quinta-feira, outubro 17, 2013

Cinco ao iluminar das Seis

Cinco mesas cheias na esplanada.
Cinco o F na abertura fotográfica.
Cinco bancos lotados de paixão.
Cinco os dedos no gradeamento.
Cinco barcos abraçando o estuário.

Cinco minutos de contemplação.
Cinco as pulsações de hesitação.
Cinco passos na sua direcção.
Cinco as letras do seu nome.
Cinco segundos de iluminação:

"Sou Lúcia, esta é Lisboa. Ambas sinónimo de luz e tu?"

Um rosto corado e bochechudo, de olhar verde elevou o rosto.

"Pedro... "

A sua resposta fria e tímida gerou um ambiente desconfortável. Lúcia afastou-se gracejando:

"Pelos vistos não iluminei na tua graça mas acertei na desgraça. Olha, coincidência, estamos no Miradouro da Graça. AHAHA!"

Pedro sentiu-se incomodado pelo contacto tão abrupto e surrealista mas por outro lado admirado pela assertividade da estranha.  Normalmente passava despercebido para todas as pessoas, como se flutuasse num mundo inabitado, aglutinado pelo seu medo e oprimido nas catacumbas das memórias.

O seu passado recente era uma amálgama de experiências negativas e falhanço passionais. Com pouco mais de trinta anos tinha uma Licenciatura em Direito na Universidade do Porto, três estágios não remunerados - em escritórios de Advogados oportunistas e quatro anos numa consultora internacional sediada na Maia. Este último trabalho levou-o à exaustão e deterioração progressiva da sua qualidade de vida. Perdeu tempo de lazer - e para dormir as 8 horas que necessitava; afastou-se dos amigos e familiares; deixou de fazer desporto tendo engordado mais de 15 Kilos. 
Em cinco anos teve duas namoradas, uma traiu-o com um colega e a última, com quem vivia há dois anos, suicidou-se à cinco meses. 

Despediu-se em Maio, decidido a viajar pelo país em busca de paz interior e significado para a sua existência. Comprou uma vespa Piaggio e começou a viagem acampando pelo caminho.

Lúcia acabara de entrar na sua blindagem emocional e social. Olhou novamente para a desconhecida que alimentava junto ao muro amarelo dois pombos cinzentos. A pele branca reflectia o espectro de um Outubro ameno e as sardas lembravam-lhe as constelações visíveis fora dos centros urbanos.

Aproximou-se, convergindo o azul da sua íris no verde de esperança:

"O que a fez aproximar? Estranhei o seu contacto, na verdade estranharia qualquer contacto... mas..."

E engoliu em seco quando ela agarrou a mão e a elevou ao peito.

"Pedro. Nome bonito! Aquele pombo também se chama Pedro e aquele trapalhão, o mais gordinho, Budapeste! Gosto de alimentar quem conheço pelo nome."

Ergueu o cálice de Porto, em repouso na calçada, e ofereceu ao (recém) conhecido:

"Bebe um pouco e sente a magia da energia!"

Ainda meio acanhado demolhou os lábios nos contornos do vidro.

"Obrigado! Sou do Porto mas foram poucas as vezes que saboreei este licor divino."

E entregou o copo de volta.

"O que me fez aproximar foi querer ver uma fotografia nítida em vez de algo desfocado e sem cor. Ter um sorriso brilhante em vez da estátua fria e cinzenta. Não precisas de viver no passado... Lisboa é fado mas só quando cantado!"

Sentiu o corpo a arrepiar. Há algum tempo que não sentia estímulos corporais e chorou.

"Obrigado! Estava preso e não conseguia expulsar.  Muito obrigado!"

Ela abraçou-o, como se abraça um melhor amigo, e de seguida puxou-o para fora do Miradouro.

"Vem! São seis da tarde. Vem conhecer Lisboa aos olhos do eléctrico 28!"

5 comentários:

alphatocopherol disse...

Absolutamente fabuloso! Um texto tocante, um caminho inesperado! Gostei muito!

Cris disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cris disse...

Bem... confesso, que nesta história, há momentos em que esqueci a ficção... transmitem muito sentimento que facilmente reportamos para a nossa própria história de vida. Adorei e aguardo com expetativa a continuação!!!

APC disse...

Fantástico! :)

Já li praí umas 4 vezes! Está mesmo muito bom! Gostei de tudo! Mesmo brutal!

Muitos parabéns! E venha o próximo!

APC disse...

Tive de vir ler outras vez! Genial!