domingo, maio 07, 2006

Contos do Exílio - O Regresso, parte V: O Confronto

-Quando foi que a Vidente entrou na aldeia dos Caminhantes?
-Faz amanhã duas Fases.
Silêncio. De repente ele solta um riso discreto. Era a primeira manifestação de alegria desde que haviam iniciado a caminhada.
-Disseste que ela estava assustada e que queria as minhas varas, não foi?
-Assim por alto foi isso.
Soltou então duas palavras imperceptíveis e os corvos que os haviam seguido à distância aterraram-lhe nos ombros. Falou-lhes num dialecto parecido com folhas secas a serem pisada e ramos a partirem-se. Quando se calou os corvos esvoaçaram, cada um na sua direcção.
-Isso é para me fazeres acreditar que consegues falar com aves?
-Não te quero fazer acreditar em nada. O que te digo é que não são só aves. - Ficou a olhá-la e depois continuou. - Preciso da tua ajuda. Vai até à aldeia dos Caminhantes e diz a todos os que estão connosco para virem ter comigo aqui amanhã à noite. Eles que venham preparados para ficarem cá se necessário. Entretanto tenho assuntos pendentes a tratar... - Calando-se caminhou em direcção à floresta, a sua vara de caminhante numa mão e o cajado do velho na outra. A sua vara de combate, essa não estava em lado nenhum!...

A Discípula caminhava apressada para a aldeia dos Nómadas quando se apercebeu que um corvo voava em seu redor. Primeiro em círculos largos, depois tão perto dela que as penas dele por duas vezes lhe provocaram escoriações na face. Quando parou reparou que o corvo voou para longe dela, mas quando retomou a marcha ele reaproximou-se.
-A menina não sabe pedir com delicadeza a um simples pássaro que a deixe sossegada?
Aquela voz que se lhe dirigia, vinda de trás de si, era estranhamente familiar, mas não podia ser, aquela voz havia desaparecido há muito tempo!
-Não... - disse enquanto se virava.
-Olá Discípula, voltei! Não estás a sonhar, não estás a ver coisas, voltei e esse corvo é um servo meu. Sabes quem servem os corvos não sabes?
O silêncio entre os dois era imenso e absorvia os pequenos sons da floresta. Entre eles não se pronunciou palavra, mas ela olhava-o com um misto de desdém e desafio.
-Ela era capaz de gostar de te ver agora. Podia ser que percebesse todas as escolhas erradas que fez. Esse teu ar não esconde a estupefacção, não me tentes fazer passar por parvo! - Calou-se. Como não obtivesse resposta continuou. - Não faz mal. Ela vai perceber!
O que se passou a seguir foi demasiado rápido para que a Discípula se apercebesse. Lembra-se de avançar para ele, vara apontada à cabeça, mas quando estava quase a atingi-lo ele rodou para o lado de fora dela e atingiu-a violentamente na nuca. A seguir foi a penumbra.

