quarta-feira, setembro 10, 2003

A calma do fim


Mergulho no abismo sem medo, sentindo a calma que não é normal quando se está num mundo que não é o nosso. Deixo de sentir frio ou calor, e sinto na minha pele aquilo que não quero ver, litros e litros de água que me rodeiam e envolvem num abraço tão lindo como mortal. Sei que o sol entra suavemente e que os raios se espalham conferindo uma cor esverdeada à agua tão pura, sei que as pequenas nuvens no céu não notam o seu reflexo nesta água onde me encontro mergulhado. Mexo a mão e sinto meus músculos a retesarem-se e a exigirem de si um esforço que não era necessário. Mergulho mais fundo e sinto a areia sedosa como a mão de uma amante na minha barriga, sinto com meus dedos uma concha, nem grande ou pequena, simplesmente uma concha. Sei que as algas bailam devido aos meus movimentos que parecem tão ritmados.
Sinto o ar preso nos meus pulmões, o terror que se começa apoderando de mim, o medo que me trespassa a mente, a pressão enorme que quer rebentar minhas costelas, o pânico que se começa lentamente apoderando do meu corpo levando-me a tentar subir, a tentar atingir a superfície onde as ondas rebentam calmamente. Sinto meu ser a gemer do esforço e a levar-me a dobrar como se estivesse de novo na barriga da minha mãe, a agonia da morte passando como um raio enquanto me encontro na posição fetal, a ironia de meu corpo querer viver enquanto minha mente sente o sabor amargo da morte. O querer subir até à superfície, o querer viver, o querer respirar e o abrir da boca, o sentir da água gelada ocupando os meus pulmões e mergulhando-me na inconsciência, o escuro que mais não me deixa sentir.
E volto a sentir água, sinto as ondas batendo nas minhas pernas e inspiro, respiro o vento que me bate no rosto e não consigo falar, não tenho ninguém com quem falar aqui. Sinto a calma invadir-me o coração como se tivesse acabado de depositar a minha cabeça no teu colo. A vida desaparecida tendo como símbolo a retirada do meu corpo sem vida, uma concha vazia, das águas que rugem e rebentam. Sentir o fim que se aproxima enquanto me elevo no ar e por instantes vejo o meu reflexo nas águas.

A vida é o que fazemos dela

Sem comentários: