Cinco mesas cheias na esplanada.
Cinco o F na abertura fotográfica.
Cinco bancos lotados de paixão.
Cinco os dedos no gradeamento.
Cinco barcos abraçando o estuário.
Cinco minutos de contemplação.
Cinco as pulsações de hesitação.
Cinco passos na sua direcção.
Cinco as letras do seu nome.
Cinco segundos de iluminação:
"Sou Lúcia, esta é Lisboa. Ambas sinónimo de luz e tu?"
Um rosto corado e bochechudo, de olhar verde elevou o rosto.
"Pedro... "
A sua resposta fria e tímida gerou um ambiente desconfortável. Lúcia afastou-se gracejando:
"Pelos vistos não iluminei na tua graça mas acertei na desgraça. Olha, coincidência, estamos no Miradouro da Graça. AHAHA!"
Pedro sentiu-se incomodado pelo contacto tão abrupto e surrealista mas por outro lado admirado pela assertividade da estranha. Normalmente passava despercebido para todas as pessoas, como se flutuasse num mundo inabitado, aglutinado pelo seu medo e oprimido nas catacumbas das memórias.
O seu passado recente era uma amálgama de experiências negativas e falhanço passionais. Com pouco mais de trinta anos tinha uma Licenciatura em Direito na Universidade do Porto, três estágios não remunerados - em escritórios de Advogados oportunistas e quatro anos numa consultora internacional sediada na Maia. Este último trabalho levou-o à exaustão e deterioração progressiva da sua qualidade de vida. Perdeu tempo de lazer - e para dormir as 8 horas que necessitava; afastou-se dos amigos e familiares; deixou de fazer desporto tendo engordado mais de 15 Kilos.
Em cinco anos teve duas namoradas, uma traiu-o com um colega e a última, com quem vivia há dois anos, suicidou-se à cinco meses.
Despediu-se em Maio, decidido a viajar pelo país em busca de paz interior e significado para a sua existência. Comprou uma vespa Piaggio e começou a viagem acampando pelo caminho.
Lúcia acabara de entrar na sua blindagem emocional e social. Olhou novamente para a desconhecida que alimentava junto ao muro amarelo dois pombos cinzentos. A pele branca reflectia o espectro de um Outubro ameno e as sardas lembravam-lhe as constelações visíveis fora dos centros urbanos.
Aproximou-se, convergindo o azul da sua íris no verde de esperança:
"O que a fez aproximar? Estranhei o seu contacto, na verdade estranharia qualquer contacto... mas..."
E engoliu em seco quando ela agarrou a mão e a elevou ao peito.
"Pedro. Nome bonito! Aquele pombo também se chama Pedro e aquele trapalhão, o mais gordinho, Budapeste! Gosto de alimentar quem conheço pelo nome."
Ergueu o cálice de Porto, em repouso na calçada, e ofereceu ao (recém) conhecido:
"Bebe um pouco e sente a magia da energia!"
Ainda meio acanhado demolhou os lábios nos contornos do vidro.
"Obrigado! Sou do Porto mas foram poucas as vezes que saboreei este licor divino."
E entregou o copo de volta.
"O que me fez aproximar foi querer ver uma fotografia nítida em vez de algo desfocado e sem cor. Ter um sorriso brilhante em vez da estátua fria e cinzenta. Não precisas de viver no passado... Lisboa é fado mas só quando cantado!"
Sentiu o corpo a arrepiar. Há algum tempo que não sentia estímulos corporais e chorou.
"Obrigado! Estava preso e não conseguia expulsar. Muito obrigado!"
Ela abraçou-o, como se abraça um melhor amigo, e de seguida puxou-o para fora do Miradouro.
"Vem! São seis da tarde. Vem conhecer Lisboa aos olhos do eléctrico 28!"
4 comentários:
Bem... confesso, que nesta história, há momentos em que esqueci a ficção... transmitem muito sentimento que facilmente reportamos para a nossa própria história de vida. Adorei e aguardo com expetativa a continuação!!!
Fantástico! :)
Já li praí umas 4 vezes! Está mesmo muito bom! Gostei de tudo! Mesmo brutal!
Muitos parabéns! E venha o próximo!
Tive de vir ler outras vez! Genial!
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