A Vidente encontrava-se na sua tenda, inalando fumos, quando na aldeia começou um burburinho imenso. Esse mumúrio inicial cresceu até que se tornou o som de uma multidão. Sem hesitar lançou um dos seus habituais gritos estridentes, que gelavam o sangue aos habitantes do vale. Como não provocasse efeito nenhum audível, levantou-se e dirigiu-se ao exterior. O que viu deixou-a abismada. Ali, no meio da aldeia, encontrava-se o Exilado, olhando-a nos olhos com uma expressão inabalável de triunfo. Ao seu lado, estendida no chão e inconsciente, a sua predilecta. Em seu redor todos os Nómadas incrédulos com a cena que presenciavam.
-Já há muito tempo, que não nos falamos. Vi os mesmos sinais que tu e soube o que procuras. Uma vara tenho-a comigo, a outra está guardada. Posso entrar para falar contigo a sós, ou queres que o faça à vista de todos?
-Ela... - disse apontando para o corpo inanimado no chão.
-Acordará a qualquer altura.
-Segue-me. - e dirigiu-se para a cabana dela.
Entraram ambos na cabana, enquanto o resto da tribo observava o corpo inerte da Discípula.
-Estou velha demais para lutar contigo...
-Quando se recusa uma luta tem-se o cuidado de não a procurar.
-Não fui eu que entrei pela aldeia adentro.
-Não fui eu que te expulsei, nem fui eu que procurei as tuas armas perdidas.
-Porque as minhas nunca se perderam.
-As minhas também não!
-De qualquer das formas, já não sou a mesma.
-Nisso tens razão. Aparentas não estar fisicamente capaz, mas sei ver as tuas mentiras. Conheço os teus poderes e a tua força. Vim aqui apenas para dizer que aceito o teu desafio.
-O meu desafio?
-O que deixaste escrito nas cinzas da Primeira Clareira...
-Viste-as portanto?
-Vi-as portanto! Os termos são os seguintes daqui a duas noites, nessa mesma clareira espero-te com os meus. Levas certamente os teus, certo?
-Esperas-me com os teus? Quais teus? O povo disperso, os perdidos e sem rumo? Falas desse povo? Os Caminhantes já não têm o sangue puro e a chama do caminho não arde na aldeia desde há muitas Viagens. Hoje nem sequer se lhes pode chamar uma sombra do que foram outrora os Caminhantes. Os teus, é isso que lhes chamas? Os únicos de valor entre os teus preferem seguir-me e residirem na aldeia dos Nómadas a alinharem nas passeatas dos Caminhantes e tomarem o seu caminho. É com esse povo que me esperas?
Durante uns intantes nenhum dos dois se falou. Olhavam-se olhos nos olhos e dir-se-ia que travavam uma batalha silenciosa. Na face de um e outro escorriam gotas de suor, fruto da tensão aliada ao calor extremo dentro da cabana. Finalmente ele optou por responder:
-Aqueles que tomo por meus não te seguiram, nem te seguirão. A Chama que dizes estar apagada ainda brilha o suficiente para criar sombras onde tu e eu não vemos. Tens o dom da Visão. Eu também o ganhei na minha ausência. Ambos sabemos que não viverás outra Viagem. O que ambos não sabemos é se eu viverei essa mesma Viagem. O que ambos não sabemos é o como as coisas acontecem. O que não sabemos é se as sombras são as tuas se as minhas. Sei que tens poder sobre os Anciãos, mas isto é entre tu e eu. No teu lugar deixava os Anciãos em sossego.
-Que te leva a crer que os poderia usar?
-Conheço-te e às tuas acções melhor do que tu pensas! Tentaste usá-los contra mim uma vez. Tentaste usá-los contra a aldeia dos Caminhantes. Desta vez se os tentas usar deixo-te viva para veres os que tomas por teus tombarem à minha mercê e nem penses que ficas para o fim, deixo-te viva, com a dor...
Ambos voltaram então ao duelo silencioso, mas como nenhum dissesse mais nada ele levantou-se e ao sair acrescentou:
-Dou-te uma noite para reflectires sobre o que queres fazer. Conheces os meus termos, mas acrescento uma nova exigência: que vás sozinha. Se fores sozinha esperar-te-ei sozinho também, senão por cada um que te acompanhe, um outro o esperará, palavra do Caminhante. - dizendo isto saiu porta fora e deixou-a entregue aos seus pensamentos.

3 comentários:

R.B. NorTør disse...

Peço desculpa pelo imenso tamanho do post, mas não consegui partir o texto.

De qualquer forma, o senhor Ortografista, se reparar em falhas:

rba047@webmail.uib.no

Comentem

Anónimo disse...

Mais um avanço nesta já clássica obra.

No próximo capítulo há sexo? Se houver mete na PENAL :P

Vamos lá é todos caminhar para o concurso de Santiago do Cacém.

Anónimo disse...

Reparo, e não são poucas!
Ai ai ai, creio que estão em falta algumas lições judiciosamente mediadas pelo meu cajado ...
Tamanho desleixo no escrever não era teu apanágio!