultivo onde foste capaz de distinguir milho, arroz e centeio… Talvez também trigo… A tua lembrança traz também um belo rosto… Eras capaz de jurar estar mesmo agora a cheirar aquele mesmo perfume suave… A sentir aquelas pequenas maças de rosto na palma da tua mão… Beijar aqueles lábios de seda… Sabes que não o estás a fazer, e de certa forma sabes que não o voltarás a fazer… Há algo dentro de Ti que o afirma muito claramente! Sentes a vibração do comboio que desliza suave… Tu és Esquecimento…

O teu sangue palpita-te nas veias, todo Tu pulsação… Sentes uma ameaça ininteligível… Uma sensação de Terror absoluto… Uma incapacidade irracional de continuar… Estás gelado, todo Tu iceberg… Sentes-te a alma a esvair-se do teu corpo… Tu és Medo…

Despertas! Uma enorme vontade de continuar, invade-te o espírito sem saberes muito bem porquê… Talvez o teu corpo necessite desse movimento… Talvez a tua mente precise de algo que deixe não pensar… Talvez… Enquanto te recompões, nesse pequeno degrau a que chamaste cama, vês as primeiras estrelas da noite… Tu és Esforço…

Continuas a subir essa mesma colina… Que imaginas repleta de esqueletos no seu ventre… Olhas os edifícios em volta e tentas adivinhar a idade dessas ruas que pisas, tentas, de alguma forma absurda, saber quantas pessoas já morreram nessa colina, e quantas estarão, ainda hoje, aí enterradas… De certa forma sabes que não é acertado ter este tipo de pensamentos, no entanto, também julgas ser permitido a um Apátrida de Si coisas que não são permitidas a outras pessoas… Tu és Depravação… 

Julgas ver por entre alguns edifícios mais baixos, uma grande igreja, ou catedral… Que pelos vistos aparece só quando lhe apetece… Umas vezes com uma iluminação quase mágica destacando enormes pinturas azuis e douradas… Outras sem qualquer tipo de iluminação como as ruínas de uma qualquer grande guerra… Segues em direcção à miragem, não por te ser familiar, mas por de certa forma, ser tão estranho que te faz sentir em casa… Sentes uma atracção inexplicável por esse pedaço de pedra… Indescritível… Tu és Esperança… 

Conforme te aproximas reparas que é uma catedral real e que, de facto, algumas partes estão completamente destruídas sobrando apenas os enormes pilares e pequenos troços da parede… Enquanto outras mantêm um esplendor digno das melhores histórias de literatura fantástica, suplantando o que imaginas ser o esplendor máximo de qualquer dos Extintos Impérios Mágicos… As pinturas que, agora, reconheces como sendo, claramente, de lápis-lazúli e ouro estão intactas e com uma luminosidade incrível, própria diria eu, parecendo brilhar entre o nevoeiro que cobre a noite… Tu és Ilusão…

Assim, olhada de um determinado ângulo a Catedral tem um porte imponente sobre a Cidade, quase se poderia dizer que domina sobre qualquer outro edifício, enquanto que vista de outro é apenas um amontoado de calhaus, dos quais sobressaem umas grandes colunas góticas… Vendo ambas as partes ao mesmo tempo a Catedral parece uma ferida aberta na Alma da Terra… Tu és Sangue…

Vejo claramente que não consegues resistir aproximar-te dela, sinto no teu olhar a atracção que essas ruínas te causam, embora não sintas nenhum tipo de familiaridade com o edifício em questão, nem de forma alguma aches que alguma vez o tenhas visto… Sentes que lhe pertences, da mesma forma que ele te pertence a ti… Uma forma de possuir e ser possuído só comparável aos gritos do primeiro amor… Tu és Coragem…

Entras por uma pequena abertura nas paredes, na zona mais destruída da catedral… caminhas directo ao seu Coração… Verificas que és incapaz de reconhecer os símbolos das paredes ou de associá-los a qualquer religião… Quando chegas ao que consideras ser a zona central… Talvez por estar rodeada de quatro colunas de mármore, sendo todas as outras de granito… Talvez por saberes… Tocas o mármore, e sentes as colunas quentes, como que a ferver no seu interior, de alguma forma sentes a pulsação da Terra nas colunas da Catedral… Tu és Elemental…

Verificas que o mármore, agora rosado, parece cintilar… A Terra parece tremer no exacto local onde te encontras, mas sem provocar qualquer perturbação nos restantes locais dentro ou fora da Catedral… As pedras que cobrem o chão da zona entre as quatro colinas começam a ceder e a cair em direcção ao infinito, se é que pode haver infinito em direcção ao interior da Terra… Quando sentes as pedras debaixo dos teus pés a cederem, também, fechas os olhos e recebes o último Abraço… Sentes-te, como que a flutuar numa corrente de ar quente… Uma mão acaricia-te o Rosto… Abres os olhos para veres este Anjo que te sustém… 

Tu és…

3 comentários:

Steïn disse...

Excelente.

Faz-me lembrar todos os livros de Apocalipse e Magia reunidos num só texto.

Muito bom mesmo

APC disse...

Eu gosto mais de Brie com presunto... hummm
;)

aj - vejo que afinal "o gato não te comeu a lingua"

alpha - eu avisei... hehehehe

Abraços

Chas. disse...

Gostei!

Fica por concluir: "Tu és..." sobrenatural, espiritual ou natural?