sexta-feira, abril 09, 2004

O ser humano numa fracção de segundo (2ª parte)

Encontro-me sobre um extenso campo verde sarapintado de flores, a família está toda reunida num piquenique, novos e velhos todos se apinham junto à comida, conversa-se à boca cheia entre cada garfada, sente-se a felicidade, respira-se a liberdade. Vejo-te preocupada para que não falte comida a ninguém mas no fundo estás feliz. Eu, no meio de todo o ruído harmonioso olho o teu rosto pedindo um beijo sentindo o teu cheiro, misturado com o leve aroma das flores, rosas, dálias, túlipas, malmequeres. De repente o negrume invade o espaço.

Vejo-me tão novo, já não me lembrava que outrora fora assim, estou num bar-discoteca rodeado de alguns amigos. Sentimos a batida e damos os primeiros passos, primeiro devagar só até ambientar, oleamos bem a máquina e o ritmo começa a aumentar entretanto já o comboio anda na pista e ninguém quer ser maquinista. Num instante começa tudo a andar à roda, vejo tudo fundido no intenso rodopio.

Sou outra vez criança, divirto-me que nem um perdido num daqueles carrosséis manuais, rio sem contenção sem qualquer preocupação. Naquele momento só o meu mundo de ilusão conta, qual astronauta que na sua na sua nave supersónica sulca os limites do espaço em busca de novos mundos. Em instantes tudo muda, desequilibro-me e caio do carrossel. A meio da queda, todo o meu pensamento anterior é sugado pelo terror antecipador da minha aterragem forçada...PUM!!!! Caí na áspera areia e estou estendido no chão, estou consciente e oiço vozes à minha volta, falam todos ao mesmo tempo não consigo perceber nada. De repente abro os olhos e, destacando-se dos vultos à minha volta, vejo a minha educadora com uns olhos preocupados a olhar para mim.
“Estás bem?”
“Acho que sim...deixe-me levantar”.
De repente tudo se dissolve...

Estou agora submerso por um líquido viscoso, o calor e o conforto envolvem os meus sentidos. É tão bom estar aqui!!! Eu daqui não quero sair. Consigo mover os meus bracinhos e pezinhos, articulo-me como um todo, não controlo bem os movimentos...dei um pontapé onde não devia, ups!!! De repente as águas agitam-se e eu fico alerta, oiço um potente palpitar de coração que ecoa por toda esta bolsa, enquanto isso sinto o calor que emana agora mais forte do corpo da minha mãe; ao mesmo tempo, começo a sentir umas cócegas, primeiro na barriga, junto ao cordão umbilical, depois por todo o corpo. Estou envolvido por uma corrente eléctrica que me faz sorrir...mãezinha boa!!!

Já não estou no útero da minha mãe...vejo agora uma luz ofuscante que, progressivamente, vai dando lugar a uma visão completamente diferente da realidade que em tempos conheci....

Era tudo uma ilusão. Futuro e Passado fundem-se, já não faz sentido a linha unidireccional passado futuro mas antes uma esfera temporal que expande e contrai continuamente. Esta superfície esférica, que é o tempo absoluto, é uma função de “infinitas” superfícies esferóides contidas ao longo de todo o diâmetro dessa esfera. Cada uma destas superfícies esferóides representa a inter relação entre um “ser” e o espaço que naquele instante habita. O desequilíbrio entre “ser” e espaço representa um afastamento da esfericidade e, curiosamente, é esse afastamento que provoca o movimento de toda a esfera temporal, que como um todo nunca se afasta da forma esférica. Assim, a função que define a esfera temporal como um todo, e que muda a cada instante devido ao desequilíbrio entre “ser” e espaço, irá resultar na alteração do seu diâmetro...

Já não sinto o paladar, já não vejo, já não cheiro, já não sinto, já não oiço...interajo directamente com a luz. Eu sou mas já não penso o mesmo...não tenho preferências nem necessidades pessoais...agora vejo tudo como um todo...

...mas se outrora assim fosse viveria como um louco.

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