terça-feira, novembro 22, 2011

A Cidade

 Que saída triunfante para um átrio cheio de desconhecidos que esboçam ares de felicidade quando me vêem. Ares que desaparecem assim que me não reconhecem e os seus olhares se focam na cara que vem atrás de mim.

 Comboios para baixo, metro para cima e autocarros nas portas laterais do mesmo nível. Não sei para onde ir. Penso que com o dinheiro na conta posso dormir num hotel limpinho uma semana, ou numa pensão manhosa durante um mês. Nas informações para turistas devem ter recomendações. Enquanto caminho interrogo-me se terei o ar aparvalhado e perdido do turista típico; olhos esbugalhados 

(Como se por estarem mais abertos conseguissem captar mais informação.)

e passinhos curtinhos.

(Com medo de pisar uma mina certamente.)

 “Em que posso ajudar?” perguntam-me num inglês limpíssimo e sem sotaque.

(Há dois mil anos seria um latim do mais alto calibre, há quinhentos castelhano, há cinquenta se calhar esperavam que eu perguntasse em francês… Vou responder em francês!)

 “Un bonne hotel, s’il vou plait.” Digo com a absoluta convicção de que alguma coisa está errada na frase. “Bien sure” e tira um mapa onde escrevinha umas coisas. Começa a falar num francês com sotaque, mas não é por isso que a conversa me passa ao lado, o francês é que é demasiado avançado para mim e perco-me a acenar que sim e a murmurar aceitação.

 (Daqui a cinquenta anos que outra língua falarão? E daqui a quinhentos? Português? Chinês? Esperanto? Seremos parte dessa aldeia-global onde todas as ruas falam a mesma língua, ou continuaremos na herdade rural onde o estábulo muge, o senhor fala com o fazendeiro num dialecto erudito que é posteriormente transmitido brejeiramente à esposa que ouve o cacarejar das galinhas, enquanto pensa “o meu homem não se devia meter no que não percebe” e, lá longe, um pato grasna, os burros zurram e o vento assobia por entre as copas das árvores, enquanto na seara um lamento…)

 Olho as cruzes no mapa, agradeço, e vou para o comboio.

 Uma certeza do comboio é a estação central. Toda a cidade tem a sua Cidade-Central, onde o comboio se cruza com o autocarro, os táxis, o posto de correios, o turista que chega e o turista que está de partida,

 (Como metáfora da ignorância do que será e da memória do que foi.)

e parece, com esse burburinho, que é em redor deste edifício, centenário, mas com laivos de contemporâneo introduzidos aquando das últimas obras de requalificação, que a cidade se ergueu, como que a facilitar as partidas e as chegadas.

 (Teremos então daqui a uns centénios por coração das cidades o aeroporto Cidade-Aeroporto? Ou será que os aeroportos assumirão como sua a designação de Cidade-Central?)

 A viagem para Cidade-Central decorre pelo meio de túneis, verde e braços de água, túneis, fábricas e algumas estações e apeadeiros, fábricas e estações fora de serviço, vidros partidos e Cidade-Central. Eis-me chegado ao coração da fera, onde o sangue circula depressa e se distribui pelas várias artérias e capilares, onde desembocam veias de diesel e táxis, o sangue novo chega para lhes dar vida, o velho parte com a melancolia

 (Será isso? Não haverá algo de cansaço e desilusão? Quantos dos que vão irão também amanhã, porque entretanto regressaram? Estarei entre quais deles?)

de tempos passados em tecidos de profundidade variável, quantos deixaram carteira e valores, importante o primeiro, acessório o segundo.

 Com este pensamento lembrei-me da questão da estadia. Afinal que melhor forma de mergulhar na profundidade dos tecidos da cidade do que misturar-me com o produto que todo o seu metabolismo, e que melhor sítio para encontrar esses metabolitos do que numa pensão rasca? Dobro o guia turístico; aquilo que procuro não vem lá, nunca vem, não importa a cidade, não importa o país, o produto final daquilo que somos não está no guia turístico, preciso de alguém que me saiba orientar para as minhas reais necessidades. Com a mala preta na mão desço as escadas no lado poente e dirijo-me à zona ocidental à procura de uma prostituta!

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