segunda-feira, novembro 14, 2011

A Cidade

 O avião aterrou já há uma hora

 (Céus como o tempo voa!)

mas da nova cidade ainda não vi mais do que pequenas casas em miniatura quando o avião curvou acentuadamente, tudo lá ao longe, enquadrado por campos de verde e encimado por nuvens em diversos tons de cinza,

 (Será que o sol já brilha?)

como que a pressionar-me para fugir…

 Uma hora à espera da mala, uma pequena mala preta que por não caber num gradeamento me obrigaram a despachar no porão. Pequena mala que só traz umas quantas mudas de roupa,

 (O suficiente para uma semana ou duas.)

as necessárias para me encontrar. É isso! Encontrar-me.

 Procuro-me nesta cidade, como me procuraria noutra qualquer que não fosse minha. Na minha conheço-lhe as curvas, as colinas, as gentes e os carros.

 “Bom dia vizinho! Tudo bem?”

 Tudo dito à pressa e sem esperar resposta.

 (Não é retórica porque a resposta não é imediata. As coisas até podem estar mal, eu é que não quero saber.)

 “Vai-se indo…”

 (Que tanto quer dizer que está tudo bem, como podia estar melhor, ou simplesmente que não se está morto.)

 Um “O cabrão do Clio está a ocupar dois lugares” de raiva dirigida ao carro que não tem vontade própria.

 Nesta cidade não há o monótono afogamento da rotina nem sou consumido pelo tédio.

 “Estás morto! Ou se não morreste, parece; não reages, não sais de casa, não…” Não interessa pois não? A verdade é que eu não saio

 (ou deveria dizer saía?)

mas tu saíste e contigo tudo o que me prendia à casa. Que vendi quando saíste! Vendi e comprei a passagem, um bilhete de ida-e-volta que espero sem regresso breve, porque espero há uma hora pela mala preta, mas à minha volta respira-se outro ar. Olho e vejo aceitação, despreocupação. Olho e vejo que só eu estou impaciente e enervado com a situação. Na minha cidade, apesar de esperas constantes, medidas em blocos de sessenta minutos

 (Porque razão terei pensado em minutos? Sessenta são uma hora. Será que é a necessidade de fazer parecer mais? Porque não em segundos então? Três mil e seiscentos. Sessenta minutos vezes sessenta segundos e o tempo seria já o de uma espera eterna.)

intermináveis na sua morosidade, não se desenvolveu a refinada calma e tranquilidade na espera. Aqui, pelo que experimentei até agora, também se espera horas, mas espera-se com um ar de aceitação triunfante e não derrotado desespero. Aqui quando se espera o tempo não é perdido mas ganho. Quando eles esperam põe a cara de quem vê os ponteiros a retroceder três mil e seiscentas vezes…

 (E eis que a passadeira se começa a mexer e vejo que a minha mala é a segunda a sair das entranhas do aeroporto.)

(continua)

Texto publicado originalmente na Antologia BBdE

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