terça-feira, abril 27, 2004

Tonan, o Barbariano

Capítulo 1 - Penetrando na História (ui!)

«Daqui falarei dos Povos do Norte, da Grande Ruína, dos Conflitos Arcturianos e das facções em contenda: os Tartaglio, os Pharpal e os Gugures.

«Destes últimos salientaram-se, pela sua bravura em combate e sabedoria no falar, o clã Gu'Man. Estes guerreiros de olhos profundos e brilhantes e natureza indómita eram guardiões de uma tradição milenar, pois a História dos Gu'Man tem a idade dos Gugures, e os seus primórdios remontam ao período Arboril, em que grande parte das regiões acima do mar da Obul setentrional se encontravam repletas de grandes extensões de floresta.

(...)

«Mas o tempo passou, e ao Período Arboril sucedeu o Período Mecano-Religioso. E foi durante este que as civilizações Tartaglio e Pharpal conheceram o seu apogeu. Conheceram-no graças ao progresso da instrumentalização e do conhecimento técnico, mas também à custa dos recursos naturais de Takar, o maior continente de Obul. Foi assim que grande parte da sua zona florestal foi derrubada e abatida como matéria-prima para os altos fornos das civilizações crescentes.
«Enquanto estas civilizações sedentas de poder se impunham de forma crescente no mundo antigo, os Gugures mantinham-se na penumbra, pois eles davam pouco valor às coisas complicadas. Amavam, sim, as maravilhas da natureza que os rodeava, reverenciando-a e dela extraindo lições. E os Gu'Man não eram excepção. Dos Gugures, eram os que mais se distinguiam na artes do canto e da escrita, sobretudo quando exaltavam o calor do combate e a glória da conquista. Sim, porque apesar do valor dado às relações dentro do respectivo clã, o quotidiano dos Gugures era pontuado por numerosas disputas inter-tribais. Na sua maioria poderiam ser consideradas frívolas; os próprios chamar-lhes-iam "questões de honra".

«No entanto, semelhantes conflitos eram fogo de vista quando comparados com o azedume e a arrogância crescentes entre os Tartaglio e os Pharpal. Sim, frivolidade seria pouco adequada para descrever as relações entre estes Povos: entre ambos fluia puro ódio. "Relações diplomáticas" eram assunto só abordado em anedotas ou, mais tacticamente, em ciladas.

«"Massacre" tornou-se uma palavra demasiado comum para ambos os Povos; era fonte de gáudio quando acompanhava uma conquista recente, e inflamava o desejo de vingança quando era associada à derrota infligida.

«No meio deste turbilhão sócio-cultural adivinhava-se um negro destino para...» >Aaatchum!!<

Tonan pouco ligava aos gatafunhos do velho alfarrábio, enquanto rasgava outra folha para limpar o muco esverdeado que escorria do seu nariz peludo. O bafiento volume fora retirado das mãos enrugadas de um sábio moribundo, suficientemente infeliz para se cruzar com um dos salteadores mais fedorentos da Floresta Negra - também chamada de Pintelheira Negra devido ao formato encaracolado e peculiar da sua vegetação.
O guerreiro exaltava, isso sim, a textura e suavidade do papel - "Polpa real!", bufariam os eruditos. De facto, muitos bibliotecários se enforcariam se tomassem conhecimento do uso que Tonan dava às páginas do tomo sagrado, um exemplar raríssimo dos "Anais do Tempo".
Numa coisa Tonan e os sábios estariam de acordo: tanto para um como para os outros, o título era mais que apropriado...

E que suavidade...

(fim da 1ª Parte)