sexta-feira, março 27, 2009

De manhã saí à rua

O Sol já vai alto e agora aquece. A leve brisa do rio deu lugar a uma aragem quente e começo-me a sentir desconfortável. Começa também a surgir a curiosidade sobre aquele corpo que repousa na cama. Vou até à bolsa que ficou no hall de entrada para procurar a identificação. No caminho imensas fotos dela e de um casal claramente mais velho, ora o casal, ora ela, ora ainda os três juntos... Na carteira a confirmação do crime cometido! Foi bom, é certo, mas agora está na hora de ir.

Visto-me à pressa e saio porta fora. Entro no café que há na esquina e sento-me na esplanada. Peço uma torrada e um sumo de laranja e pego no jornal da mesa do lado. As notícias não me animam, mas o reflexo de folhear o jornal vem de há muitos anos, ajuda a pensar... Por entre uma página e outra vou olhando a janela do quarto, que vejo estar agora aberta. Por um instante penso em voltar e falar com ela, mas depois passa-me e mergulho novamente no jornal. Com a noção do tempo desaparecida vejo que a torrada e o sumo já estão na mesa. Como lentamente para saborear, não a comida mas o ar fresco das manhãs à beira-rio. Absorvo não o alimento, mas aquele estado bucólico de fim-de-semana, em que os dias são maiores e as manhãs mais lentas, tão iguais e tão diferentes de todos os outros dias.

Levanto por acaso a cabeça e nesse instante vejo-a, cabelos escuros soltos, calças justas e um top revelador! Na mão tem um casaco fininho. Sai de casa e olha em redor, perdendo algum tempo a olhar para a esplanada. Acena-me e segue para o outro lado da rua.

Não sei se ela sabe que eu sei o que fiz... Não sei se sabe que, por muito que eu queira, não haverá outra noite. Não sei se sei que haverão outras noites, só não estarei lá para saber. O que sei é que na próxima sexta, já tenho sítio para ir sair!

3 comentários:

João disse...

Não sei se o autor sabe que a última frase me arrancou uma sonora gargalhada!

Toda a história, e não sei bem explicar porquê, passa uma ideia de tristeza... Não sei se seria o objectivo, mas para mim é o sentimento dominante, atingindo o seu auge na descrição da "manhã". Claro que a última frase elimina todo esse sentimento, quase como um anti-climax!

Em suma, uma boa história, envolvente q.b., bem construída e exemplarmente bem escrita. Espero que mais se sigam...

Chas. disse...

". O que sei é que na próxima sexta, já tenho sítio para ir sair!"

Eu diria um climax confuso! A manhã é a altura do dia mais propícia à confusão...

E a parte de não saber se "haverá outra noite" poderá significar uma mudança na relação relativamente ao seu ar misterioso e ocasional. Outras noites como aquela... a primeira noite é sempre a mais confusa.

Ao sair vais ter primeiro que voltar a entrar! ;D

alphatocopherol disse...

Li os dois últimos capítulos de seguida e gostei bastante!

Os finais óbvios acabam por não ser os mais estimulantes para mim enquanto leitor... E este final joga muito bem com esse aspecto, sendo e não sendo conclusivo, deixando espaço à sugestão de diversas opções!

Muito bom mesmo